Acórdão n.º 446/2008, de 28 de Outubro de 2008

Acórdáo n. 446/2008

Processo n. 301/08

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

A - Relatório

1 - José António Gonçalves Pinto de Sousa, com os demais sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70., n. 1, alínea b), da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacçáo (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas definidas no respectivo requerimento de interposiçáo do recurso nos seguintes termos:

"[...]

1 - "A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188., n. 1, do Código de Processo Penal segundo a qual "é no termo de cada período de escuta, e náo logo a seguir a cada

conversaçáo telefónica interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravaçáo com indicaçáo pelo órgáo de polícia criminal das passagens relevantes para a prova" é inconstitucional por violaçáo do disposto nos artigos 18., n. 2 e 3, e 34., n. 4, da Constituiçáo da República Portuguesa" (cf. 3. Parágrafo da página 14 da Motivaçáo e Ponto 8 das Conclusóes do recurso)

2 - "A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo segundo a qual "após a alteraçáo legislativa de 2000 a maior complexidade na elaboraçáo do auto de gravaçáo impóe a adopçáo de critério mais dilatado quanto ao requisito da imediatividade da sua apresentaçáo" é ainda inconstitucional por violaçáo do disposto nos artigos 13., 18., n. s 2 e 3, e 34., n. 4, da Constituiçáo da República Portuguesa" (cf. 5. Parágrafo da página 18 da Motivaçáo e Ponto 14 das conclusóes do recurso)

3 - "A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188., n. 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o inciso imediatamente deve ser interpretado "dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensáo do processo", equivalendo, nessa medida, ao "tempo mais rápido possível" é inconstitucional por violaçáo do disposto nos artigos 18., n. s 2 e 3, 32., n. 1, e 34., n. 4, da Constituiçáo da República Portuguesa" (cf. 4. Parágrafo da página 25 da Motivaçáo e Ponto 22 das conclusóes de recurso).

4 - "É, assim, inconstitucional por violaçáo do disposto nos artigos 18., n. s 2 e 3 e 34., n. 4, da Constituiçáo da República Portuguesa, a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188., n. 1 do Código de Processo Penal, segundo a qual, nos casos em que decida proceder pessoalmente à integral audiçáo dos suportes magnéticos que lhe hajam sido entregues, fica ao livre arbítrio do Juiz de Instruçáo Criminal a determinaçáo do lapso de tempo em que o teor dessas mesmas conversaçóes telefónicas deva ser conhecido" (cf. 3. Parágrafo da página 32 da Motivaçáo e Ponto 30 das conclusóes do recurso).

5 - "Deverá também o presente Tribunal julgar inconstitucional, por violaçáo dos artigos 32., n. s 2 e 8, 34., n. 4, e 18., n. s 2 e 3 da CRP, a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo dos artigos 187., n. 1 e 188., n. 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual "uma vez autorizada a intercepçáo e gravaçáo por determinado período, pode ser concedida autorizaçáo para a sua continuaçáo sem que o juiz tome conhecimento do resultado das anteriores conversaçóes telefónicas interceptadas e gravadas" (cf.

40 Parágrafo da página 43 da Motivaçáo e Ponto 49 das conclusóes do recurso).

6 - "Deve também ser declarada inconstitucional por violaçáo das normas dos artigos 32., n. 1 e 8, 18., n. s 2 e 3 e 34., n. 4, a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do disposto no artigo 188., n. 3, do Código de Processo Penal, segundo a qual "nada impóe que a ordem de destruiçáo seja dada imediatamente após a primeira selecçáo, podendo o Juiz aditar aos "autos de gravaçáo" sessóes que haja anteriormente considerado irrelevantes para a prova" (cf. 6. Paragrafo da página 47 da Motivaçáo e Ponto 56 das conclusóes do recurso).

2 - Com interesse para a decisáo do caso sub judicio, cumpre relatar:

2.1 - O presente recurso surge interposto do Acórdáo do Tribunal da Relaçáo do Porto que negou provimento ao recurso interposto da decisáo instrutória proferida no 2. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar que pronunciara o arguido pela prática de vinte e seis crimes dolosos de corrupçáo passiva para prática de acto ilícito.

2.2 - Nesse recurso, o arguido insurgiu -se contra a decisáo instrutória na parte em que nesta foi indeferido o seu pedido de declaraçáo de nulidade das escutas telefónicas, colocando ao Tribunal da Relaçáo as seguintes questóes:

"[...]

1 - A regra consagrada na primeira parte do artigo 188., n. 1 do Código de Processo Penal, náo foi respeitada no caso sub judice, o que, nos termos do disposto nos artigos 189. e 126., n. 3, do mesmo diploma legal, determina a nulidade das escutas telefónicas ordenadas e, por conseguinte, a proibiçáo da utilizaçáo como prova das transcriçóes das conversaçóes telefónicas interceptadas.

2 - Do cotejo entre os "autos de gravaçáo" de fls. 205, 206, 298, 230, 231, 266, 267, 268, 278, 298, 299, 305, 321, 339, 343, 348, 364, 365, 397, 404, 407, 417, 427, 489, 492, 494, 525, 533, 567, 629, 676, 677, 708, 743, 756, 782, 886, 945, 1048, 1131, 1186, 1213, 1530, 1069, 1839 e 4172 e as "Promoçóes" do Ministério Público de fls. 215, 285, 326, 378, 473, 503, 538, 670, 815, 1009, 1090, 1167, 1263, 1557, 1641, 2278 e 4259, verifica -se que nunca os "autos de "gravaçáo" relativos a conversaçóes telefónicas mantidas por e através do número de telemóvel pessoal do Arguido, José Luís Pinto Sousa ("alvo" 27199), foram imediatamente levados ao conhecimento da Meritíssima Juiz do Tribunal de Instruçáo Criminal de Gondomar, mediando sempre entre a sua conclusáo e a competente remessa, vários dias, e nalguns casos até mais de um mês;

3 - O mesmo sucedeu com as intercepçóes e gravaçóes de conversaçóes telefónicas efectuadas por e através do número de telemóvel ("alvo" 20798) pertencente ao Arguido, José Oliveira, cujos "autos de gravaçáo" foram sempre remetidos à Meritíssima Juiz do Tribunal de Instruçáo Criminal de Gondomar vários dias, nalguns casos até mais de um mês, depois de terem sido lavrados (cf. "autos de gravaçáo" de fls. 159, 160, 166, 192, 235, 243, 271, 272, 279, 301, 304, 320, 323, 341, 342, 345, 355, 372, 392, 406, 414, 426, 487, 491, 527, 528, 617, 673, 696, 797, 749, 759, 755, 788 e 789, 855, 885, 944, 1047, 1130, 1185, 1212, 1608, 1838, 4171 e 4523 e "Promoçóes" do Ministério Público de fls. 173, 215, 251, 285, 330, 378, 473, 503, 670, 815,1009, 1090, 1167, 1263, 1557, 1641, 4087, 4259 e 4275).

4 - A validade das escutas telefónicas efectuadas foi defendida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo com base no entendimento segundo o qual é "no termo de cada período de escuta e, náo logo a seguir a cada conversaçáo interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravaçáo com indicaçáo pelo órgáo de polícia criminal das passagens consideradas relevantes para a prova".

5 - Tal interpretaçáo a que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo procedeu do disposto no artigo 188., n. 1 do Código de Processo Penal, náo encontra qualquer correspondência nem na letra nem no espírito da lei.

6 - Considerando que o escopo da lei ou "pensamento legislativo" subjacente à regra plasmada no artigo 188., n. 1, do Código de Processo Penal, é o de salvaguardar a menor compressáo possível dos direitos fundamentais coarctados pelas escutas telefónicas através do acompanhamento efectivo e contínuo das operaçóes que lhe sáo inerentes pelo Juiz, o critério interpretativo a adoptar neste caso náo pode deixar de ser aquele que justamente assegure um maior acompanhamento judicial em que se materializa este específico meio de obtençáo de prova.

7 - Seguindo o critério interpretativo que "assegure a menor compressáo possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica", chegar -se -á necessariamente à conclusáo que, no decurso do período pelo qual foi autorizada a realizaçáo de escutas de telefónicas, devem ser apresentados ao Juiz de Instruçáo Criminal "autos de gravaçáo" intercalares.

8 - Considera também o Recorrente que a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188., n. 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual "é no termo de cada período de escuta, e náo logo a seguir a cada conversaçáo interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravaçáo com indicaçáo pelo órgáo de polícia criminal das passagens consideradas relevantes para a prova", é inconstitucional por violaçáo do disposto nos artigos 18., n. 2 e 3, e 34., n. 4, da Constituiçáo da República Portuguesa.

9 - Os Projectos de Lei de revisáo do Código de Processo Penal que foram recentemente apresentados na Assembleia da República, em que o Meritíssimo Juiz a quo se ampara para sustentar a sua posiçáo, levariam necessariamente à proibiçáo de utilizaçáo de grande parte das conversaçóes telefónicas dos Arguidos, José Luís Pinto Sousa e José Oliveira, porquanto, os respectivos "autos de gravaçáo" foram, quase todos, levados ao conhecimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo mais de 17 dias depois de terem sido lavrados (cf. artigo 188., n. 3, da Proposta de Lei n. 109/X).

10 - No que respeita ao espaço de tempo que deve mediar entre o

fim da gravaçáo e a apresentaçáo do respectivo auto, defende o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que "após a alteraçáo legislativa de 2000 a maior complexidade na elaboraçáo do auto impóe a adopçáo de critério mais dilatado quanto ao requisito da imediatividade da sua elaboraçáo e apresentaçáo, náo sendo exigível a fixaçáo de um prazo máximo rígido, que sempre se poderia mostrar completamente desadequado ao condicionalismo do caso concreto" (cf. fls. 22921 da douta Decisáo Recorrida).

11 - Entende o Recorrente que também este argumento invocado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo é totalmente desprovido de sentido, visto que, conforme resulta claramente do disposto no artigo 188., n. 1 do Código de Processo Penal, o "requisito da imediatividade" se prende com a remessa do auto ao Juiz de Instruçáo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT