Acórdão n.º 2/95, de 12 de Junho de 1995

Acórdão n.° 2/95 Processo n.° 47 096 - 3.' Secção Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Relatório O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto na Relação do Porto veio interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência nos termos e com os fundamentos seguintes: O acórdão recorrido decidiu que a decisão genérica sobre a legitimidade do Ministério Público no despacho transitado a que se refere o artigo 311.°, n.° 1, do Código de Processo Penal não faz caso julgado formal, podendo conhecer-se de tal questão prévia até ao trânsito em julgado da decisão final.

(Acórdão de 26 de Maio de 1993 - recurso n.° 355/93, 1.' Secção.) Contudo, a mesma Relação, no seu Acórdão de 5 de Maio de 1993 (recurso n.° 156/93, 5.' Secção), decidiu: O despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 311.°, n.° l, do Código de Processo Penal, em que, embora em termos genéricos, se decide da legitimidade do Ministério Público, faz caso julgado formal, estando, assim, o juiz impedido de conhecer de novo a questão da legitimidade em momento posterior ao despacho recorrido.

E desta forma, por se verificar haver clara oposição entre os referidos acórdãos, em que chegaram a soluções opostas relativamente à mesma questão de direito e tendo sido proferidos no domínio da mesma legislação, considerou o digno recorrente estarem preenchidos os requisitos dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal, pelo que se requereu que o mesmo seguisse os respectivos trâmites.

Foi o recurso recebido pela forma legal e a Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal teve vista dos autos e promoveu o seu prosseguimento para os fins e efeitos do n.° 4 do artigo 440.° e segunda parte do artigo 441.° do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, por Acórdão de 13 de Outubro de 1994, foi decidido que as soluções a que cada um dos acórdãos chegou sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação são substancialmente contraditórios e opostos entre si, pelo que se ordenou o cumprimento do artigo 442.°, n.° 1, do mesmo diploma.

A Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal apresentou as suas mui doutas alegações, em que eruditamente equacionou a questão jurídica em causa neste recurso, tendo sugerido a seguinte jurisprudência: O despacho genérico proferido pelo juiz no âmbito do artigo 311.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não faz caso julgado formal, podendo dela conhecer-se até trânsito em julgado da decisão final, salvo se sobre a mesma tiver incidido decisão concreta e fundamentada.

2 - A questão tal como resulta dos acórdãos em oposição 2.1 - No acórdão recorrido: A problemática subjacente a este recurso surgiu de que no 3.° Juízo Correccional da Comarca do Porto, nos autos de processo comum em que era arguida Maria de Fátima Rocha Martins da Silva, com os sinais dos autos, a M.ma Juíza declarou o tribunal competente, o processo próprio e que não havia nulidades e ilegitimidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que se pudesse desde logo conhecer ou devesse conhecer e que obstassem ao conhecimento do mérito da causa, tendo recebido a acusação do Ministério Público nos seus precisos termos e designando depois dia para o julgamento.

No entanto, já em audiência de julgamento, a Ex.ma Juíza, considerando a publicação do Acórdão obrigatório n.° 2/92, sobre a interpretação do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, e olhando o carácter semipúblico das infracções indiciadas e, além do mais, por se ter esgotado o prazo do artigo 112.° do Código Penal, julgou o Ministério Público parte ilegítima para promover o processo penal e absolveu da instância o arguido.

Foi interposto, então, deste despacho recurso para a Relação pelo Ministério Público, em que se invoca a excepção de caso julgado formal, formulando-se as seguintes conclusões:

  1. No despacho de saneamento do processo, ao abrigo do artigo 311.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, foi decidido que não havia ilegitimidades que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa, tendo tal despacho transitado em julgado; b) Ao conhecer de novo, agora como questão prévia, no julgamento, da ilegitimidade, o despacho em causa violou o disposto no artigo 338.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, já que, por força deste normativo, o tribunal só conhece e decide questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstarem à apreciação do mérito da causa acerca das quais ainda não tenha havido decisão; c) E ao considerar agora o Ministério Público parte ilegítima, o despacho em causa violou o disposto no artigo 672.° do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal por força do disposto no artigo 4.° do Código de Processo Penal, onde se consigna o caso julgado formal a obrigatoriedade das decisões dentro do processo; d) E violado foi também o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963, onde se estabelece que 'é definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam'; e) Mesmo que se entenda que a decisão sobre a legitimidade proferida no despacho de saneamento não faz caso julgado e que o tribunal podia de novo conhecer da mesma, não era caso para, sem mais, se declarar o Ministério Público parte ilegítima; f) É certo que o procedimento criminal pelo crime de emissão de cheque sem provisão de que a arguida está acusada depende de queixa do legítimo portador, por força do disposto no artigo 24.° do Decreto n.° 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro; g) E que a queixa foi apresentada por mandatário, o qual não estava munido de poderes especiais e especificados, nos termos do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão n.° 2/92, do Supremo Tribunal de Justiça; h) No entanto, a queixa foi apresentada dentro do prazo de seis meses a que se refere o artigo 112.° do Código Penal, pelo que se está apenas perante uma irregularidade do mandato; i) E tal irregularidade pode ser sanada ao abrigo do disposto no artigo 40.° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no artigo 4.° do Código de Processo Penal; j) Na verdade, a ratificação da queixa pode ser efectuada nos termos do preceito acima referido, no prazo que foi fixado para tal, mesmo que tenha decorrido o prazo de seis meses previsto no artigo 112.° do Código Penal, já que com tal ratificação a queixa fica válida e eficaz e, portanto, apresentada atempadamente; l) Pelo que o despacho recorrido, ao considerar a queixa efectuada por mandatário juridicamente irrelevante, por insuficiência de procuração, sem primeiro convidar o titular do direito de queixa a ratificar a mesma, violou o disposto no artigo 40.° do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.° do Código de Processo Penal.

    Vejamos, agora, a argumentação expendida no acórdão: O acórdão começa por perguntar se estaremos ou não perante um caso omisso que leve à aplicação das normas do Código de Processo Civil, ou sejam, in casu, o artigo 672.° daquele Código e o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963, publicado no Diário do Governo, 1.' série, de 21 de Fevereiro de 1963, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 124, p. 414, ex vi do artigo 4.° do Código de Processo Penal.

    E para resolver tais questões referem-se as duas posições sobre o valor das declarações genéricas no saneador acerca dos pressupostos em processo civil: A primeira posição consistiria em, tomado o despacho à letra, entender que, uma vez transitado em julgado (artigo 677.°), nenhuma das excepções declaradas inexistentes poderá ser alegada pelas partes ou conhecida ex officio, o que seria a aplicação rígida da doutrina do caso julgado formal à interpretação literal do despacho; A outra limitará a força de caso julgado às questões concretas que o despacho haja decidido relativamente a cada uma das excepções capazes de conduzirem à absolvição da instância.

    Depois, chama-se a atenção para o facto de haver duas soluções em oposição, uma contida no artigo 104.°, n.° 2, do Código de Processo Civil e a outra a do assento já referido.

    Assim, enquanto, segundo o artigo, a declaração genérica no saneador sobre a competência absoluta deixa em aberto a apreciação deste pressuposto processual até à sentença final, pois só as decisões concretas são vinculativas, já segundo o assento 'é definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam'.

    Coloca-se, depois, o problema da aplicação do assento ao processo penal, o que numa primeira abordagem pareceria possível, se fosse concebível estabelecer analogia entre o caso omisso no processo penal e o regulado no processo civil.

    Para isso, teria de haver igualdade jurídica entre o caso regulado e o caso a regular e tal igualdade, em princípio, poderia derivar da identidade do objectivo essencial no despacho saneador em processo civil e no despacho de saneamento no processo penal [artigos 510.°, números 1, alíneas a) e b), e 2, do Código de Processo Civil e 311.°, n.° 1, do Código de Processo Penal].

    Esse objectivo seria desentorpecer a acção, quer cível quer penal, de tudo aquilo que possa impedir o julgamento de mérito, evitando a instrução de um processo que praticamente se tornaria inútil.

    No entanto, o douto acórdão não aceita uma verdadeira analogia de situações, com base nos seguintes argumentos: A regulamentação do despacho saneador em processo civil é muito mais exigente para o juiz, pois só pode deixar de decidir sobre os pressupostos se o estado do processo o impossibilitar de se pronunciar sobre eles, devendo neste caso justificar a decisão e devendo ainda conhecer das excepções, pela...

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