Acórdão n.º 280/90, de 02 de Janeiro de 1991

Acórdão n.º 280/90 Processo n.º 57/89 1 - O Procurador-Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional, em 20 de Fevereiro de 1989, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Constituição da República Portuguesa, que fosse apreciada e declarada, com força obrigatória geral: a) 'A inconstitucionalidade de todas as normas que integram o Decreto Legislativo Regional n.º 30/83/A, de 28 de Outubro, e, consequencialmente, de todas as normas do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/86/A, de 14 de Janeiro, por versarem sobre matéria reservada à competência própria dos órgãos de soberania'; b) 'A ilegalidade da norma constante do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 30/83/A, que, ao dispor que pertencem à Região Autónoma dos Açores todos os objectos, nomeadamente os de valor histórico, arqueológico e artístico, que vierem a ser encontrados nas águas territoriais da Região e da respectiva zona económica exclusiva, que não tenham proprietário conhecido ou se possam presumir abandonados, contraria uma lei geral da República (o Decreto-Lei n.º 416/70, de 1 de Setembro)'; c) 'A ilegalidade das restantes normas do Decreto Legislativo Regional n.º 30/83/A, e, consequencialmente, de todas as normas do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/86/A, que, ao atribuírem competência ao Governo Regional dos Açores para celebrar contratos de concessão de pesquisa de espólios com interesse histórico, arqueológico e artístico nas águas jurisdicionais da Região, contrariam a referida lei geral da República'.

Juntou cópia do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 92/88, de 12 de Janeiro de 1989, onde se sustenta a ilegalidade dos referidos diplomas, por contrariedade com o citado Decreto-Lei n.º 416/70.

Cumprido o artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pronunciaram-se sobre o pedido tanto o Governo Regional como a Assembleia Regional da Região Autónoma dos Açores.

O Governo concluiu que 'não deverão os diplomas regionais em causa ser declarados inconstitucionais ou ilegais' pelas seguintes razões: [...] os bens achados no mar, quando pertencentes ao Estado ope legis, integram o seu domínio privado.

Quando muito, e num entendimento extensivo, farão parte do domínio público cultural. Mas então a sua dominialidade é da Região Autónoma dos Açores, nos expressos e inequívocos termos do seu Estatuto Político Administrativo (n.º 2 do artigo 104.º).

É uma obrigação nacional, cometida à Marinha, o controlo da aplicação da lei, quer no continente, quer nas regiões autónomas. Isto no tocante aos espaços marítimos.

Do sistema (fundamental) da autoridade marítima (Decreto-Lei n.º 300/84) não são extraíveis quaisquer ilações quanto a questões de dominialidade: trata-se do exercício do poder público nas áreas de jurisdição marítima, no tocante ao cumprimento das leis legítimas da República, sejam elas dimanadas do Poder Central, sejam das regiões autónomas.

O mesmo, em diverso plano, acontece com o Decreto-Lei n.º 416/70, aliás já em larga medida derrogado pela Lei n.º 13/85.

A Assembleia Regional, por sua vez, terminou assim a sua resposta: a) O Decreto Legislativo Regional n.º 30/83/A representa a compaginação pós-autonómica dos princípios e regras do Decreto-Lei n.º 416/70 às realidades e interesses específicos regionais; b) O Decreto-Lei n.º 416/70, editado numa fase pré-autonómica, não é uma 'lei geral da República', no sentido para que aponta o artigo 115.º, n.º 4, da Constituição; c) Aquele decreto legislativo regional versa sobre matéria que se ajusta ao espaço legislativo demarcado pelo n.º 3 do artigo 115.º; d) Não está nele em causa qualquer concessão da fruição ou aproveitamento do chamado 'domínio público marítimo', mas uma simples autorização ou licença para o exercício de uma actividade que tem a ver, exclusivamente, com o património cultural; e) Os achados no fundo do mar, a que se reporta o Decreto-Lei n.º 416/70, ou são enquadráveis no domínio privado do Estado, em condições de transferibilidade para as regiões autónomas, ou, a serem domínio público, sê-lo-ão apenas por razões de natureza cultural, que não relevam nem afectam a integridade do domínio público marítimo.

À resposta do Governo foi junta cópia de um parecer do advogado Dr. Mário Raposo.

2 - Apresentado o projecto de acórdão, a sua discussão e votação conduziu à substituição do primitivo relator.

Cumpredecidir.

3 - É o seguinte o teor dos dois primeiros artigos do Decreto Legislativo Regional n.º 30/83/A, de 28 de Outubro, a que foi dado o subtítulo 'Achados no fundo do mar dos Açores': Artigo 1.º Património cultural submarino Pertencem à Região Autónoma dos Açores todos os objectos, nomeadamente os de valor histórico, arqueológico e artístico, que vierem a ser encontrados nas águas territoriais da Região e da respectiva zona económica exclusiva, os quais não tenham proprietário conhecido ou se possam presumir abandonados.

