Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2009, de 24 de Dezembro de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 16/2009

Processo n. 270/09.9YFLSB

Acórdáo de uniformizaçáo

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Magistrado do Ministério Público no Tribunal da Relaçáo de Guimaráes veio, ao abrigo do artigo 437., n.os 1 e 4, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência, para o pleno das secçóes criminais, invocando as seguintes razóes:

1 - O acórdáo recorrido interpreta o artigo 281,, n. 1, do CPPenal entendendo que a posiçáo de concordância, ou discordância, do JIC relativamente ao propósito do MP em suspender provisoriamente o processo constitui um despacho judicial nos termos previstos nos artigos 97., n. 5, e 206. da CRP.

2 - Ao assim proceder, contudo, náo considera os objectivos de política criminal que presidiram e presidem à definiçáo da suspensáo provisória do processo prevista no mencionado artigo 281.

8738 3 - A decisáo de suspensáo provisória do processo é da exclusiva competência do MP, assumindo a posiçáo do JIC um seu poder discricionário, posicionando -se ao mesmo nível da concordância que é exigida ao arguido e ao assistente.

4 - Assim sendo, porque se está perante um «acto dependente da livre resoluçáo do tribunal», a posiçáo discordante emitida pelo JIC relativamente à proposta de suspensáo provisória do processo emitida pelo MP náo admite recurso.

5 - O disposto no artigo 281., n. 1, no artigo 97., n. 5, e nos artigos 399. e 400., n. 1, alínea b), todos do CPPenal foram violados na decisáo impugnada.

6 - Deve, por isso, ser revogado o acórdáo recorrido e porque é manifesto o antagonismo entre ele o que serve de fundamento a este recurso tratando a mesma questáo jurídica de forma diametralmente oposta, surgir decisáo, eventualmente uniformizadora com o seguinte sentido: «O acto de discordância proferido pelo JIC no cumprimento do disposto no artigo 281., n. 1, do CPPenal, sendo acto dependente da livre resoluçáo do tribunal, é irrecorrível.»

Respondeu o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 439., n. 1, do Código de Processo Penal, requerendo o prosseguimento dos autos.

No exame preliminar considerou -se admissível o recurso e existente a invocada divergência entre o acórdáo recorrido e o acórdáo para fixaçáo de jurisprudência.

Oportunamente realizou -se a conferência a que alude o artigo 441. do Código de Processo Penal na qual se decidiu ser o recurso admissível, atenta a oposiçáo de julgados, e se determinou o prosseguimento dos autos nos termos dos artigos 442. e seguintes do Código de Processo Penal, considerando a necessidade de fixar jurisprudência.

O Ministério Público apresentou alegaçóes, subscritas pelo Ex.mo Procurador -Geral -Adjunto, defendendo o entendimento de que:

1 - O Código de Processo Penal de 1987 estabeleceu uma clara distinçáo entre o tratamento da pequena e média criminalidade, por um lado, e da criminalidade grave, por outro lado, devendo privilegiar -se soluçóes de consenso, quanto à pequena e média criminalidade.

2 - A consagraçáo de soluçóes de simplificaçáo, aceleraçáo e consenso, relativamente à pequena e média criminalidade, teve em conta as experiências de direito comparado e as recomendaçóes do Conselho da Europa sobre esta matéria, salientando -se a Recomendaçáo n. R (87) 18 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptada em 17 de Setembro de 1987.

3 - O instituto da suspensáo provisória do processo, consagrado no artigo 281. do C. P. Penal, reconduz -se ao princípio da «legalidade aberta», náo sendo a sua aplicaçáo um acto discricionário, pelo que o Ministério Público e o juiz de instruçáo se encontram constituídos no poder -dever de suspender o processo sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

4 - A semelhança do que acontece em grande parte dos restantes sistemas jurídicos, a intervençáo do juiz de instruçáo, relativamente à suspensáo provisória do processo, náo se encontrava prevista na Proposta de Lei n. 21/IV, que deu origem ao C. P. Penal de 1987.

5 - Tendo sido introduzida, na redacçáo final do n. 1 do artigo 281., a expressáo «com a concordância do juiz

de instruçáo», na sequência da declaraçáo de inconstitucionalidade, em sede de fiscalizaçáo preventiva, «dos n.os 1

e 2 do artigo 281., por violaçáo dos artigos 206. (actual 202., n. 2) e 32., n. 4, da CRP» - Acordáo do Tribunal Constitucional n. 7/87.

6 - A inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional náo radica exclusiva, nem necessariamente, na falta de intervençáo de um juiz, mas na extrema gravidade das injunçóes e regras de conduta que podem ser impostas ao arguido.

7 - A intervençáo fiscalizadora do juiz de instruçáo visa assegurar que as medidas impostas mediante o acordo, a que alude o artigo 281. do C. P. Penal, náo contendem como os direitos civis e políticos e com a dignidade deste - cf. Acórdáos do Tribunal Constitucional n. 67/2006, 116/2006 e 144/2006.

8 - Ao intervir, no exercício dos seus poderes de garante da verificaçáo dos pressupostos e da legalidade de tal acordo, o juiz de instruçáo está vinculado a parâmetros claramente definidos na lei, devendo a declaraçáo de náo verificaçáo ser fundamentada e poder ser reapreciada em sede de recurso.

