Acórdão n.º 490/2008, de 11 de Novembro de 2008

Acórdáo n. 490/2008

Processo n. 572/08

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional, 1 - Relatório. - Por transacçáo homologada por sentença do Tribunal do Trabalho de Vila Real, de 22 de Fevereiro de 1994 (acta de fls. 100), a Sociedade Portuguesa de Seguros, S. A., aceitou pagar ao autor Luís Manuel Pinto da Costa Carvalho, irmáo de José Pinto da Costa Carvalho, vítima mortal de acidente de trabalho, a pensáo anual e vitalícia de 89 532$00, com início em 17 de Abril de 1991 [a referência ao ano de 1981, constante da acta, deve -se a manifesto lapso, pois o acidente ocorreu em 16 de Abril de 1991]. Foi dado como provado que o referido autor (nascido em 20 de Agosto de 1973 - cf. certidáo de fls. 41) "é débil mental, totalmente incapaz de um exercício profissional regular, produtivo e automatizado, pelo que trabalha apenas de vez em quando, náo sendo capaz de, por si só, prover ao seu sustento" [alínea I) da especificaçáo, a fls. 92 verso] e que o sinistrado contribuía com regularidade para o seu sustento (acta de fls. 100).

Por requerimento apresentado em 20 de Março de 2007, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S. A., sucessora da Sociedade Portuguesa de Seguros, S. A., alegando que o beneficiário da pensáo já náo era menor (tendo, à data do requerimento, 33 anos) e que o seu estado de saúde sofrera uma evoluçáo favorável, em razáo do que a sua capaci-dade aquisitiva se encontrava totalmente recuperada, veio requerer que se procedesse a exame médico do beneficiário da pensáo, ao abrigo do disposto nos artigos 147. e seguintes do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto -Lei n. 480/99, de 9 de Novembro [O referido artigo 147., sob a epígrafe Revisáo da pensáo dos beneficiários legais, prevê, no seu n. 1, que "Quando o beneficiário legal requeira a revisáo da respectiva pensáo com fundamento em agravamento ou superveniência de doença física ou mental que afecte a sua capacidade

de ganho, o incidente corre por apenso ao processo a que disser respeito, observando -se o disposto no artigo 145.", preceito que regula o incidente de revisáo de incapacidade do sinistrado].

Esta pretensáo foi indeferida por despacho do Tribunal do Trabalho de Vila Real, de 11 de Abril de 2007, por se entender que a tal se opunha o disposto na Base XXII, n. 2, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, uma vez que se encontravam já transcorridos dez anos sobre a fixaçáo da pensáo [dispóe essa Base: "1 - Quando se verifique modificaçáo da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesáo ou doença que deu origem à reparaçáo, ou quando se verifique aplicaçáo de prótese ou ortopedia, as prestaçóes poderáo ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteraçáo verificada. 2 - A revisáo só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixaçáo da pensáo e poderá ser requerida uma vez em casa semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos. 3 - (...)."].

A seguradora interpôs recurso desta decisáo para o Tribunal da Relaçáo do Porto, que, por acórdáo de 14 de Abril de 2008, lhe concedeu provimento, tendo, para o efeito, recusado, com fundamento em inconstitucionalidade, por violaçáo do artigo 13. da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), a aplicaçáo da norma constante do n. 2 da Base XXII da Lei n. 2127, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixaçáo inicial da pensáo, para a revisáo da pensáo devida por acidente de trabalho, revisáo essa pedida pelas entidades responsáveis pelo pagamento das pensóes. Nesse acórdáo, após referir os Acórdáos n.os 147/2006 e 59/2007 do Tribunal Constitucional - que julgaram inconstitucional, "por violaçáo do direito do trabalhador à justa reparaçáo, consagrado no artigo 59., n. 1, alínea f), da Constituiçáo, a norma do n. 2 da Base XXII da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixaçáo inicial da pensáo, para a revisáo da pensáo devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesóes sofridas, nos casos em que desde a fixaçáo inicial da pensáo e o termo desse prazo de 10 anos tenha ocorrido alguma actualizaçáo da pensáo, por se ter dado como provado o agravamento das lesóes sofridas pelo sinistrado" - , transcrever a fundamentaçáo do primeiro e reproduzir o teor da referida Base XXII, o Tribunal da Relaçáo do Porto expendeu o seguinte:

"Acontece, no entanto, que nem sempre a lei que regula os acidentes de trabalho previu um prazo preclusivo para que se pudesse requerer a revisáo da incapacidade, nem ele foi sempre de 10 anos.

