Acórdão n.º 338/2006/T, de 30 de Junho de 2006

Acórdáo n.o 338/2006/T. Const. - Processo n.o 1040/2005. - Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

A- Relatório. - 1 - Amílcar Neto Contente recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.o 1

do artigo 70.o da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versáo (LTC), do Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa de 8 de Janeiro de 2003, que negou provimento ao recurso interposto de despacho do juiz proferido nos autos de inquérito n.o 10043/01.1TDLSB, a correr termos no Departamento de Investigaçáo e Acçáo Penal de Lisboa.

2 - Neste processo penal, o juiz indeferiu o pedido do ora recorrente de constituiçáo como assistente por, náo obstante ter a posiçáo de ofendido, náo estar representado por advogado e náo poder litigar em causa própria e condenou-o ainda na taxa de justiça de 0,5 UC, com base no disposto no artigo 84.o, n.o 2, do Código das Custas Judiciais (CCJ), por considerar que o mesmo dera causa a uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo.

3 - Inconformado com esta decisáo, o requerente recorreu para o Tribunal da Relaçáo de Lisboa, mas este Tribunal negou provimento ao recurso.

Após o definitivo insucesso do seu propósito de ver reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) as mesmas questóes (com o trânsito em julgado de decisáo sumária, proferida no Tribunal Constitucional, de náo conhecimento do recurso de fiscalizaçáo concreta de constitucionalidade, interposto de acórdáo proferido pelo STJ, que rejeitara o recurso para ele interposto e admitido, apenas, em cumprimento de deferimento de reclamaçáo apresentada para o Presidente do STJ, pelo mesmo recorrente, contra despacho de náo admissáo do relator na 2.a instância), o recorrente interpôs recurso, para o Tribunal Constitucional, do mesmo acórdáo da Relaçáo, pretendendo a apreciaçáo da inconstitucionalidade das normas dos artigos «70.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), no segmento em que determina que os assistentes sáo sempre representados por advogado, na interpretaçáo segundo a qual esta representaçáo pode ser assegurada mediante emissáo de procuraçáo a favor de advogado que náo o advogado ofendido com direito a ser constituído assistente, nos termos dos artigos 68.o, n.o 1, alínea a), e 69.o do dito Código» e «84.o, n.o 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, na interpretaçáo segundo a qual o ofendido/advogado, requerente de admissáo como assistente, que pagou a respectiva taxa de justiça, ainda pode ser condenado em custas de 'incidente' em virtude de o seu requerimento ter sido indeferido por náo haver outorgado procuraçáo a outro advogado», pretextando que a primeira norma viola «os artigos 18.o, n.o 2, 26.o, n.os 1 e 4 (nos segmentos relativos ao desenvolvimento da personalidade e da capacidade civil), 32.o, n.o 7, 58.o, n.o 1, 59.o, n.o 1, alínea b) (no segmento que tutela a realizaçáo pessoal do trabalhador), e 208.o da Constituiçáo da República» e que a segunda ofende «os princípios da legalidade, da tutela da confiança e da segurança jurídica implícitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.o da Constituiçáo e da tipicidade tributária consignada no artigo 103.o,n.os 2 e 3, da mesma lei».

4 - O recorrente alegou sobre o objecto do recurso de constitucionalidade concluindo do seguinte jeito a argumentaçáo esgrimida:

1.a No desenvolvimento do alegado na motivaçáo do recurso para o Tribunal da Relaçáo, a norma do artigo 32.o, n.o 7, da Constituiçáo, ao conferir ao ofendido o direito de intervir no processo penal, confere-lhe, desde logo, o direito de escolher o advogado que deve assegurar o exercício dos direitos que a lei lhe confere, náo podendo esta restringir ou condicionar tal liberdade de escolha.

2.a O direito de escolha contido no direito conferido pelo artigo 32.o, n.o 7, da Constituiçáo radica nos princípios do dispositivo e da auto-nomia privada e do respeito pela dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.o da Constituiçáo, dos quais decorre a máxima expansibilidade das faculdades contidas naquele direito, pelo que a norma do artigo 70.o, n.o 1, primeiro segmento, segundo a qual o ofendido advogado só pode intervir no processo penal como assistente, desde que outorgue procuraçáo a outro advogado, sendo restritiva daquele direito, viola a norma do artigo 32.o, n.o 7, da Constituiçáo.

3.a O direito do ofendido de intervir no processo penal como assistente, visando a reintegraçáo da sua esfera jurídica violada, goza da tutela do artigo 26.o, n.o 1, da Constituiçáo, no segmento relativo ao desenvolvimento da sua personalidade, pelo que a norma do artigo 70.o, n.o 1, primeiro segmento, do CPP, ao restringir o direito do ofendido/advogado de se constituir assistente em processo penal, viola a norma do artigo 26.o, n.o 1, da Constituiçáo no segmento relativo ao desenvolvimento da sua personalidade.

