Parecer n.º 8/2008, de 24 de Novembro de 2008

Parecer n.º 8/2008 Parecer sobre "A Educação das Crianças dos 0 aos 12 anos" Preâmbulo No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de Parecer elaborado pela Conselheira Relatora Ana Maria Dias Bettencourt, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 21 de Outubro de 2008, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo assim o seu terceiro Parecer no decurso do ano de 2008. Parecer Durante o Debate Nacional sobre Educação, o Conselho Nacional de Educação recebeu várias sugestões no sentido do aprofundamento das questões relacionadas com "A Educação das Crianças dos 0 aos 12 anos". Portugal tem um ensino básico que não se adequou à evolução trazida pela democratização do acesso à educação e consequente diver- sificação da população escolar que o frequenta.

Os persistentes níveis de insucesso e abandono escolares são reveladores das dificuldades de resposta aos problemas que impedem a concretização de um ensino básico de qualidade para todos.

Considerou -se que o CNE poderia dar um contributo significativo nesta área, promovendo a reflexão sobre a actual estrutura e organização da educação de infância e do ensino básico no quadro da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), designadamente quanto à orientação educativa das primeiras idades, ao conceito de escola a desenvolver, à estrutura dos ciclos de ensino, aos percursos dos alunos.

Assim, o CNE assumiu como uma das suas prioridades estudar a educação na etapa da vida das crianças situada entre os 0 e os 12 anos de idade, tendo adoptado como metodologia o estabelecimento de uma relação dialéctica entre o conhecimento científico e o debate de concertação sócio -educativa.

A realização de uma primeira conferência internacional e de um workshop de especialistas nacionais constituiu o ponto de partida para a realização de um estudo (adiante designado por Estudo) sobre esta problemática, coordenado pela Professora Isabel Alarcão, que reuniu para esse fim uma equipa de especialistas de várias áreas das Ciências da Educação.

O Estudo foi entregue ao CNE em Março de 2008 e a reflexão produzida organizou -se em torno de três objectivos: Caracterizar a situação portuguesa sobre a temática em análise; Comparar a situação portuguesa com a situação noutros países; Perspectivar novos rumos.

Na redacção do texto final do Estudo foram tidas em consideração as contribuições de um grupo de especialistas que se pronunciaram sobre uma versão preliminar do mesmo, num workshop organizado para o efeito.

Para além deste Estudo, cuja apresentação e discussão pública tiveram lugar no âmbito de uma conferência ( 1 ) que reuniu especialistas nacio- nais e estrangeiros, foram ainda promovidas outras iniciativas visando aprofundar o conhecimento da situação portuguesa, de inovações em curso e da situação existente noutros países europeus.

Numa fase seguinte, foram ainda realizados mais dois seminários que se centraram na diversidade dos contextos escolares ( 2 ) e na organização do trabalho escolar no 1.º ciclo do ensino básico ( 3 ). Nesses seminá- rios houve a preocupação de convidar participantes que apresentaram situações educativas portuguesas e de países da União Europeia.

O presente projecto de parecer tem por base o conhecimento decorrente das diversas iniciativas atrás mencionadas, a reflexão produzida ao nível das Comissões do CNE directamente envolvidas nesta problemática, bem como as recomendações do estudo comparativo promovido pela OCDE, intitulado No More Failures.

Ten Steps to Equity in Education ( 4 ) . Na primeira parte, apresentam -se as questões emergentes da análise da problemática e, no final, formula -se um conjunto de recomendações a ter em conta no processo de reconfiguração da educação das crianças em Portugal.

O projecto de parecer agora apresentado assume que a problemática da educação dos 0 aos 12 anos deverá ser encarada sob o duplo ângulo da melhoria da sua qualidade e da garantia de equidade no sistema.

A -- Questões emergentes 1 -- O papel da sociedade no desenvolvimento e protecção das crianças Educar a criança é uma importante tarefa da família e da escola, mas a sociedade em geral tem uma forte responsabilidade nessa missão. À escola e à família têm sido, progressivamente, imputadas responsabi- lidades a que elas, de modo isolado, terão dificuldade em responder.

A escola pública do 1.º ciclo tem vindo a reforçar a sua presença no quotidiano das crianças.

Mas essa evolução não dispensa uma maior articulação dos recursos locais em torno de projectos de enquadramento social e respostas mais atempadas aos problemas.

O desenvolvimento harmonioso das crianças e jovens exige uma responsabilidade social de importância acrescida em situações de risco.

Essa responsabilidade social deve abranger a promoção de condições para a integração social e para o desenvolvimento das crianças, bem como a educação para a cidadania nas suas múltiplas dimensões, em que o papel das estruturas locais, em especial das autarquias, assume maior importância.

O Estudo refere que "Os problemas actuais da infância exigem res- postas interdisciplinares, holísticas, diversificadas e, muitas vezes, lo- cais, pelo que se recomenda o incentivo ao trabalho em equipa entre profissionais com valências diversificadas, como é o caso da saúde, da educação, da cultura, do apoio social" (p. 126). Pensar a educação das crianças dos 0 aos 12 anos obriga a que se reformulem os mecanismos de protecção das crianças em risco.

Somos frequentemente confrontados com situações em que esses mecanismos falham.

Por outro lado, há que organizar uma maior articulação entre a família e a escola e clarificar responsabilidades na resposta aos problemas das crianças em risco.

Com frequência, são identificados crianças e jovens em situação problemática, mas a indefinição de responsabilidades permite que os correspondentes processos circulem entre instâncias e se arraste a sua resolução, perdendo -se a oportunidade de uma intervenção atempada e útil.

Existem actuações muito diversas nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que, deste modo, não garantem, de forma generalizada, a eficácia das respostas a dar. 2 -- O lugar da educação da criança dos 0 -12 anos no contexto do ensino básico de nove anos Pela Lei de Bases do Sistema Educativo foi criado um ensino básico de três ciclos que deveria constituir uma unidade coerente e criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo a todos os alunos.

Uma escolaridade básica de 9 anos seria, em princípio, consentâ- nea com o princípio da equidade e com as recomendações da OCDE, sobretudo, no que se refere ao risco de adopção precoce de critérios de diversificação de vias escolares ou de selecção com base nas apren- dizagens.

Contudo, apesar de uma melhoria clara no 1.º ciclo e de algum modo no 2.º ciclo, os níveis de insucesso e abandono continuam elevados, o que é agravado com a progressão dos alunos ao longo dos ciclos (vide Anexo 1). Mais de vinte anos decorridos sobre a aprovação da LBSE e num cenário que é hoje profundamente diferente -- caracterizado por uma significativa democratização do acesso e por um processo de extrema diversificação dos públicos escolares -- ,a escola, tal como tinha sido então pensada, não se revelou capaz de produzir respostas adequadas.

Acresce que Portugal se tornou, num curto espaço de tempo, num país de imigração, o que coloca novos desafios à capacidade de enquadra- mento dos alunos em contextos de multiculturalidade e diversificação social extrema.

A descrição da missão dos três ciclos do ensino básico (LBSE) já não constitui hoje justificação suficiente para a sua persistência, tal como estava definida à partida.

Para muitos alunos a aquisição de competên- cias básicas não pode ser interrompida ao fim de quatro anos, devendo prosseguir após o 1.º ciclo.

A definição dos 2.º e 3.º ciclos suscita dú- vidas sobre a adequação da duração de cada um deles e mesmo sobre a pertinência de um modelo de dois ciclos abrangendo estes níveis etários.

Objectivos como, por exemplo, a aquisição de métodos e instrumentos de trabalho, acentuados na definição do 2.º ciclo, deveriam constituir uma linha de trabalho dominante em qualquer ciclo do ensino básico, no contexto de aprendizagem ao longo da vida e de uma sociedade do conhecimento.

Se a estrutura em três ciclos teve uma justificação histórica, como ilustra Natércio Afonso no Estudo, fará sentido revê -la hoje, decorridos mais de vinte anos, face à constatação de que, na prática, a articulação entre ciclos e a criação de percursos educativos coerentes não se pro- cessou, por razões que se prendem com culturas e práticas institucionais e organizacionais, apesar das decisões tomadas nesse sentido ao longo das últimas décadas.

Importa questionar o lugar do 2.º ciclo no ensino básico de 9 anos, tendo em conta, designadamente, o desenvolvimento das escolas básicas integradas e os novos curricula das Escolas Superiores de Educação, pós -processo de Bolonha, onde se prevê a...

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