Acórdão n.º 1/2000, de 02 de Fevereiro de 2000

Acórdão n.º 1/2000 Processo n.º 350/98. - 4.' Secção (Social). - Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - 1 - O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas do Sul, com os sinais dos autos, propôs a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra QUIMITÉCNICA - Serviços, Comércio e Indústria de Produtos Químicos, S. A., também nos autos melhor identificada, pedindo a sua condenação a reconhecer: A aplicação do AE/QUIMIGAL, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.' série, n.º 7, de 22 de Fevereiro de 1986, às relações laborais com os seus trabalhadores; e que Os subsídios de turno obedecem ao regime estabelecido nesse acordo de empresa. Alegou, em síntese, ser subscritor desse AE/QUIMIGAL, ter sido a ré criada como resultado do desmembramento da QUIMIGAL - Química de Portugal, E. P., e, não tendo o AE sido substituído, deve entender-se que o mesmo se mantém em vigor nas relações da ré com os seus trabalhadores.

Contestou a ré, por excepção, invocando a ilegitimidade activa do autor, em razão de estarem em causa interesses individuais dos trabalhadores, e a sua própria ilegitimidade, por não ter subscrito o acordo, impugnando no mais.

2 - No despacho saneador-sentença, a fls. 95 e seguintes, o Mmo. Juiz julgou improcedentes as excepções da ilegitimidade e também improcedente a acção, com absolvição da ré do pedido.

3 - Desta decisão apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão a fls. 140 e seguintes, revogou a sentença recorrida, julgando a acção inteiramente procedente, com a consequente condenação da ré no pedido.

II - 1 - É deste douto aresto que vem a presente revista, interposta pela ré, que, a final das suas doutas alegações, formula as seguintes conclusões: 1.' A recorrente requer ao venerando Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, nos termos do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil (CPC) se proceda ao julgamento ampliado da revista, uma vez que a questão fundamental de direito subjacente aos presentes autos já foi apreciada no Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 1995, no âmbito do processo n.º 4224 da 4.' Secção (v. doc. n.º 1), e está, igualmente, pendente recurso de revista (processo n.º 5/98 da 4.' Secção - v. parecer n.º 11/98 do Ministério Público doc. n.º 2), pelo que é necessário o requerido julgamento ampliado da revista com vista a assegurar a uniformização da jurisprudência; 2.' A recorrente, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não pode aceitar, por não estar legalmente prevista, a eternidade dos instrumentos de regulamentação colectiva, desde que as partes que o outorgaram (mesmo que o IRCT tenha sido outorgado em condições sociais, empresariais, económicas e políticas perfeitamente distintas das actualmente vividas!) não cheguem a acordo quanto à sua revisão ou substituição; 3.' A cisão da QUIMIGAL - Química de Portugal, S. A., deu-se para permitir viabilizar um colosso industrial que dia a dia perdia competitividade, correndo o risco de se afundar, arrastando consigo os milhares de postos de trabalho que sustentava; 4.' As normas da lei quadro das privatizações, da Constituição da República e do Decreto-Lei n.º 25/89, de 20 de Janeiro (entre outras), têm como única preocupação a manutenção dos direitos, regalias e obrigações dos trabalhadores; 5.' Nenhuma dessas normas exige, ou contém implicitamente, a exigência da manutenção do IRCT que a empresa tinha subscrito antes da privatização; 6.' O legislador decidiu que, no caso de transmissão do estabelecimento ou empresa, a entidade adquirente e os trabalhadores que a ela estão ligados, quase por inerência ao fenómeno transmissivo (v. artigo 37.º da LCT), passam, após um determinado período, a estar sujeitos, não ao IRCT da entidade cedente, mas àquele que no âmbito pessoal obriga a entidade cessionária; 7.' Existe uma sucessão ex lege de estatutos laborais que, no caso concreto, não oferece qualquer problema - artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro -, já que a associação sindical recorrida e a recorrente são partes do CCTV para a indústria química; 8.' A teleologia do artigo 9.º do referido Decreto-Lei n.º 519-C1/79 é que não se pode aceitar a sobrevivência de uma convenção, como instrumento dinâmico de regulação sócio-laboral, que tenha nascido e se destinava a regulamentar uma realidade empresarial diferente da entidade adquirente; 9.' Pelo contrário, a regra do n.º 2 do artigo 11.º do referido diploma legal destina-se a regular o fenómeno da normal sucessão no tempo de estatutos laborais, em situação de não alteração ou substituição das entidades outorgantes; 10.' Assim, o artigo 11.º não se confronta com o artigo 9.º, já que este último é uma norma especial que, em sede de regulamentação das relações colectivas de trabalho, faz a articulação do fenómeno da transmissão do estabelecimento ou empresa com o da sucessão de estatutos laborais; 11.' No caso em apreço, a cisão origina, inquestionavelmente, a transmissão do estabelecimento e, por isso, há que recorrer exclusivamente ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79; 12.' Do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 25/89, de 20 de Janeiro, resulta claramente que o que é transferido são os direitos, obrigações e regalias dos trabalhadores, mas não o AE/QUIMIGAL; 13.' O legislador aplica - e, quanto a nós, bem - a fórmula da não sobrevigência do AE/QUIMIGAL mas da manutenção dos direitos, obrigações e regalias que se encontravam inseridos na esfera jurídica individual de cada trabalhador; 14.' Note-se, ainda, que o legislador não falou em expectativas - como é o caso dos benefícios concedidos aos trabalhadores por um AE -, já que estas podem existir, mas só são legalmente protegidas quando existe uma norma legal que as reconheça e afirme essa mesma protecção; 15.' Acresce que a doutrina é unânime em afirmar que não existe na esfera jurídica do trabalhador o direito à aplicação de um determinado instrumento de regulamentação colectiva de trabalho; 16.' De facto, o que existe é o direito, em cada momento, às regalias e direitos que resultem para os trabalhadores da aplicação de um determinado IRCT, enquanto este estiver vigente; 17.' Ora, para além do estatuto inamovível do trabalhador que consagra um conjunto de direitos que se mantêm sempre e enquanto subsista a relação laboral (artigo 21.º da LCT, entre outros), o trabalhador vai adquirindo ao longo da vigência da sua relação laboral outros direitos e regalias; 18.' Estes direitos e regalias consolidam-se na esfera jurídica privada do trabalhador e a sua alteração não consensual constitui uma violação do seu contrato de trabalho; 19.' Ora, não é a subsistência deste tipo de direitos e regalias que a recorrente põe em causa; 20.' O que não é aceitável, por total ausência de fundamento legal, é a sobrevigência do AE/QUIMIGAL como direito adquirido, ou seja, para além do seu prazo de vigência e considerado como fazendo parte integrante da esfera jurídica de cada um dos trabalhadores; 21.' Pela cisão da QUIMIGAL - Química de Portugal, S. A., criaram-se novos entes jurídicos que não são portadores da personalidade jurídica da QUIMIGAL, S. A., nem da correspondente globalidade de direitos e obrigações; 22.' A transferência dos trabalhadores (bem como dos respectivos direitos, obrigações e regalias) é imposta, não só pelo artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 25/89, mas também pelo artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT); 23.' Assim, o argumento da cisão não pode fundamentar a sobrevigência do AE/QUIMIGAL. De facto, com a cisão, na sua acepção jurídica elementar, nasce uma nova entidade, um ente jurídico absolutamente independente da empresa da qual 'nasceu'; 24.' Por tudo quanto foi dito, fácil é de concluir pela não obrigatoriedade de aplicação por parte...

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