4.a A norma do artigo 70.o, n.o 1, primeiro segmento, do CPP, interpretada em conjugaçáo com a do segundo segmento do mesmo preceito, é também restritiva do direito conferido pelo artigo 32.o, n.o 7, da Constituiçáo a outros ofendidos que hajam escolhido o ofendido/advogado para os representar.

5.a Inexiste norma, princípio ou funçáo constitucional que justifique a restriçáo do direito do ofendido/advogado de se escolher a si próprio para assegurar a sua intervençáo no processo penal como assistente.

6.a O direito conferido pelo artigo 32.o, n.o 7, ao ofendido constitui um acréscimo aos direitos que lhe sáo conferidos pelo artigo 20.o, n.os 1 e 4, os quais integram o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.o, todos da Constituiçáo, pelo que a norma do artigo 70.o,n.o 1, primeiro segmento, do CPP, na dimensáo aplicada no acórdáo recorrido, restritiva do direito do ofendido/advogado de se escolher a si próprio para assegurar o exercício dos direitos que a Constituiçáo e a lei lhe conferem para intervir no processo penal como assistente, viola os fundamentos e os fins do Estado de direito democrático.

7.a O advogado, enquanto profissional, goza dos direitos consagrados nos artigos 58.o, n.o 1, e 59.o, n.o 1, alínea b), da Constituiçáo.

8.a Incumbindo ao Estado promover a efectivaçáo dos direitos consagrados nos artigos 58.o, n.o 1, e 59.o, n.o 1, alínea b), conforme disposto no artigo 9.o, alínea b), para concretizaçáo das garantias consignadas nos artigos 1.o e 2.o, todos da Constituiçáo, a norma do artigo 70.o,n.o 1, primeiro segmento, do CPP, na dimensáo aplicada no acórdáo recorrido, viola a garantia daquele artigo 9.o, alínea b).

9.a As normas conjugadas dos artigos 53.o, n.o 1, e 164.o, n.o 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados integram e concretizam a norma do artigo 208.o, segundo segmento, da Constituiçáo, que conferem ao advogado a dignidade de elemento essencial à administraçáo da justiça; tais normas conferem ao advogado direitos que integram a sua capacidade civil, pelo que a norma do artigo 70.o, n.o 1, primeiro segmento, do CPP, na dimensáo aplicada no acórdáo recorrido, viola aquelas normas dos artigos 208.o e 26.o, n.o 1, da Constituiçáo.

10.a A norma do artigo 84.o, n.o 2, do CCJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, na dimensáo aplicada pela

1.a instância e confirmada pelo acórdáo recorrido, é inovadora e absolutamente surpreendente, por incluir na sua previsáo como ocorrência estranha ao desenvolvimento do processo actos que se encontram tipificados nos artigos 68.o, n.os 1, alínea a), 3, 4 e 5, e 519.o, n.o 1, do CPP, pelo que a sua aplicaçáo viola a tutela da confiança e da segurança jurídicas implícita no princípio do Estado de direito demo-crático consagrado no artigo 2.o da Constituiçáo.

11.a A norma do artigo 84.o, n.o 2, do dito Código, na dimensáo aplicada, é absolutamente indeterminada quer na sua previsáo quer na sua estatuiçáo, pelo que viola os princípios do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.o, sendo sancionada nos termos do disposto no artigo 3.o,n.o 3, da Constituiçáo.

12.a O acórdáo recorrido, náo tendo conhecido das questóes de inconstitucionalidade normativas suscitadas na motivaçáo de recurso que constitui o seu objecto, viola a norma do artigo 72.o, n.o 2, último segmento, da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro, pelo que, também por isso, e atento o disposto nos artigos 201.o, n.o 1, e 668.o, n.o 1, alínea d), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 69.o daquela, deve ser revogado.

5 - O procurador-geral-adjunto no Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

1 - Náo é inconstitucional a norma do artigo 70.o,n.o 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de estar vedada a constituiçáo como assistente a ofendido náo representado por advogado, ainda que aquele também o seja, já que náo pode litigar em causa própria.

2 - Náo é inconstitucional a norma do artigo 84.o,n.o 2, do Código das Custas Judiciais ao integrar no conceito de ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo para efeito de condenaçáo em taxa de justiça do ofendido/advogado que pretende constituir-se como assistente, náo estando representado por outrem com a qualidade de advogado.

3 - Termos em que náo deverá proceder o presente recurso.

B- Fundamentaçáo. - 6 - Antes de mais, cumpre conhecer...

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