Acórdão n.º 485/2008, de 11 de Novembro de 2008

Acórdáo n. 485/2008

Processo n. 360/08

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - Por acórdáo de 13 de Dezembro de 2006 do Tribunal da Relaçáo de Coimbra foi rejeitado, por manifesta improcedência, nos termos das disposiçóes conjugadas dos artigos 412. e 420., n. 1, do Código de Processo Penal (CPP), o recurso interposto por Ana Cristina Fernandes Silva contra o acórdáo do Tribunal Colectivo do 3. Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, de 15 de Maio de 2006, que a condenou, como autora material de quatro crimes de falsificaçáo de documento, previstos e punidos pelo artigo 256., n. s 1, alínea c), e 4, do Código Penal, na pena de 18 meses de prisáo por cada um, e de quatro crimes de pecu lato, previstos e punidos pelo artigo 375., n. 1, do mesmo Código, na pena de 2 anos de pri sáo por cada um, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisáo, suspensa na sua execuçáo pelo período de 4 anos.

A decisáo de rejeiçáo do recurso assentou nas seguintes consideraçóes:

"Diz-nos o artigo 428., n. 1, [do CPP] que «as Relaçóes conhecem de facto e de direito».

No entanto, exceptuando os casos abrangidos pelo n. 2 do artigo 410. - que sáo de conhecimento oficioso e que no caso em apreço náo se verificam - , a modificabilidade da decisáo de facto da 1.ª instância só pode ter lugar quando se verifiquem os requisitos estabelecidos no artigo 431. do mesmo diploma e que sáo:

a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe servi ram de base, b) se, havendo documentaçáo da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412., n. 3, ou c) se tiver havido renovaçáo da prova.

Conjugado com este normativo há que tomar em consideraçáo

[o] que determina o n. 3 do artigo 412., que impóe ao recorrente que impugne a deci sáo proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:

a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As provas que impóem decisáo diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

Dispóe ainda o n. 4 que «quando as provas tenham sido gravadas, as especificaçóes previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por refe rência aos suportes magnéticos, havendo lugar a transcriçáo».

Temos assim que a decisáo do tribunal recorrido sobre a matéria de facto é susceptível de modificaçáo, no caso de gravaçáo de prova, se tiver sido impugnada nos termos do artigo 412., n. s 3 e 4.

Antes de mais diremos, como Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5.ª ediçáo, p. 92, que, com excepçáo do de revi sáo, «todos os recursos vêm concebidos na lei como remédios jurídicos e náo como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o acto impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razóes invocadas. Ora, é exactamente para isso que serve a motivaçáo lato sensu: permitir ao recorrente apontar ao Tribunal ad quem o que na sua perspectiva foi mal jul gado e oferecer uma proposta de correcçáo para que o órgáo judiciário a possa avaliar».

Ora, basta uma simples leitura das motivaçóes lato sensu para que se con clua sem receio de errar que o recorrente passa completamente ao lado do formalismo mínimo legalmente exigido para que a sua pretensáo possa ser apreciada por este tribunal.

Por tais razóes e conforme deixámos expresso no despacho de exame pre liminar proferido nos termos do artigo 417., n. 1, do Código de Processo Penal, o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.

Diga-se desde já que as conclusóes até cumprem o formalismo exigido pelo artigo 412., n. s 2, 3 e 4, do Código de Processo Penal.

Contudo, isso náo chega.

Ou melhor: atento o teor das motivaçóes lato sensu, podemos dizer que nem se pode considerar que existem conclusóes.

Explicando:

Numa primeira leitura do artigo 412. do Código de Processo Penal pode parecer que a lei é mais exigente no que respeita às conclusóes da moti vaçáo do que no que respeita à própria motivaçáo stricto sensu.

No entanto, só aparentemente assim é.

Na realidade, constituindo o texto da motivaçáo (stricto sensu) limite absoluto que náo pode ser extravasado nas conclusóes [Neste sentido e entre muitos outros, v. g., acórdáos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1998, processo n. 328/98 (cf. Código de Processo Penal Anotado, de Simas Santos e Leal-Henriques, II vol., 2.ª ed., p. 824), de 15 de Dezembro de 2005, de 11 de Janeiro de 2001, processo n. 3408/00-5, de 8 de Novembro de 2001, proc.

n. 2453/01-5, e de 4 de Dezembro de 2003 (www.pgdlisboa.pt/pgdl/ jurel/stj)] e sendo estas, logica mente, um resumo dos fundamentos por que se pede o provimento do recurso [Neste sentido, v. g., acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1998, processo n. 328/98 (cf. Código de Processo Penal Anotado, de Simas Santos e Leal-Henriques, II vol., 2.ª ed., p. 824)], há que concluir que as exigências legais constantes dos n. s 2, 3 e 4 do artigo 412. do Código de Processo Penal se aplicam às motivaçóes, ainda que para estas haja uma maior liberdade no modo de explanaçáo das divergências para com a decisáo recorrida. O que se impóe é que tudo o que constar das conclu sóes tem que estar contido na moti vaçáo stricto sensu, ou seja, tudo o que a lei impóe que conste naquelas tem também que constar nestas pois que sáo aque las que fixam os poderes de juris diçáo do tribunal ad quem.