9 - As clarificaçóes e os aditamentos introduzidos no n. 1 do artigo 281. do C. P. Penal, pela Lei n. 48/2007, de 29 de Agosto, reforçam a interpretaçáo, que já decorria da redacçáo anterior dessa norma, de que a aplicaçáo da suspensáo provisória do processo reveste a natureza de um poder -dever e dá direitos acrescidos ao arguido e ao assistente, a que háo -de corresponder as acçóes e os expedientes necessários à sua concretizaçáo e, designadamente, o direito ao recurso - artigos 20. e 32., n. 1, da Constituiçáo.

10 - A decisáo de discordância do juiz de instruçáo com a suspensáo provisória do processo náo é um acto de mero expediente e também náo depende da livre resoluçáo do tribunal, porquanto náo decorre do uso legal de um poder discricionário, sendo passível de recurso, ao abrigo do princípio geral da admissibilidade de recurso dos acórdáos, das sentenças e dos despachos, sempre que tal irrecorribilidade náo esteja prevista na lei - artigo 399. do C. P. Penal.

11 - A norma do n. 5 do artigo 281. do C. P. Penal tem um fundamento óbvio, já que a suspensáo provisória do processo parte da iniciativa do Ministério Público, com a concordância do arguido e do assistente, pelo que os mesmos carecem de legitimidade ou interesse em impugnar.

12 - Tendo em vista alargar a aplicaçáo da suspensáo provisória do processo e dos restantes institutos de diver-sáo e consenso, a Lei n. 51/2007, de 31 de Agosto, veio dispor que o Ministério Público deve reclamar ou recorrer, nos termos do C. P. Penal, das decisóes judiciais que náo acompanhem as suas promoçóes destinadas a prosseguir esse e os restantes objectivos e prioridades de política criminal previstos nessa lei, sendo patente a intençáo do legislador no sentido da admissibilidade da impugnaçáo das decisóes judiciais que recusem a aplicaçáo ou náo dêem a sua concordância à suspensáo provisória do processo e aos restantes institutos de diversáo e consenso - cf. artigos 17. e 12., n. 1, alíneas a), b) e f) da Lei n. 51/2007 e Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 2008, processo n. 07P4561.

13 - Termos em que:

  1. O acórdáo recorrido deverá ser mantido, resolvendo-se o conflito que se suscita no sentido do decidido no mesmo.b) Propondo -se, para tal efeito, a seguinte redacçáo:

    A decisáo de discordância do juiz de instruçáo com a suspensáo provisória do processo, nos termos e para os efeitos do artigo 281. do C. P. Penal, é passível de recurso.

    O recorrido e arguido António Jorge da Silva Correia Azevedo igualmente se pronunciou referindo que:

    1 - O recorrido sufraga em absoluto a posiçáo adoptada no acórdáo proferido pelo Tribunal da Relaçáo de Guimaráes no sentido de considerar que a decisáo de discordância do Meritíssimo Juiz de Instruçáo com a opçáo pelo Ministério Público pela suspensáo provisória do processo é passível de recurso.

    2 - A decisáo de concordância ou discordância proferida pelo JIC com a determinaçáo do MP da suspensáo provisória do processo náo se traduz num despacho de mero expediente, nem no exercício de um poder discricionário.

    3 - A concordância e a discordância do juiz de instruçáo náo podem deixar de estar vinculadas pelo princípio da legalidade, daí que a sua decisáo do Meritíssimo Juiz de Instruçáo deva obedecer aos requisitos fixados na lei.

    4 - Verificados cumulativamente todos os pressupostos legais, consagrados no artigo 281., n. 1, do CPP o juiz tem que dar a sua concordância. Faltando alguns dos pressupostos, o juiz de instruçáo manifestará fundadamente a sua discordância.

    5 - Trata -se de um despacho jurisdicional decisório. 6 - Os despachos jurisdicionais decisórios sáo susceptíveis de impugnaçáo, em conformidade com o 399., porquanto a sua irrecorribilidade náo está prevista no artigo 400. do CPP nem em qualquer disposiçáo dispersa do CPP.

    7 - O artigo 281 do CPP, norma em que o Ex.mo Procurador -Geral -Adjunto fundamenta o seu entendimento, náo consagra uma inimpugnabilidade absoluta, uma vez que este n. 5 circunscreve a inimpugnabilidade da decisáo de suspensáo apenas aos casos em que se verifica a determinaçáo da suspensáo provisória do processo pelo MP com concordância do juiz de instruçáo.

    8 - lsto é, desde que se trate de decisóes que náo estejam abrangidas pelo artigo 400. do CPP ou cuja irrecorribilidade esteja prevista numa norma dispersa do Código, todas as demais decisóes sáo recorríveis.

    9 - Deste modo, é convicçáo do recorrido de que a decisáo de discordância do juiz de instruçáo com a decisáo do MP de suspender provisoriamente o processo é uma decisáo passível de recurso.

    10 - Daí, náo merece censura alguma o acórdáo proferido pelo Tribunal da Relaçáo de Guimaráes, uma vez que julgou com integral observância das regras de direito aplicáveis...

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