Parecer n.º 9/2016

Data de publicação18 Julho 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 9/2016

Federação desportiva - Futebol - Liga Portuguesa de Futebol Profissional - Conselho de Disciplina - Competência disciplinar - Poder disciplinar - Infração disciplinar - Regulamento disciplinar - Lei de bases - Princípio da preferência ou preeminência da lei.

1.ª Pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, foi alterado o n.º 1 do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, nele se passando a estatuir que «ao conselho de disciplina cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva».

2.ª Os referidos diplomas foram emitidos no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa, preceito que determina a subordinação às correspondentes leis dos Decretos-Leis que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos;

3.ª A atribuição ao conselho de disciplina federativo, pela nova redação decorrente do Decreto-Lei n.º 93/2014, da competência para instaurar e arquivar procedimentos disciplinares não contende com qualquer norma ou princípio decorrente da referida lei de bases (Lei n.º 5/2007), inexistindo, consequentemente, fundamento para assacar àquele diploma o vício de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado;

4.ª Os estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional contêm, no seu artigo 60.º, n.º 2, disposições que, em violação do imperativamente disposto no n.º 1 do artigo 43.º do RJFD, preveem a competência da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga para determinar a instauração e o arquivamento de procedimentos disciplinares em matéria desportiva;

5.ª Caso a Liga Portuguesa de Futebol Profissional não proceda à alteração dos seus estatutos, adaptando-os ao regime de competência disciplinar que imperativamente decorre da disposição legal indicada, justificar-se-á que o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 158.º-A do Código Civil, proponha ação judicial contra a mesma, visando a declaração de nulidade, na pertinente medida, das disposições estatutárias correspondentes;

6.ª O Regulamento Disciplinar da Liga contém, designadamente no artigo 208.º, n.º 3, alíneas a) e d), disposições que atribuem à Comissão de Instrução e Inquéritos o mesmo núcleo de competências para, em matéria desportiva, instaurar processos disciplinares ou de inquérito e para determinar o respetivo arquivamento;

7.ª A antinomia entre tais disposições regulamentares e a norma decorrente do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008 resolve-se por aplicação do princípio da preferência ou preeminência da lei: o regulamento não pode contrariar um ato legislativo ou equiparado, tendo a lei absoluta prioridade sobre o mesmo;

8.ª Haverá, consequentemente, face à superveniência de uma disposição legal imperativa com as mesmas incompatível, que considerar revogadas, na correspondente medida, as disposições constantes do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional das quais decorre a atribuição à Comissão de Instrução e Inquéritos de competência para instaurar procedimentos disciplinares e para determinar o respetivo arquivamento;

9.ª Relativamente às restantes competências atribuídas nos estatutos da Liga e no Regulamento Disciplinar à Comissão de Instrução e Inquéritos no âmbito das competições oficiais da Liga (direção dos processos de inquérito, direção da instrução dos processos disciplinares, encerramento da respetiva instrução, dedução de acusação e sustentação da mesma perante o órgão decisório disciplinar e execução, sob a orientação e a superintendência da comissão executiva da Liga, das decisões disciplinares), inexiste qualquer obstáculo legal a que o mesmo órgão se mantenha na plenitude do respetivo exercício, continuando o Regulamento a vigorar na parte não afetada pela revogação referida na antecedente conclusão, e aplicando-se subsidiariamente, sempre que tal se justificar, os preceitos relativos ao estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas, ex vi do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento.

Senhor Secretário de Estado da Juventude e do Desporto,

Excelência:

Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar a emissão pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de parecer sobre as competências do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (1).

Cumpre emitir tal parecer, ao abrigo do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público (2), tendo presente na respetiva elaboração o caráter de urgência com que o mesmo foi solicitado.

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A consulta foi formulada nos termos seguintes:

«ASSUNTO: Pedido de Parecer com caráter de urgência ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Competências do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na sua redação atual, compete ao Ministério Público, em especial, exercer funções consultivas, nos termos deste mesmo Estatuto.

De igual modo, refere a alínea e) do artigo 10.º deste Estatuto que compete à Procuradoria-Geral da República emitir parecer nos casos de consulta previstos na lei e a solicitação do Governo.

Ainda nos termos do artigo 36.º deste Estatuto, a Procuradoria-Geral da República exerce funções consultivas por intermédio do seu Conselho Consultivo, competindo-lhe, nos termos da alínea a) do artigo 37.º, emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou a solicitação do Governo.

Por último, de acordo com o disposto no artigo 39.º, n.º 2 deste Estatuto, os pareceres solicitados com declaração de urgência têm prioridade sobre os demais.

Assim, vem o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto solicitar a V. Exa, na qualidade de Presidente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a pronúncia deste órgão relativamente à matéria abaixo exposta:

I. As Federações Desportivas dispõem de poder disciplinar no quadro das competições desportivas que se realizam sob a sua égide. Este poder reveste inegável natureza pública, derivada da titularidade do estatuto de utilidade pública desportiva. Para tal exercício contribui decisivamente, em termos orgânicos, o Conselho de Disciplina das Federações Desportivas, como órgão estatutário obrigatório dessas Entidades. É este órgão que, na arquitetura normativa, assume o principal papel como operador do regime disciplinar desportivo.

II. O exercício de tal poder disciplinar assumiu diferentes contornos, desde a versão inicial do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, passando pelo registo das Leis de Bases do Desporto Nacional, até ao atual Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, e revisto pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho. Essa diversidade também teve lugar no quadro das Federações Desportivas onde se disputam competições de natureza profissional, como é o caso da Federação Portuguesa de Futebol.

III. A Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, realizada no dia 25 de julho de 2015, tendo como objeto, nos termos previstos na lei, a ratificação do Regulamento Disciplinar das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, bem como do Regulamento de Arbitragem aplicável às mesmas competições, veio deliberar no sentido da não ratificação de tal Regulamento Disciplinar. Segundo a Federação Portuguesa de Futebol, a nova redação do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, ao estabelecer em novos termos as competências do Conselho Disciplinar das Federações Desportivas, colocou no quadro da ilegalidade todas as competências da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, órgão previsto no Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. A mesma conclusão vale para qualquer órgão, mesmo estatutário, da Liga Portuguesa de Futebol Profissional que no desenho das suas competências venha a inserir, ainda que parcialmente, o essencial das competências legais do Conselho de Disciplina. Porém, para a Liga Portuguesa de Futebol Profissional as competências referentes à Comissão de Instrução e Inquéritos permanecem legítima e legalmente ancoradas e delegadas na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por força do artigo 27.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, insistindo em tal conclusão por via dos princípios do acusatório e da separação de poderes.

IV. Este espaço de incerteza jurídica é pernicioso para a estabilidade de todas as competições profissionais de futebol e para o exercício da função disciplinar.

Face ao supra exposto, e com vista a obter um juízo de legalidade que permita alcançar a segurança imprescindível para a aplicação do Direito, até ao início da próxima época desportiva, a 1 de julho de 2016, vimos, nos termos [e] para os efeitos da alínea a) do artigo 37.º e do n.º 2 do artigo 39.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, com as alterações posteriores, solicitar a emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com caráter de urgência, relativamente às seguintes questões:

- Legalidade do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, na redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho;

- Competências atribuídas à Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de acordo com o Regulamento Disciplinar respeitante à época 2014/2015, ainda...

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