Decreto-Lei n.º 80/73, de 02 de Março de 1973

Decreto-Lei n.º 80/73 de 2 de Março 1. O sistema legal que regula a definição e actualização da rede de linhas férreas, a exploração do transporte ferroviário e a coordenação deste com outros modos de transporte assenta ainda em premissas que a evolução dos últimos decénios tornou inadequadas em face das actuais exigências de flexibilidade e racionalização da produção de serviços de transporte.

Julgou-se oportuno rever esse sistema de modo a eliminar os maiores desajustamentos entre a regulamentação vigente e o espírito que deve presidir ao desenvolvimento da moderna gestão do serviço público de transporte ferroviário. E pareceu adequada a oportunidade para se definir, de forma coordenada e sistemática, o enquadramento legal desse meio de transporte, eliminando uma dispersão de normas por diversos diplomas que se vinha revelando impeditiva de uma visão global do pensamento do legislador.

  1. Desde a publicação do Decreto-Lei n.º 38246, de 9 de Maio de 1951, que estabeleceu as bases do actual contrato de concessão da rede ferroviária metropolitana à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses (C. P.), as coordenadas da gestão dos caminhos de ferro, em geral, têm continuado a alterar-se progressivamente num duplo sentido: a) Por um lado, de um mercado outrora estabilizado na base de um monopólio de facto, evoluiu-se rapidamente para uma dinâmica concorrencial que por toda a parte tem imposto não só a renovação das estruturas empresariais do caminho de ferro e o reforço da sua actuação comercial, como também a própria revisão da vocação do transporte ferroviário nos dias de hoje; b) Por outro lado, assistiu-se ao crescimento das exigências do público, às quais só se torna possível responder através de uma maior flexibilidade de actuação e de pesadosinvestimentos.

    Acresce que, entre nós, não foi possível ir realizando, ao ritmo desejável, as modificações estruturais e a renovação do material que as circunstâncias aconselhavam, daí tendo resultado uma profunda descapitalização da empresa concessionária, acompanhada de envelhecimento acentuado e generalizado da exploração ferroviária, o que levou a uma substancial inadequação do caminho de ferro às necessidades presentes do País.

    Para fazer face a este estado de coisas, a empresa propôs e o Governo incluiu no III Plano de Fomento um amplo programa de renovação, que se encontra em pleno desenvolvimento, embora a natureza e a vastidão dos empreendimentos a realizar impeçam que a melhoria dos transportes subsequente se concretize a curto prazo.

    A profunda revisão da política ferroviária agora em curso envolve onerosos investimentos, cuja rentabilidade social tem de ser devidamente ponderada, no contexto do sistema de transportes do território metropolitano continental, ao mesmo tempo que a empresa concessionária procede à sua reorganização interna, de modo que possam equilibrar-se as exigências do serviço público com os imperativos de uma correcta gestão comercial.

  2. Na estruturação das novas normas reguladoras dos transportes ferroviários procurou dar-se tradução aos princípios já definidos no III Plano de Fomento, de entre os quais se salientam os seguintes: Continuação da elaboração de planos de modernização e equipamento, sucessivamente aperfeiçoados tendo em vista a evolução do tráfego e a rentabilidade económica dos investimentos; Estudo da exploração económica da rede, segundo critérios não estritamente empresariais, mas tendo também em conta as necessidades e acções de desenvolvimento regional, com vista às correspondentes opções sobre a manutenção ou o encerramento de linhas e de estações; Contribuição do Estado no financiamento das infra-estruturas ferroviárias de interesse geral e de longa duração; Saneamento da situação financeira da empresa ferroviária; Eliminação gradual das subvenções económicas de exploração e sua substituição por indemnizações compensatórias; Prosseguimento da normalização das contas ferroviárias e da contabilidade analítica daexploração; Dinamização da gestão comercial da empresa, promovendo a captação dos tráfegos mais adequados, em especial os de mercadorias em comboio completo e os de passageiros a grandes velocidades para longas distâncias; Reorganização administrativa e económica, de forma a incutir à empresa maior dinamismo empresarial e adequada autonomia de gestão, com eventuais repercussões no seu estatuto jurídico.

  3. É dentro deste quadro de preocupações que se ajustam os novos princípios respeitantes à definição da rede ferroviária nacional, à sua reavaliação, em função da vocação actual do caminho de ferro, e à elaboração dos planos da sua actualização, atentas as realidades nacionais e as orientações que vêm sendo seguidas nos demais países europeus.

    Salienta-se a tal propósito, em primeiro lugar, a revogação do plano geral da rede ferroviária, aprovada pelo Decreto com força de lei n.º 18190, de 10 de Abril de 1930, que se encontra totalmente ultrapassado, mas impunha ainda, pela sua teórica vigência, um certo número de condicionamentos que urge eliminar. Em contrapartida, define-se a rede ferroviária nacional com base nas linhas férreas e ramais actualmente concedidos à C. P., incluindo-se ainda na definição as linhas e ramais que de futuro venham a ser integrados na concessão única, no âmbito da execução de planos de actualização da rede.

    Em segundo lugar, cabe pôr em relevo o regime que se consagra quanto à supressão ou redução do serviço ferroviário em linhas e ramais, bem como em estações, em que ele se não revele comercialmente viável, nem razões ponderosas de interesse público o imponham. A salvaguarda dos interesses legítimos das populações levará, em tais situações, ao estabelecimento obrigatório de serviços rodoviários de substituição, completando os já existentes para que se corresponda cabalmente aos interesses de deslocação de pessoas e bens até então dependentes do transporte ferroviário. Além disso, admite-se que, ponderados os objectivos da política geral de transportes e os termos dos planos de actualização, possa vir a proceder-se ao levantamento das vias e demais equipamentos fixos das linhas ou ramais em que haja cessado total e definitivamente a exploração.

    Finalmente, não pode ignorar-se a necessidade de colmatar, a curto prazo, lacunas existentes na rede ferroviária das regiões urbanas de Lisboa e Porto.

    Aqui, os eixos ferroviários constituirão o suporte essencial do transporte de grandes massas de passageiros e deverão garantir os pontos de apoio indispensáveis para a recolha e distribuição de mercadorias.

    A longo prazo, é de admitir que no País outras regiões possam enfrentar problemas de transporte em que ao caminho de ferro venha a atribuir-se uma função do mesmo tipo da que, desde já, se impõe naquelas regiões. Mas, a menos que a tecnologia dos transportes tenha uma evolução diferente da que ora se prevê, deverá o caminho de ferro, no litoral do continente e a longo prazo, preparar-se para um transporte a elevadas velocidades, com recurso a meios não convencionais.

  4. A circunstância de o transporte ferroviário constituir um serviço público, explorado em regime de concessão, determina a necessidade de equacionar as obrigações e condicionamentos impostos à empresa concessionária, em nome dos interesses públicos que em primeira linha incumbe prosseguir, com as exigências derivadas da sua qualidade de empresa cuja gestão deve obedecer aos princípios específicos dos agentes económicos privados, tendo em vista a natureza do respectivo campo de actividade.

    Este o mais delicado de todos os problemas com que se defronta o transporte ferroviário, porque não pode abstrair-se de toda uma tradição de funcionamento da empresa e das exigências que para ela ressaltaram do exercício de poderes de tutela fortemente compulsivos, no campo da sua actuação prática.

    A esta luz, compreender-se-á a motivação do princípio expresso de que a exploração ferroviária deverá vir a concentrar-se, de forma...

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