Na verdade, para além de a revisáo náo ser prevista [como acontecia na Lei n. 83, de 24 de Julho de 1913], lei existiu em que náo se encontrava fixado qualquer prazo [cf. o artigo 33. do Decreto n. 4288, de 22 de Maio de 1918], outra existiu em que o prazo era de apenas 5 anos [cf. o artigo 24. da Lei n. 1942, de 27 de Julho de 1936] e, por outro lado, encontra-se actualmente vigente lei que manteve aquele prazo de 10 anos [artigo 25., n. 2, da Lei n. 100/97, de 13 de Setembro], admitindo -se, por último, que no futuro a revisáo seja passível de requerimento independentemente da observância de qualquer prazo [cf. artigo 58. da Proposta de Lei n. 88/X]. Na verdade, como de algum modo já perpassa da fundamentaçáo do Acórdáo do Tribunal Constitucional, acima transcrita, para a qual remete o Acórdáo invocado pela agravante, o legislador erigiu à categoria de direito - constitucional - dos trabalhadores a assistência e justa reparaçáo, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, acrescentando a alínea f) ao n. 1 do artigo 59. da Constituiçáo da República, o que apenas ocorreu na sua quarta revisáo, implementada pela Lei Constitucional n. 1/97, de 20 de Setembro [cf. o artigo 33., n. 3].

Ora, náo restringindo a Constituiçáo aquela protecçáo a qualquer prazo, também náo pode o direito ordinário fazê -lo, sob pena de este violar aquela.

Daí a declaraçáo de inconstitucionalidade da Base XXII, n. 2, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, operada pelos arestos acima referidos. Daí também que no futuro o legislador certamente náo se mostrará indiferente a esta evoluçáo do nosso direito constitucional, bem como da apontada jurisprudência do Tribunal Constitucional, parecendo já manifestaçáo dessa atitude a redacçáo constante do artigo 58., n. 2, da Proposta de Lei n. 88/X, proposta de regulamento da matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais de acordo com o Código do Trabalho, que náo prevê qualquer prazo para que se possa requerer a revisáo da incapacidade.

Face a esta evoluçáo do nosso direito constitucional, o aplicador do direito também náo poderá ficar indiferente, pelo que terá de fazer uma leitura da norma ínsita naquela Base XXII, n. 2, como se nenhum prazo aí estivesse fixado, uma vez que a Constituiçáo náo estabeleceu qualquer espartilho no que respeita à assistência e justa reparaçáo, maxime, quanto a prazos para o exercício do direito de revisáo da

46364 incapacidade, sendo certo que foi considerado pelo Tribunal Constitucional que o estabelecimento do prazo de 10 anos náo tem qualquer fundamento racional, dados os valores materiais em presença.

Ora, reconhecido aos sinistrados e aos beneficiários legais de acidentes de trabalho o direito de requerer a revisáo da incapacidade em caso de agravamento, recidiva ou recaída das lesóes, independentemente de ter decorrido, ou náo, o prazo de 10 anos sobre a data da fixaçáo da pensáo, por identidade de razáo e dado o princípio da igualdade ínsito no artigo 13. da Constituiçáo da República, igual direito tem de ser reconhecido às entidades responsáveis pelo pagamento das pensóes, seguradoras ou entidades empregadoras, nos casos de melhoria das lesóes.

Daí que também aqui se afirme a inconstitucionalidade da norma constante da Base XXII, n. 2, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo que o despacho impugnado deve ser revogado e substituído pelo presente acórdáo em que se ordena a admissáo e prosseguimento da legal tramitaçáo do requerido incidente de revisáo, assim procedendo as conclusóes do recurso."

É contra esta decisáo que, pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relaçáo do Porto, vem interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n. 1 do artigo 70. da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n. 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violaçáo do artigo 13. da CRP, da norma constante do n. 2 da Base XXII da Lei n. 2127, "interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixaçáo inicial da pensáo, para a revisáo da pensáo devida ao sinistrado por acidente de trabalho, revisáo essa pedida pelas entidades responsáveis pelo pagamento das pensóes - seguradoras ou entidades patronais - nos casos de melhoria das lesóes".

Neste Tribunal, o representante do Ministério Público apresentou alegaçóes, concluindo:

"1. Náo pode, neste momento, inferir -se com segurança da jurisprudência constitucional, face nomeadamente ao teor do Acórdáo n. 147/2006, que seja materialmente inconstitucional toda a norma constante da Base XXII, n. 2, da Lei n. 2127, enquanto prescreve um prazo de caducidade de 10 anos para a deduçáo do incidente de revisáo da pensáo - apenas decorrendo de tal jurisprudência que será violador da Lei Fundamental a vigência de tal prazo, nos casos em que já tiverem ocorrido actualizaçóes intercalares da pensáo, durante o referido período de 10 anos.

  1. Mesmo que, porventura, se admita a extensáo de tal julgamento de inconstitucionalidade, de modo a abarcar todo aquele regime...

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