Acórdão n.º 867/96, de 04 de Outubro de 1996

Acórdão n.º 867/96 - Processo n.º 303/91 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - Relatório 1 - Ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, da Constituição e no artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o Provedor de Justiça veio requerer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 1/90, de 3 de Janeiro, que estabeleceu a atribuição de indemnizações compensatórias aos reformados da Empresa Pública do Jornal Diário Popular que, à data da extinção daquela empresa pública, estavam a receber complementos de reforma.

Segundo o Provedor de Justiça, tal norma ofende o disposto no artigo 63.º, n.º 1, da Constituição - que consagra o direito à segurança social -, não podendo o Estado extinguir um benefício de segurança social ou uma sua parcela diferenciada como é o complemento de reforma.

2 - Alega o requerente que os 'complementos de reforma, atribuídos em resultado de acordos individuais efectuados entre a empresa e os seus trabalhadores, com base nos quais estes se reformaram antecipadamente, haviam revestido o carácter de prestação que se mantinham para sempre'.

Daí que a mera atribuição de indemnizações compensatórias, calculadas em função de um mês de complemento de reforma por cada ano de antiguidade, num mínimo de três anos, quando os trabalhadores 'tinham aceitado passar antecipadamente à situação de reforma no pressuposto de que aqueles complementos lhes seriam concedidos vitaliciamente, seja patentemente injusta e inconstitucional'.

Depois de sublinhar que a solução legislativamente adoptada é injusta 'porque o Estado, que decidiu privatizar' a empresa pública em causa, ao fazê-lo, 'expropriou' um 'direito que fora concedido a reformados da empresa e em atenção ao qual eles aceitaram a reforma antecipada', o Provedor de Justiça assinala: 'Por outro lado, e ainda que se reconheça que o encargo com obrigações deste tipo não possa passar para as empresas privadas sucessoras das empresas públicas desnacionalizadas, não parece justo concluir pela mera impossibilidade absoluta de cumprimento daquelas.

Essa impossibilidade decorre de uma decisão estatal.

Logo, é ao Estado que deve incumbir encontrar solução para garantir a manutenção desses benefícios de segurança social.' 3 - Notificado o Primeiro-Ministro, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, veio o mesmo a responder, considerando que o complemento de reforma em causa não tem a natureza de uma prestação de segurança social, resultando antes de acordos individuais celebrados com os trabalhadores que quiseram reformar-se antecipadamente, nos termos dos quais a empresa se obrigou a pagar-lhes parte da remuneração a que eles teriam direito se estivessem no activo.

Com efeito, segundo o Primeiro-Ministro, do preceituado no artigo 63.º da Constituição apenas decorre para o Estado o dever 'de não reduzir os direitos adquiridos no âmbito do sistema de segurança social, o que afasta, portanto, da esfera de protecção desta norma quaisquer outros, quer resultem de acordos individuais celebrados entre as empresas e os trabalhadores, quer seja outra a sua origem'. Assim, não sendo o referido 'complemento de reforma' da responsabilidade de qualquer das entidades de segurança social mencionadas na Lei de Bases da Segurança Social, nem por qualquer delas gerido, e não se encontrando ele, por outro lado, previsto na mesma lei, forçoso seria concluir que ele não revestia a natureza de um benefício de segurança social.

Nesta conformidade, ainda de acordo com o Primeiro-Ministro, não se poderia obrigar 'o Estado a garantir a manutenção' de direitos resultantes de contratos celebrados entre uma empresa e os seus trabalhadores, 'após o desaparecimento jurídico, seja qual for a forma que este assuma', dessa mesma empresa, quer ela fosse pública ou privada.

Cumpre, agora, decidir.

II - Fundamentos 4 - Vem expresso no relatório do Decreto-Lei n.º 1/90, de 3 de Janeiro: 'No âmbito da política de privatização dos meios de comunicação social do Estado, foram autorizadas as alienações do parque gráfico e edifícios da Empresa Pública do Jornal Diário Popular (EPDP), das suas quotas no capital da Sociedade Editora Record, L., e na empresa de O Comércio do Porto, S.

A., e, finalmente, do título Diário Popular e bens móveis que lhe estavam afectos.

Concretizadas tais alienações mediante concursos públicos, restam à Empresa Pública do Jornal Diário Popular alguns bens residuais, bem como os créditos e débitos resultantes das actividades que exercia e das próprias alienações. Tornou-se assim impossível àquela empresa prosseguir o seu objecto estatutário, pelo que importa proceder à sua extinção.' E foi assim que o diploma extinguiu a EPDP (artigo 1.º) e estabeleceu que, para a prática dos actos de liquidação e apresentação das respectivas contas, seria nomeado um administrador liquidatário (artigo 2.º). Os credores da empresa ficaram com um prazo de 30 dias para reclamarem os seus créditos.

Mas, quanto aos complementos de reforma devidos a reformados da empresa, dispôs-se, especialmente: 'Art. 6.º - 1 - Aos reformados da EPDP que à data da extinção desta empresa pública estejam a receber complementos de reforma serão atribuídas indemnizações compensatórias.

2 - O critério base para cálculo das indemnizações corresponderá a um mês de complemento de reforma por cada ano de antiguidade na empresa, num mínimo de três anos.' 5 - Segundo o Provedor de Justiça, aqueles complementos de reforma constituem um benefício de segurança social - que o Estado não pode extinguir, por incompatibilidade com a norma do artigo 63.º, n.º 1, da Constituição, segundo a qual 'todos têm direito à segurança social'. Tal direito, por seu turno, não se reduzirá apenas à definição programática de que o Estado deverá instituir um sistema de segurança social que a todos aproveite, mas traduzir-se-á, também, no próprio direito subjectivo público de receber cada benefício de segurança social, uma vez preenchidos os requisitos legais da sua aquisição. E acrescenta: 'Se pode figurar-se que o valor daquele benefício possa, porventura, oscilar, já o mesmo não sucede com a sua extinção total ou de uma sua parcela diferenciada (como é o complemento de pensão em causa), por incompatibilidade com a aludida regra da lei fundamental.' 6 - A isto responde o Primeiro-Ministro que complemento de reforma em causa não é um benefício de segurança social, uma vez que não resulta de qualquer compromisso legalmente assumido por uma instituição de segurança social, nem a sua gestão cabe a qualquer das entidades referidas no artigo 64.º da Lei de Bases da Segurança Social. E continua: 'Assim, o que aconteceu foi que a EPDP estabeleceu, através de acordos individuais celebrados com os trabalhadores que quisessem reformar-se antecipadamente, continuar a pagar-lhes parte da remuneração a que teriam direito se estivessem no activo, prestação que, de modo algum, pode considerar-se como de segurança social.' Tendo sido celebrado por uma empresa pública, acrescenta ainda o Primeiro-Ministro, o acordo em questão não obriga o Estado, que tem personalidade jurídica distinta dessa empresa. E com a extinção da EPDP, o mesmo...

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