Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril de 1987

Decreto-Lei n.º 191/87 de 29 de Abril 1. Na metodologia por que logo se optou no Programa do Governo, prossegue-se na reforma do direito comercial marítimo, agora perdido na senectude do livro III do Código Comercial. Os diplomas legais que para esse fim vão sendo sucessivamente editados só formalmente constituem legislação avulsa; todos eles, sistematizadamente, se inscrevem num quadro coerente e unitário.

É corrente a ideia de que no contrato de fretamento prepondera a autonomia da vontade; será mesmo esse um dos traços que mais caracteristicamente o demarcam do contrato de transporte de mercadorias; neste, a preocupação de proteger os carregadores deu causa a uma disciplina quase sempre imperativa.

As coisas não deixaram de ser assim, embora a realidade revele que ao contratar o fretamento as vontades recíprocas não se movem já com a mesma incólume disponibilidade; alarga-se a estandardização das cartas-partidas; noutro plano, desenvolve-se um crescente controle quanto a algumas das estipulações, como é o caso das que tenham a ver com a qualidade dos combustíveis utilizados, em vista a manter a boa condição das máquinas do navio.

  1. Operada a autonomização conceitual do transporte e do fretamento, compartimenta-se este nas três clássicas modalidades: por viagem, a tempo e em casconu.

    Este o sistema legal francês de 1966, como também já era o do direito anglo-saxónico, onde são reconhecíveis três modalidades de charter-parties: voyage charter-party, time charter-party e charter-party by demise (lease of the vessel).

    Tem-se por vezes feito coincidir a terceira modalidade (demise) com a bareboat charter; acontece, no entanto, que, nesta, o fretador nunca pode designar o capitão, enquanto naquela isso é possível.

    Claro está que, para além desta trilogia, nitidamente configurada, a vida se tem encarregado de produzir outras modalidades, que as partes modelam a partir dos seus interesses. São tipos contratuais não definíveis more geometrico; aquilo que os Ingleses chamam de contratos 'híbridos'.

    Assim, por exemplo, o fretamento por viagens sucessivas; dizendo quase sempre respeito a navios-tanques, é expresso em apólices-tipo como a 'Shell-consec' e a 'Interconsec'. Abrangerá o fretamento um número determinado de viagens ou as que o navio possa realizar num certo período de tempo, contado desde o início da primeira sem poder exceder uma data fixada para o último carregamento.

    Assim, também, a trip charter, em que o navio é fretado para uma viagem (eventualmente de ida e volta), mas durante um certo período de tempo. O modelo adoptado é o da time charter e a gestão comercial entregue ao afretador. Mas o objecto do contrato será, declaradamente, uma viagem.

    Assim, ainda, e com grande relevo, o tonnage agreement, que em França recebe os nomes de contrat de tonnage ou de affrètement au tonnage. O núcleo da convenção está em que um empresário (industrial, comercial ou agrícola) estabelece com um armador que este assegurará a deslocação, em um ou vários navios, dentro de um certo período, de um volume determinado (ou determinável) de mercadorias, mediante o pagamento de um frete calculado por tonelada ou por qualquer outra unidade de medida. Não se estará perante um fretamento a tempo, já que o período estipulado valerá apenas como limite, sendo o frete fixado em função do volume de mercadorias transportado. O que o armador põe à disposição do outro contraente é uma certa capacidade de transporte. Tem-se entendido tratar-se de um fretamento por viagem, embora com uma vincada infixidez de enquadramento. Daí que já se tenha pensado que melhor será situá-lo como um contrato preliminar de ulteriores transportessucessivos.

  2. Constitui o fretamento um dos clássicos contratos de utilização ou exploração do navio para uma afectação marítima. Com esta pontualização poder-se-á distinguir o fretamento em casco nu do contrato de locação do navio; realmente a locação não terá a ver com a utilização do navio para fins relacionados com a navegação marítima. Assim, por exemplo, no caso da utilização de um navio como hotel flutuante. A relação contratual reger-se-á então pelas regras gerais do contrato de locação, e não pelas que especialmente valem para o direito marítimo.

    Mas o fretamento em casco nu está na fronteira com a locação e daí que, subsidiariamente, se lhe possam aplicar, com as necessárias adaptações, não apenas as normas relativas ao fretamento a tempo como as que vigoram quanto ao contrato de locação.

    Será ainda no fretamento em casco nu que por completo se esbate a vinculação, mesmo instrumental, entre o fretamento e o transporte de mercadorias. Como se assinala no artigo 39.º, n.º 1, poderá o afretador utilizar o navio em todos os tráfegos e actividades compatíveis com a sua finalidade normal e características técnicas. A única limitação estará em que o navio seja utilizado para fins de navegação marítima, não estando, de modo algum, implícita a ideia de que tal utilização se confine ao transporte de mercadorias por mar. Nesta medida, parece de convocar a ideia de que todo o fretamento pressuporá uma expedição marítima.

  3. No artigo 21.º atribui-se ao fretador, no caso do fretamento por viagem, o direito de retenção sobre as mercadorias transportadas, para garantia dos créditos emergentes do contrato de fretamento. Justifica-se a solução pela 'vizinhança' entre o fretamento por viagem e o transporte de mercadorias.

    Proíbe o artigo 561.º do Código Comercial essa retenção, mas por um critério que, indo ao fundo da realidade, resulta equivalente. Com efeito, o n.º 3 do artigo 21.º do presente diploma remete para o que se dispõe sobre o direito de retenção no contrato de transporte marítimo de mercadorias, ou seja, para o preceituado nos n.os 3 e 6 do artigo 21.º...

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