Acórdão n.º 362/94, de 15 de Junho de 1994

Acórdão n.° 362/94 - Processo n.° 346/93 I 1 - O Procurador-Geral da República, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 e da alínea e) do n.° 2 do artigo 281.° da Constituição, solicitou que este Tribunal apreciasse e declarasse, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação da alínea a) do n.° 2 do artigo 56.° da lei fundamental, das normas constantes dos artigos 18.° a 29.° e 32.° a 46.°, todos do Decreto-Lei n.° 14/93, de 18 de Janeiro.

Fundamentou o seu pedido com base, em síntese, nas seguintes considerações: a) O decreto-lei em causa, que aprovou a Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, inseriu, nos seus capítulos IV e V, numerosos preceitos que têm incidência directa na disciplina laboral dos respectivos funcionários, nomeadamente no que tange às carreiras de regime especial, regulamentando a respectiva estrutura, condições de ingresso e acesso e conteúdo funcional, além de, de um lado, instituir matéria respeitante às remunerações do pessoal ao serviço daquela Inspecção-Geral, adoptando uma escala indiciária especial, regulando determinados subsídios ou suplementos de vencimento e normatizando sobre a mobilidade geográfica e regime de duração do trabalho, aposentação e incompatibilidades de tal pessoal e, de outro, proceder ao estabelecimento de um regime transitório destinado a possibilitar a transição do pessoal ao serviço da Direcção-Geral de Inspecção Económica, que extinguiu; b) Aqueles preceitos constituem, inequivocamente na visão do requerente, legislação relativa a um regime especial da função pública, assumindo-se, pois, como legislação de trabalho desta, motivo pelo qual, por força do que se consagra na aludida alínea a) do n.° 2 do artigo 56.° da Constituição, deveria ter sido facultado às associações representativas dos trabalhadores interessados a possibilidade de participarem na elaboração de tais preceitos, sendo certo que a circunstância de os mesmos surgirem sistematicamente inseridos num diploma que visa também a reestruturação orgânica de um serviço da Administração não lhes retira a natureza de legislação de trabalho em termos de precludir o direito de audição dos trabalhadores; c) O facto de o preâmbulo do diploma em questão não referir uma tal participação leva a presumir que ela não teve lugar, ao que acresce que resulta seguro que na elaboração do decreto-lei em crise não participaram, pelo menos, os sindicatos interessados representados pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública; 2 - Notificado o Primeiro-Ministro, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 54.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, veio o mesmo defender a plena constitucionalidade das normas impugnadas, para o que carreou a seguinteargumentação: a) Muito embora o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 14/93 não contenha qualquer menção sobre a audição das associações representativas dos trabalhadores interessados, o que conduziria, segundo alguma jurisprudência deste Tribunal, à presunção de falta de audição, o que é certo é que a omissão dessa menção, relativamente às associações representativas dos trabalhadores da função pública, não implica a presunção legal de inexistência de audição, pois que nenhuma norma, designadamente constante do Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, isso consagra; b) Sendo assim, não se pode, no caso, dar como provada a falta de audição dos trabalhadores, razão pela qual o requerente, antes de formular o presente pedido, deveria ter comprovado se houve, ou não, efectivamente, omissão daquele dever, uma vez que, se o tivesse feito, 'decerto lhe teria sido confirmada a efectivação dessa diligência'; c) Para efeitos de subsunção ao conceito normativo de 'legislação de trabalho' a que se reporta a Constituição, e tendo por referência a especificidade do regime da função pública, tendo em conta o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° e no artigo 12.°, um e outro do falado Decreto-Lei n.° 45-A/84, parece que haverão que ser tidos em consideração os preceitos relativos aos 'estatutos gerais ou especiais dos trabalhadores da função pública, na medida em que não constituam a directa projecção de um específico modelo organizativo, de gestão de recursos humanos ou de funcionamento da estrutura da administração', logo carecendo 'de audição as regras que preexistem e modelam essa estrutura, que condicionam a opção por um dado modelo organizativo ou de funcionamento'; d) Perante estes parâmetros, será cabido perguntar se se poderá 'legitimamente qualificar a norma de habilitação para a aprovação do quadro de pessoal como integrante do estatuto especial dos trabalhadores da Inspecção-Geral das Actividades Económicas (n.° 1 do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 14/93)' e se o mesmo se poderá seriamente dizer acerca 'do n.° 2 do artigo 18.°, que se limita a cumprir a injunção do artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, ou do artigo 19.°, que se limita a remeter para as disposições gerais aplicáveis', igualmente isso assim sucedendo 'quanto a muitas das demais disposições impugnadas'; e) Em 'todos estes casos se trata de normas sem conteúdo verdadeiramente substancial, reportadas à futura produção regulamentar ou inseridas para mais clara aplicação dos diplomas pelos serviços', 'e que constituem verdadeiras cláusulas de estilo'; f) Mas, para além destas normas, outras há, de entre as impugnadas, que podem, 'até, aparecer como verdadeiras inovações de substância', não o sendo, contudo, senão na aparência; g) É que, entre as fontes de direito do trabalho, ao lado dos actos inovadores que criam, alteram ou extinguem direitos e deveres das partes, existem outros actos, tais como os regulamentos, 'que se limitam a adaptar essa disciplina à especificidade do ambiente em que vai ser aplicada', de entre estes avultando os regulamentos de empresa, os quais não constituem 'legislação do trabalho'; h) A quase totalidade das regras questionadas constituem meras normas de organização interna do funcionamento da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, normas essas 'que apenas constam de diploma com força de lei porque se trata de uma pessoa colectiva de direito público', mas que, de todo o modo, materialmente, são disposições regulamentares e, como tais, não se encontram abrangidas pela noção 'legislação do trabalho'; 3 - Ponderando a consideração constante da pronúncia do Primeiro-Ministro atrás sintetizada no n.° 2, alínea a), solicitou o relator que o mesmo informasse este Tribunal sobre se, na realidade, no processo de edição do diploma em cujo articulado se inserem as normas impugnadas houve audição das associações representativas dos trabalhadores interessados e, na afirmativa, que fosse remetida a pertinente e demonstrativa documentação.

Em resposta, aquela entidade, em 27 de Janeiro de 1994, informou o Tribunal de que 'a aprovação do diploma foi precedida de extensos contactos com as associações sindicais representativas dos trabalhadores em causa, nomeadamente com a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública', enviando, do mesmo passo, fotocópia de vário expediente documental de onde, inequivocamente, se extrai que, no decorrer do processo que haveria de conduzir à edição do Decreto-Lei n.° 14/93, foram tidos, entre a administração governamental e as Associação Nacional dos Funcionários da Inspecção Económica (ANFIE) e Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, vários contactos, tendo sido dado conhecimento a estes organismos representativos dos trabalhadores do (ou dos) projecto(s) de diploma elaborado(s).

De posse destes dados de facto, cumpre analisar o pedido.

II 1 - Como se viu, o requerente fundamenta o pedido que formulou na circunstância de, devendo as normas acima referidas ser consideradas como integrando o conceito de legislação do trabalho, e tendo em conta que no respectivo...

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