Parecer n.º 12/2017

Data de publicação04 Janeiro 2018
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 12/2017

Assembleia da República - Funcionário Parlamentar - Carreira Especial - Mobilidade Interna - Mobilidade na Categoria - Mobilidade entre Carreiras - Mobilidade entre Categorias - Cedência de Interesse Público - Consolidação - Resolução da Assembleia da República - Reserva Relativa de Competência Legislativa.

1.ª Os funcionários parlamentares constituem um corpo especial e permanente regido por um estatuto especial e integram-se em carreiras especiais (assessor parlamentar, técnico de apoio parlamentar e assistente operacional parlamentar), pluricategoriais, sendo o acesso na carreira feito, em regra, pela respetiva categoria de base e exigindo a titularidade de determinadas habilitações académicas.

2.ª O Estatuto dos Funcionários Parlamentares (EFP), aprovado pela Lei n.º 23/2011, de 20 de maio, prevê a aplicabilidade dos mecanismos de cedência de interesse público e de mobilidade interna, bem como a possibilidade de consolidação relativamente às situações de mobilidade interna.

3.ª Não definindo o Estatuto dos Funcionários Parlamentares o conteúdo dos conceitos de mobilidade interna, quer no âmbito do artigo 15.º, quer no âmbito do artigo 17.º, a integração destes conceitos deve ser efetuada por recurso à legislação geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública, nos termos previstos no artigo 30.º da Lei de Organização e Funcionamento da Assembleia da República.

4.ª No âmbito da lei geral em vigor à data da aprovação do Estatuto dos Funcionários Parlamentares - Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro - a mobilidade interna abrangia a mobilidade na categoria, a mobilidade entre categorias e a mobilidade entre carreiras mas apenas era permitida a consolidação das situações de mobilidade na categoria, não sendo permitida a consolidação da mobilidade intercategorias ou intercarreiras.

5.ª Não se vislumbram razões específicas, designadamente que relevem da autonomia e independência do respetivo órgão de soberania, que justifiquem um regime diferenciado para os funcionários parlamentares, que, para além de não ter sido manifestamente expresso pela lei especial, se afigura afastado pelo n.º 2 do artigo 18.º do Estatuto dos Funcionários Parlamentares o qual, ao referir-se à avaliação do desempenho para efeitos de consolidação da mobilidade interna, apenas menciona a consolidação na categoria e já não a consolidação em diversa categoria ou carreira.

6.ª Apesar de a lei geral atualmente em vigor - Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2104, de 20 de junho - ter admitido a possibilidade de consolidação da mobilidade entre categorias e entre carreiras, as exigências impostas não permitiram a sua aplicabilidade aos funcionários parlamentares até 31 de dezembro de 2016.

7.ª Só com a alteração introduzida pela Lei do Orçamento de 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), que aditou o artigo 99.º-A e que, além do mais, eliminou a exigência de que as carreiras tivessem igual grau de complexidade, passou a ser admissível a consolidação de situações de mobilidade entre categorias e entre carreiras no caso dos funcionários parlamentares, por aplicação subsidiária da lei geral e com as necessárias adaptações (designadamente no que concerne às competências).

8.ª As disposições da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas integradas na reserva legislativa da Assembleia da República, onde se incluem, nos termos do artigo 3.º, g), as normas respeitantes à consolidação da mobilidade interna e das situações de cedência de interesse público, prevalecem sobre quaisquer atos que não relevem da função legislativa e mesmo, dentro destes, que não sejam leis da AR ou decretos-leis do Governo aprovados no âmbito de uma autorização legislativa da AR.

9.ª Não obstante o disposto no artigo 30.º da Lei de Organização e Funcionamento da Assembleia da República, no sentido de que o pessoal «rege-se por estatuto próprio, nos termos da presente lei e das resoluções e regulamentos da AR, tomados sob proposta do Conselho de Administração», a edição de resoluções ou regulamentos da AR, em matérias inseridas na reserva legislativa, tal como é o caso da consolidação da mobilidade e da cedência de interesse público, apenas poderá assumir natureza de complementaridade e de execução, não podendo alterar o disposto na lei.

10.ª O Estatuto dos Funcionários Parlamentares prevê a aplicação do mecanismo de cedência de interesse público mas é omisso no que respeita à possibilidade de consolidação dessa situação, sendo certo que, também na lei geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública em vigor na data da sua aprovação, tal possibilidade não estava prevista.

11.ª Embora posteriormente, por alterações introduzidas à lei geral, a consolidação das situações de cedência de interesse público tivesse sido prevista, as exigências impostas, designadamente que apenas ocorra dentro da mesma categoria e carreira, obsta à sua aplicação subsidiária aos funcionários parlamentares, que constituem um corpo especial de funcionários integrados em carreiras especiais que só existem neste órgão de soberania.