Artigo 2.º Concessões 1 - O Governo Regional poderá celebrar contratos de concessão para pesquisa, nas águas jurisdicionais da Região, dos objectos referidos no artigo 1.º, com entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras.

2 - Os contratos serão feitos por concurso público.

Os restantes preceitos deste diploma regulam variados aspectos dos contratos de concessão para o efeito definido no artigo 2.º Assim: O artigo 3.º identifica os elementos que devem acompanhar o pedido de concessão; O artigo 4.º define os limites das concessões; O artigo 5.º rege para o caso especial de as áreas a pesquisar terem interesse especial para a defesa nacional; O artigo 6.º ocupa-se da fiscalização do cumprimento das obrigações decorrentes da execução dos contratos; O artigo 7.º regula a avaliação dos achados recuperados; O artigo 8.º providencia sobre a compensação do concessionário; O artigo 9.º obriga à prestação de uma caução como garantia do cumprimento do contrato por parte do concessionário; O artigo 10.º prevê a arbitragem como modo de decidir qualquer divergência entre as partes; O artigo 11.º regula os achados ocasionais, isto é, as hipóteses em que uma pessoa encontra acidentalmente um objecto em zona na qual não seja titular deconcessão.

O Decreto Regulamentar Regional n.º 1/86/A, de 14 de Janeiro, veio, por sua vez, 'regulamentar a relação jurídica que poderá vir a ser estabelecida entre o Governo Regional e uma determinada entidade, pública ou privada, nacional ou estrangeira, que deseje proceder a estudos de pesquisa no mar dos Açores', como se lê no respectivo preâmbulo.

Depois de, no artigo 1.º, reproduzir, quase ipsis verbis, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 30/83/A, define esse regulamento, nos artigos 2.º a 15.º, o regime dos contratos de concessão; no artigo 16.º fixa o destino dos objectos recuperados; no artigo 17.º regula a repartição do valor dos achados entre o Governo Regional e o concessionário; no artigo 18.º proíbe ao concessionário o uso de armas de fogo a bordo das embarcações por ele utilizadas; no artigo 19.º atribui a representação do Governo Regional na elaboração, assinatura e execução dos contratos de concessão ao Secretário Regional da Educação e Cultura; e, finalmente, no artigo 20.º dispõe: Atendendo às circunstâncias advenientes de cada caso, e naquilo que não contrariar o Decreto Legislativo Regional n.º 30/83/A, de 28 de Outubro, e o presente diploma, continua em vigor o disposto no Decreto n.º 31730, de 15 de Dezembro de 1941 (Regulamento das Alfândegas), no Decreto n.º 43492, de 1 de Fevereiro de 1961 (Regulamento das Actividades dos Mergulhadores Profissionais), no Decreto n.º 48365, de 2 de Maio de 1968, alterado pelo Decreto n.º 321/71, de 26 de Julho (Regulamento das Actividades dos Mergulhadores Amadores), no Decreto-Lei n.º 416/70, de 1 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 577/76, de 21 de Julho (propriedade dos objectos sem dono conhecido achados no mar), e no Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de Julho (Regulamento Geral das Capitanias).

O decreto legislativo regional foi editado, como nele se diz, 'nos termos do artigo 229.º, alínea a), da Constituição e dos artigos 1.º, n.º 2, e 91.º alínea e), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores'.

Por seu lado, o decreto regulamentar foi emitido 'nos termos do artigo 229.º, alínea b), da Constituição'.

4 - Como se disse, o pedido põe as seguintes questões: a) A questão da inconstitucionalidade de todas as normas do decreto legislativo regional e, consequencialmente, de todas as normas do decreto regulamentar regional, 'por versarem sobre matéria reservada à competência própria dos órgãos de soberania'; b) A questão da ilegalidade das normas do decreto legislativo regional e, consequencialmente, de todas as normas do decreto regulamentar regional, por contrariarem uma 'lei geral da República'.

Esta lei seria o Decreto-Lei n.º 416/70, de 1 de Setembro, sobre 'achados no mar, no fundo do mar ou por este arrojados e despojos de naufrágios', cujo artigo 1.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 577/76, de 21 de Julho, é do seguinte teor: 1 - Os objectos sem dono conhecido achados no mar, no fundo do mar ou por este arrojados, incluindo despojos de naufrágios de navios, de aeronaves ou de qualquer material flutuante e fragmentos de quaisquer deles ou de suas cargas e equipamentos, que do ponto de vista científico (designadamente arqueológico), artístico ou outro tenham interesse para o Estado, constituem suapropriedade.

2 - Equiparam-se aos objectos sem dono conhecido os que não forem recuperados pelo dono dentro do prazo de cinco anos a contar da data em que os perdeu, abandonou ou deles se separou por qualquer modo.

A inconstitucionalidade das normas traduz-se em elas infringirem 'o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados', como se diz no n.º 1 do seu artigo 277.º (na versão de 1982).

A ilegalidade consistiria, no caso, na violação de uma 'lei geral da República', ou seja, na definição do n.º 4 do artigo 115.º, a lei, ou...

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