Ora, no caso sub judice, é notório que as conclusóes ultrapassam o limite imposto pelo teor das motivaçóes stricto sensu. Diremos mais: a quase totalidade das conclusóes náo encontra qualquer fundamento nas motivaçóes stricto sensu.

Como facilmente se retira de uma simples leitura destas últimas, muito embora a recorrente pretenda recorrer da matéria de facto, nelas náo sáo feitas por referência aos suportes técnicos, nem transcritas, as especificaçóes previs tas na alínea b) do n. 3 do artigo 412.

É de tal modo evidente o que acaba de ser afirmado que nos dispensamos de maiores consideraçóes.

Assim sendo, está o recurso votado à improcedência na parte em que se fundamenta na prova produzida em audiência e que foi gravada.

O mesmo acontece quando incide sobre a prova documental. Esta, desacompanhada de outra prova, nomeadamente da prova testemu nhal, náo permite que se extraia mais do que os elementos objectiva mente visíveis, ou seja, os montantes inscritos, as datas, as alteraçóes, etc.

Temos assim que considerar como meras suposiçóes todas as avaliaçóes que no recurso sobre ela sáo feitas, sendo, porém, de notar que estáo sempre conjugadas com a prova produzida em audiência e que, como ficou dito, náo pode ser aqui apreciada.

Assim sendo, também nesta parte é manifesta a improcedência.

A mesma manifesta improcedência ocorre com a restante matéria do recurso.

Na realidade, também no que se refere à parte incidente sobre matéria de direito, o recurso sofre do defeito já anteriormente apontado, ou seja, ao longo das motivaçóes stricto sensu náo é feita qualquer alusáo a divergências sobre matéria de direito, o que apenas vem a acontecer em sede de conclusóes.

Também aqui a matéria das conclusóes náo encontra fundamento na moti vaçáo stricto sensu.

Em resumo, diremos que formalmente as conclusóes estáo conformes ao disposto nos n. s 2, 3 e 4 do artigo 412., mas que náo encontram qualquer fundamento nas motivaçóes stricto sensu, ou seja, a recorrente estruturou o recurso como se o n. 1 daquela disposiçáo legal náo existisse.

Assim sendo, é manifesta a improcedência do recurso, pelo que terá o mesmo que ser rejeitado nos termos das disposiçóes conjugadas dos artigos 412. e 420., n. 1.

Termos em que se acorda em rejeitar o recurso."

Notificada do acórdáo da Relaçáo, a arguida dele veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, referindo no respectivo requerimento de interposiçáo:

46346 "1 - O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) e da alínea g) do n. 1 do artigo 70. da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro (LOFPTC), na redacçáo dada pela Lei n. 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n. 13-A/98, de 26 de Fevereiro;

2 - Considerando os pressupostos do recurso fundando na alínea b) do n. 1 do artigo 70. da LOFPTC, pretende-se ver apreciada a constitucionali dade das interpretaçóes normativas que o acórdáo recorrido fez do artigo 412., n. s 2, alínea b), 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal (CPP);

3 - O sentido normativo subjacente ao modo como os artigos 412., n. s 2, alínea b), 3, alínea b), e 4, do CPP foram interpretados e aplicados na deci sáo recorrida pode ser genericamente formulado - adquirindo, consequente mente, dimensáo normativa - , nos termos seguintes:

a. Considerou o acórdáo recorrido que, no âmbito do recurso em maté ria de direito e em matéria de facto interposto nos autos em epígrafe ao abrigo dos n. s 2, 3 e 4 do artigo 412. do CPP, o facto de a recorrente ter feito as especificaçóes previstas na alínea b) do n. 2 e na alínea b) do n. 3 do artigo 412. do CPP somente nas conclusóes e náo, também, nas motivaçóes stricto sensu do recurso, traduz-se numa violaçáo das exigências formais da motiva çáo do recurso e respectivas conclusóes, constantes dos n. s 3 e 4 do mesmo artigo 412., constituindo fundamento para a sua rejeiçáo por «manifesta improcedência», nos termos do artigo 420., n. 1, do CPP, sem que ao recor rente tenha sido dada qualquer oportunidade de suprir as deficiências formais apontadas. Independentemente, por agora, de um tal entendimento da decisáo recorrida náo ter correspondência com a realidade, como melhor se demons trará em sede de alegaçóes, fazendo a adequada relaçáo dos factos motivados com cada um dos artigos das conclusóes, considerou o tribunal a quo que, na medida em que as conclusóes de recurso quanto à matéria de facto e de direito excedam o limite imposto pelo conteúdo das motivaçóes stricto sensu, deverá o recurso ser rejeitado por «manifesta...

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