Acórdão n.º 272/86, de 18 de Setembro de 1986

Acórdão n.º 272/86 Processo n.º 247/85 Acordam no Tribunal Constitucional: I Introdução 1 - Nos termos dos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 18.º, n.º 2, da Lei n.º 81/77, de 22 de Novembro, requereu o provedor de Justiça a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 367/72, de 3 de Julho.

A propósito, alegou o seguinte: a) A disposição em causa estipula que as cadernetas de registo da prática dos auxiliares de farmácia, fornecidas pelos sindicatos representativos dos respectivos profissionais, são propriedade destes; b) Recentemente foi tida por inconstitucional, e revogada, uma disposição de carácter semelhante (o § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931, de 15 de Setembro de 1939) sobre a passagem de carteiras profissionais pelos sindicatos; c) As mesmas razões que justificaram a declaração de inconstitucionalidade da norma do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931 justificam agora igual declaração para a norma do n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 367/72: pressão para a sindicalização dos trabalhadores e diferenciação de regime entre sócios e não sócios; d) O artigo 56.º da CRP reconhece 'aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses' (n.º 1), garante aos trabalhadores, no seu exercício, a liberdade de inscrição sindical [n.º 2, alínea b)] e assegura a independência das associações sindicais perante o Estado (n.º 4); e) Quer a imposição aos sindicatos de fornecerem as cadernetas de registo da prática quer a imposição aos trabalhadores de as obterem nessas associações profissionais contrariam os citados normativos constitucionais.

Apesar de notificado nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, deixou o Ministro da Saúde transcorrer o prazo para o efeito fixado sem se pronunciar sobre o pedido do provedor de Justiça.

2 - Cumpre agora averiguar e decidir se a norma do n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 367/72 infringe ou não o disposto no artigo 56.º, n.os 1, 2, alínea b), e 4, da CRP.

II Análise comparativa das normas do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931 e do n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 367/72.

3 - Na petição do provedor de Justiça afirma-se a semelhança das situações normativas contempladas no § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931 e no n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 367/72. E, partindo dessa similitude de situações, sustenta-se que, tal como a primeira norma foi considerada inconstitucional, assim o deverá ser, e por idênticas razões, a segunda.

Este posicionamento do peticionante impõe que se vá investigar, antes de mais, se os dois casos são ou não assim tão próximos e se, por isso, se legitimará aqui a utilização - com a mesma consequência extrema - de um método de raciocínio análogo àquele que o Tribunal Constitucional seguiu no acórdão em que declarou a inconstitucionalidade da norma do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931.

4 - Dispunha o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931 que competia ao Subsecretário de Estado das Corporações determinar as profissões em relação às quais a carteira profissional - então criada por esse diploma - era título indispensável ao respectivo exercício, precisando o § 1.º desse artigo 3.º que as carteiras profissionais, quando exigidas, seriam passadas pelos sindicatosnacionais.

O instituto da carteira profissional - como o qualificou, já numa perspectiva histórica, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 358/84, de 13 de Novembro, que reviu o seu regime - veio nessa altura 'secundar a obrigatoriedade de pagamento de quotas aos grémios e sindicatos por todas as empresas e trabalhadores, para assegurar a estabilidade dos organismos corporativos. A imposição da carteira profissional a qualquer profissão realizava-se por despacho do membro do Governo competente, sem especificar a lei o critério ou o fim da decisão. A sua passagem, segundo regulamentos previamente aprovados, competia aos sindicatos, para permitir que arrecadassem uma taxa e controlar o pagamento das quotas'.

A carteira profissional - sem embargo de uma certa indefinição finalística, que se registou quando da sua criação - configurou-se desde logo, e indubitavelmente, como título indispensável ao exercício de determinadas actividades profissionais: as como tal consideradas por ulterior decisão do membro do Governo competente (inicialmente o Subsecretário de Estado das Corporações).

Como assim, a ausência de carteira profissional, nos casos em que era exigida, impedia o exercício dessas actividades por parte dos profissionais não habilitados. E, conforme a falta ocorresse antes ou depois da celebração do contrato de trabalho, determinava ainda a sua nulidade ou a sua caducidade (cf. o artigo 4.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, e antes o artigo 4.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 47032, de 27 de Maio de1966).

O § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931 - como se viu - cometia aos sindicatos nacionais do regime corporativo a competência para passarem carteiras profissionais. A seguir à Revolução de Abril - sujeito o preceito a leitura actualista (cf. o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil) - passou a entender-se que tal competência fora 'herdada' pelos sindicatos do período pós-corporativo, juridicamente enquadrados no Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 deAbril.

Foi, pois, a norma do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931, nessa dimensão significativa, que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional, primeiro no domínio da fiscalização concreta, e com reflexos apenas sobre o caso em apreciação (Acórdão n.º 46/84, Diário da República, 2.' série, n.º 161, de 13 de Julho de 1984), e depois no domínio da fiscalização abstracta, e com força obrigatória geral (Acórdão n.º 91/85, Diário da República, 1.' série, n.º 163, de 18 de Julho de 1985), e que o legislador, no entretempo - entre os dois acórdãos do Tribunal Constitucional -, revogou (artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 358/84).

5 - Por outro lado, e relativamente ao registo da prática dos auxiliares de farmacêutico, importa notar antes de mais que, nos termos dos artigos 98.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48547, de 27 de Agosto de 1968, e 1.º e 12.º da Portaria n.º 367/72 [estes dois últimos artigos na redacção do item II) da Portaria n.º 485/78, de 24 de Agosto], o farmacêutico é obrigado a registar, durante cinco anos, a prática dos auxiliares a tempo completo que o coadjuvem na preparação e dispensa de medicamentos ao público.

Deste modo, o registo da prática começa por efectuar-se ao nível da farmácia, e necessariamente no livro de modelo único previsto no artigo 7.º da Portaria n.º 367/72 [redacção do item II) da Portaria n.º 485/78].

Sucessivamente, ano a ano, durante o apontado lustro, e sempre em Janeiro, o director técnico da farmácia remete à Direcção-Geral de Saúde uma nota relativa ao registo de cada auxiliar a ele sujeito, nota acompanhada da caderneta de registo da prática, fornecida pelo sindicato representativo de tais profissionais [artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 367/72, o primeiro artigo na redacção do item II) da Portaria n.º 485/72]. Depois de a Direcção-Geral de Saúde haver registado nas cadernetas, e agora a novo nível, a prática de cada auxiliar devolve-as ao sindicato respectivo, que por sua vez as remete aos auxiliares a quem pertencem (artigos 98.º do Decreto-Lei n.º 48547 e 9.º da Portaria n.º 367/72).

Do exposto nos parágrafos anteriores decorre que, nos quadros do Decreto-Lei n.º 48547 e das Portarias n.os 367/72 e 485/78, as cadernetas fornecidas pelos sindicatos representativos dos respectivos profissionais, indispensáveis ao registo da prática efectuada ao nível da Direcção-Geral de Saúde, se configuram, nessa medida, como condição do exercício, durante os primeiros cinco anos, da actividade do auxiliar de farmacêutico que trabalhe a tempo completo e com ele colabore na preparação e dispensa de...

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