12.ª Apesar de caber nas competências específicas do Secretário-Geral da Assembleia da República assegurar a gestão corrente dos meios humanos, o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Estatuto dos Funcionários Parlamentares, segundo o qual, a mobilidade interna exige o acordo do funcionário parlamentar, não estando previstas quaisquer exceções, obsta a uma decisão de mobilidade do funcionário entre serviços da AR sem a concordância deste.

Senhor Presidente da Assembleia da República,

Excelência:

I

Dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer deste Conselho Consultivo acerca das seguintes questões (1):

«1.º Tendo o Estatuto dos Funcionários Parlamentares (EFP) sido aprovado pela Lei n.º 23/2011, de 20 de maio, logo na vigência do regime de vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores da Administração Pública (LVCR), aprovado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro (regime também aplicável aos funcionários parlamentares por força dos respetivos artigos 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3), é ou não de admitir ter havido intenção por parte do legislador de abarcar na figura da consolidação da mobilidade regulada no artigo 17.º do EFP quer a consolidação da mobilidade na categoria quer a consolidação da mobilidade intercarreiras ou intercategorias?

2.º Tendo sido a LVCR, à exceção das respetivas normas transitórias dos artigos 88.º a 115.º, revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), o disposto neste último diploma legal, nomeadamente sobre consolidação da mobilidade e da cedência de interesse público prevalece, por força do respetivo artigo 3.º, alínea g), sobre decretos-leis e leis ordinárias posteriores e, por maioria de razão, sobre resoluções da Assembleia da República que incidam sobre tais matérias, tomadas ao abrigo dos artigos 166.º, n.º 5, e 181.º da Constituição da República Portuguesa e 30.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento da Assembleia da República (LOFAR), aprovada pela n.º 77/88, de 1 de julho (na versão republicada pela Lei n.º 28/2003, de 30 de junho)?

3.º Concretamente, podem os trabalhadores da Administração Pública que ao abrigo do artigo 14.º do EFP exercem funções nos órgãos e serviços da Assembleia da República em regime de cedência de interesse público vir a ser integrados nas carreiras parlamentares com o posicionamento remuneratório de origem ou, pelo contrário, deve entender-se que uma decisão dessa natureza, independentemente da forma que for adotada (resolução da Assembleia da República ou simples despacho) não é legalmente admissível uma vez que a consolidação não se destina a operar «na mesma carreira e categoria», tal como é exigido pelo artigo 99.º, n.º 9, da LGTFP?

4.º Dispondo o artigo 24.º, n.º 1, alínea f), Lei de Organização e Funcionamento da Assembleia da República (aprovada pela Lei n.º 77/78, de 1 de julho, e republicada pela Lei n.º 28/2003, de 30 de julho) que compete ao Secretário-Geral "assegurar a gestão corrente dos meios humanos da Assembleia da República", pode um funcionário parlamentar invocar o n.º 5 do artigo 15.º do EFP para se recusar a cumprir um despacho fundamentado do Secretário-Geral dispondo sobre a sua colocação, nomeadamente em mobilidade na categoria, num outro serviço da Assembleia da República?»

Cumpre emitir parecer.

II

1 - A Constituição da República Portuguesa dispõe, no artigo 181.º, sob a epígrafe "Funcionários e especialistas ao serviço da Assembleia [da República]":

«Os trabalhos da assembleia e o das comissões serão coadjuvados por um corpo permanente de funcionários técnicos e administrativos e por especialistas requisitados ou temporariamente contratados, no número que o Presidente considerar necessário.»

A garantia de autonomia e independência da Assembleia da República, face ao Governo e à Administração constituem fundamento desta norma. Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (2) em anotação ao citado artigo, «a existência de um corpo permanente de funcionários técnicos e administrativos é uma das garantias de autonomia e de eficácia da AR».

A Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR) (3) define e regula os instrumentos de gestão administrativa, financeira e de apoio técnico «que permitem à Assembleia da República o desenvolvimento da sua atividade específica».

O capítulo VI é dedicado ao «Pessoal dos serviços da AR», dispondo o artigo 30.º:

«Artigo 30.º

Estatuto do pessoal da AR

1 - O pessoal da AR rege-se por estatuto próprio, nos termos da presente lei e das resoluções e regulamentos da AR, tomados sob proposta do Conselho de Administração.

2 - A legislação referente aos funcionários da administração central do Estado é aplicável subsidiariamente aos funcionários da AR».

E o artigo 31.º, sobre "Quadro de pessoal", estabelece que «A Assembleia da República dispõe do pessoal constante dos quadros aprovados por resolução da AR, sob...

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