Acórdão n.º 183/89, de 17 de Fevereiro de 1989

Acórdão n.º 183/89 Processo n.º 355/87 Acordam no Tribunal Constitucional: I Introdução 1 - Ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Procurador-Geral da República veio requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das seguintes normas: a) Norma do n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, segundo texto adveniente da revisão da Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, pela Lei n.º 9/87, de 26 de Março, e doravante designado por Estatuto dos Açores (mas só na parte em que torna obrigatória para o Ministro da República a assinatura dos decretos da Assembleia Regional que - apesar de haverem sido objecto, relativamente a qualquer norma, de juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional - vierem a ser confirmados por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções); b) E norma do n.º 5 do mesmo artigo 35.º Para tanto, alegou: a) Admitindo, sem conceder, que é constitucionalmente permitida às assembleias regionais (e não apenas à Assembleia da República) confirmar, através de maioria de dois terços dos deputados presentes, diploma em relação ao qual o Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização preventiva de constitucionalidade, se pronunciara no sentido da inconstitucionalidade, é de qualquer modo seguro que, nessa hipótese, o Ministro da República sempre teria a faculdade de assinar ou não assinar tal diploma (artigo 279.º, n.º 2, da CRP): b) A citada disposição constitucional é assim violada pela norma do n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores, na medida em que esta dispõe que, se a assembleia regional, em caso de inconstitucionalidade, confirmar o voto por maioria de dois terços, a assinatura do diploma não pode ser recusada pelo Ministro da República; c) Por outro lado, e nos termos do artigo 235.º da CRP, compete ao Ministro da República assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais; d) Ora, esta disposição constitucional é infringida pelo n.º 5 do aludido artigo 35.º, quando, nos casos aí especificados, atribui ao Presidente da Assembleia Regional competência para assinar e mandar publicar os decretos da AssembleiaRegional.

2 - Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei n.º 28/84, veio o Presidente da Assembleia da República oferecer o merecimento dos autos.

3 - Cumpre agora passar a apreciar e decidir se as normas do n.º 4 (no segmento assinalado) e do n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores contravêm ou não, quod substantiam, ao disposto, respectivamente, nos artigos 279.º, n.º 2, e 235.º da CRP (este último em necessária articulação com o artigo 279.º, n.º 2).

II - O n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores (trecho em causa) face ao artigo 279.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

4 - Reza o n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores (que, na primitiva redacção do estatuto, correspondia, ipsis verbis, ao n.º 4 do artigo 29.º) o seguinte: Se a Assembleia Regional confirmar o voto por maioria de dois terços - em caso de inconstitucionalidade - ou por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções - nos demais casos -, a assinatura não poderá ser recusada.

Como se viu, não se põe em xeque a constitucionalidade de toda a norma, mas apenas do segmento que determina que, uma vez ultrapassado o julgamento de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional por voto qualificado da Assembleia Regional, não pode já o Ministro da República deixar de assinar o diploma. E põe-se em xeque esse arco da norma precisamente por se considerar que ele está em oposição com o estatuído no artigo 279.º, n.º 2, da CRP.

5 - No quadro dos artigos 229.º, alíneas a) e b), 234.º, 235.º, n.º 1, e 278.º, n.º 2, da CRP, é da exclusiva competência das assembleias regionais: 1) Legislar, através de decretos legislativos regionais, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; 2) E regulamentar, através de decretos regulamentares regionais, as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar (cf., no entanto, o Estatuto dos Açores, onde, no artigo 134.º, n.º 1, se determina, tout court, que, quer a actividade legislativa, quer a actividade regulamentar da Assembleia Regional, se haverá de exprimir através de 'decretos legislativos regionais').

De qualquer modo, e em perspectiva constitucional, é ao Ministro da República - artigo 235.º, n.º 1, da CRP - que compete assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais de leis gerais da República. E, na altura em que tais diplomas lhe sejam enviados para assinatura - artigo 278.º, n.os 2 e 3, da CRP -, pode, no prazo de cinco dias, requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de quaisquer normas neles insertas.

Subsequentemente - artigo 279.º, n.os 1 e 2, da CRP -, se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de qualquer uma dessas normas, deverá o Ministro da República vetar e devolver à respectiva assembleia regional o diploma, que não poderá ser assinado sem prévia expurgação da norma julgada inconstitucional.

6 - Mas - pergunta-se agora - não será certo que o artigo 279.º, n.º 2, da CRP permita ainda a ultrapassagem desse veto do Ministro da República por uma segunda votação da assembleia regional (votação por maioria de dois terços dos deputados presentes)? A propósito, é de registar que, no seu momento auroral, este preceito, resultante da primeira revisão constitucional, foi visto como consentindo a ultrapassagem, por essa via, do veto por inconstitucionalidade do representante da soberania da República em cada uma das regiões autónomas.

Na verdade, não só à proposta de alteração do n.º 2 do artigo 279.º da CRP, aprovada na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, foi desde...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT