Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio de 1993

Decreto-Lei n.° 185/93 de 22 de Maio Uma das inovações mais importantes do actual Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 47 344, de 25 de Novembro de 1966, e que entrou em vigor, na quase totalidade, em 1 de Junho de 1967, foi o reconhecimento da adopção como fonte de relações jurídicas familiares, retomando-se, assim, uma tradição do nosso direito que o Código de Seabra havia interrompido.

Este reconhecimento processou-se à luz de um novo espírito: o instituto da adopção projectou-se num quadro geral de protecção à criança desprovida de um meio familiar normal, privilegiando-se o interesse do adoptado.

O regime que vigorou até à reforma de 1977, de aplicação restrita, revelou, com o desenrolar dos anos e a sequência das transformações sócio-políticas ocorridas na década de setenta, algumas limitações.

Assim, e a partir de 1 de Abril de 1978, data em que, ressalvados alguns aspectos transitórios, a reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.° 496/77, de 25 de Novembro, entrou em vigor, houve uma valorização do instituto, respondendo-se, como esclarece o n.° 39 do preâmbulo, a imperativos de ordem constitucional e a 'solicitações surgidas de muitos lados'.

Como aspectos mais significativos das mudanças operadas, contam-se os seguintes: alargou-se o campo de aplicação da adopção plena aos casados há mais de cinco anos não separados judicialmente, deixou de se fazer a exigência da não existência de filhos dos adoptantes, passou a permitir-se a adopção plena mesmo a pessoa não casada. No que concerne aos adoptados, aceitou-se que a adopção não se limitasse aos filhos do cônjuge do adoptante ou de pais incógnitos ou falecidos, mas que abrangesse também os menores judicialmente declarados abandonados e, em geral, os que há mais de um ano residissem com o adoptante e estivessem a seu cargo.

Criou-se e regulamentou-se a declaração judicial do estado de abandono que leva à dispensa do consentimento dos pais biológicos nos casos em que, por decisão judicial, é reconhecido o comprometimento da subsistência dos vínculos próprios da filiação e inseriu-se no Código Civil a obrigatoriedade de se proceder à realização de um inquérito.

Os anos entretanto decorridos, a experiência acumulada e as contínuas transformações sociais ocorridas, se mantêm actual o interesse pela adopção como sadio instrumento utilizado pela comunidade a favor das crianças mais desprotegidas, aconselham a que se perspective novamente o instituto em ordem à sua actualização.

A despeito das modificações ocorridas na composição e na estrutura da família, limitada agora àquilo a que alguém já chamou o seu 'núcleo irredutível', ela continua a ser a principal instituição socializadora das crianças, sendo nela que se opera o 'segundo nascimento do homem'.

Entre os princípios constitucionais do nosso direito da família incluem-se o direito de constituir família e a atribuição aos pais do poder dever de educação dos filhos; o Conselho da Europa em 1988, na Recomendação n.° 1074, relativa à política de família, reconhece-a como o lugar onde as relações familiares são mais densas e ricas, o lugar por excelência para a educação das crianças.

Estes princípios harmonizam-se com outros que nacional e internacionalmente visam uma atenção activa para com os jovens em geral e em especial para com os mais desprotegidos, como o da protecção à infância e o da protecção à adopção, previstos, respectivamente, nos artigos 69.° e 36.°, n.° 7, da Constituição, tendo o último sido introduzido na revisão constitucional de 1982. A nível internacional, concluiu-se a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, feita em 20 de Novembro de 1989, à qual Portugal foi dos primeiros aderentes e que foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 49/90, de 12 de Setembro, nela se prevendo - artigos 20.° e 21.° - que os Estados partes assegurem à criança privada de meio familiar normal uma protecção alternativa que, satisfeitas certas condições, poderá consistir na adopção.

É na convicção de que a adopção mantém uma grande importância e que as alterações ao seu regime poderão potenciar todas as suas virtualidades, reforçando-a como um dos mais relevantes recursos na resposta à situação da criança desprovida de meio familiar normal, que se procede à sua revisão.

Esta dinâmica insere-se num contexto geral de renovação e adequação de todos os instrumentos que podem dignificar a criança e prevenir desajustamentos futuros, de que, no campo legislativo, são também reflexo a recente adesão à Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças, que Portugal ratificou pelo Decreto do Presidente da República n.° 7/90, de 20 de Fevereiro, e a institucionalização das novas comissões de protecção de menores, pelo Decreto-Lei n.° 189/91, de 17 de Maio. É de registar, ainda, a presença do nosso país nos trabalhos preparatórios da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, em que se perspectiva a problemática relativa à adopção de crianças originárias do estrangeiro.

As alterações agora introduzidas abrangem os aspectos substantivos e adjectivos, projectando-se no campo administrativo e levando a modificações no Código Civil, na Organização Tutelar de Menores, bem como à revogação do Decreto-Lei n.° 274/80, de 13 de Agosto.

No que concerne à regulamentação da adopção transnacional que, embora prevista no último diploma legal referido, não fora até ao momento concretizada, pareceu prudente limitá-la, por ora, às áreas mais carecidas de clarificação e também mais sensíveis, aliás de acordo com o disposto no artigo 21.° da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e enquanto se aguarda o desenvolvimento dos trabalhos da Conferência da Haia que provavelmente terminarão com a elaboração de uma convenção internacional sobre a matéria.

Ao nível do Código Civil, a actualização a que agora se submete o instituto da adopção consiste, fundamentalmente, na criação do instituto da confiança do menor com vista a futura adopção, na alteração das idades previstas para adoptantes e adoptados, numa melhor clareza relativamente às questões que se prendem com o consentimento, aqui se incluindo o consentimento prévio, numa verdadeira tutela dos interesses em jogo que se visam defender através do segredo da identidade do adoptante e dos pais naturais e do carácter secreto do processo de adopção e, finalmente, na forma mais realista como se encara a problemática do nome do adoptado por efeito da adopção.

A confiança do menor com vista a futura adopção, cujas situações se mostram tipificadas no artigo 1978.°, radica na consciência de que aquele necessita, desde o nascimento e especialmente na primeira infância, de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, contacto que deve decorrer sem descontinuidades importantes durante a menoridade, embora com as alterações na relação que as várias fases das crianças e dos jovens naturalmente aconselham.

Quando situações de vária ordem não permitem a existência de um quadro familiar deste tipo ou provocam a sua ruptura, cria-se uma situação de risco grave para o menor, que os seus outros familiares deverão procurar evitar, proporcionando uma relação substitutiva o mais próxima possível daquela que, em princípio, é considerada a situação normal.

Não havendo familiares próximos que possam assumir esta função, compete à sociedade tomar com urgência as medidas adequadas para proporcionar ao menor em risco uma relação substitutiva.

A confiança judicial do menor tem, como primeira finalidade, a defesa deste, evitando que se prolonguem situações em que este sofre as carências derivadas da ausência de uma relação familiar com um mínimo de qualidade e em que os seus pais ou não existem ou, não se mostrando dispostos a dar o consentimento para uma adopção, mantêm de facto uma ausência, um desinteresse e uma distância que não permitem prever a viabilidade de proporcionarem ao filho em tempo útil a relação de que ele precisa para se desenvolver harmoniosamente.

No que respeita à adopção conjunta, diminui-se para quatro anos o tempo de duração do casamento. Embora se deva procurar avaliar a estabilidade da relação matrimonial, não se vê razão para pensar que, como regra, os cinco anos, anteriormente previstos, darão mais garantias.

A idade mínima para a adopção pela singular baixa para 30 anos, por se afigurar mais favorável à adopção.

O espírito do instituto, a que preside a criação de um vínculo semelhante à filiação, aconselha a diminuição para 50 anos do limite máximo de idade do adoptante, clarificando-se, agora, que essa exigência se afere à data em que o menor haja sido confiado, judicial ou administrativamente; salvaguarda-se, porém, a situação em que o adoptando é filho do cônjuge do adoptante.

Quanto ao adoptando, eleva-se para 15 anos o limite a que se refere o n.° 2 do artigo 1980.° do Código Civil, estabelecendo-se, no entanto, a possibilidade de vir a ser adoptado quem, à data da petição judicial de adopção, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, desde que tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles com idade não superior a 15 anos ou quando for filho do cônjuge do adoptante. Espera-se, por um lado, possibilitar a adopção de crianças com idade mais elevada e, por outro, privilegiar a desejável precocidade da adopção, sem prejuízo da necessária segurança. Assim, exige-se agora em todos os casos que o adoptando tenha estado ao cuidado do adoptante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo.

Adapta-se o regime do consentimento às exigências da confiança do menor com vista a futura adopção e disciplina-se a sua dispensa no intuito de obviar a situações de incerteza que a doutrina e a jurisprudência não lograram superar.

A alteração do n.° 3 do artigo 1982.° do Código Civil tem em vista adequar o prazo aí estabelecido ao que consta da Convenção Europeia em matéria de adopção de crianças, possibilitando que se retire a correspondente reserva formulada...

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