Assento n.º 2/91, de 06 de Fevereiro de 1992

Assento n.º 2/91 Recurso extraordinário n.º 9/91 1 - Em sessão diária este Tribunal recusou o visto às nomeações de Anabela Maria Rodrigues Miranda Cabral Santos e outros como auxiliares de apoio e vigilância do Centro Hospitalar de Coimbra com o fundamento de que o respectivo concurso, porque circunscrito apenas ao pessoal em serviço naquele Centro com contrato administrativo de provimento, desrespeitou o estatuído no artigo 6.º, n.os 3, alínea b), e 5, do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 deDezembro.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, porém, interpôs recurso extraordinário da decisão, com fundamentos que se podem sintetizar nestestermos: O artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, é uma disposição transitória destinada a sanar as situações irregulares existentes à data da sua entrada em vigor, através de um dos seguintes modos: contratação em regime de contrato administrativo de provimento, ou de trabalho a termo certo, conforme as situações a regularizar perdurem há mais ou há menos de três anos, respectivamente, e dispensa desse pessoal no prazo de 90 dias.

Sequentemente o artigo 38.º do mesmo diploma contém um conjunto de disposições com vista à obtenção daquele desideratum e em termos de poder concluir-se que as mesmas prevalecem sobre quaisquer outras de natureza e objectivo genéricos, na medida em que são disposições especiais para o propósito que assumem.

De resto, continua, o processo de regularização que naquelas disposições se contém é de base institucional como se depreende da obrigação instituída de cada serviço que possua contratados de abrir concursos, do facto de os contratados só serem candidatos obrigatórios ao primeiro concurso interno aberto no respectivo serviço e ainda, e muito principalmente, da prioridade que sempre pareceu inequívoca que o n.º 6 do mesmo artigo confere para integração no respectivo serviço aos contratados detentores da mesma categoria.

O que, ligado à circunstância de a lei admitir a abertura de tais concursos directamente para categoria de ingresso, parece levar à conclusão de que, nestes casos, o legislador admite concursos internos condicionados para lugares de ingresso, afastando assim, neste ponto, a aplicação do artigo 6.º, n.os 3, alínea b), e 5, do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro.

Entendimento que este Tribunal perfilhou também em vários acórdãos, que cita.

Termina pedindo que, reconhecendo-se um conflito de jurisprudência, se produza assento, ao abrigo do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 8/82, de 26 de Maio.

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta em seu douto parecer sustenta que se verificam os pressupostos indispensáveis à prolação do assento e opina no sentido de se uniformizar jurisprudência a estabelecer que 'os concursos abertos nos termos do n.º 3 do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 427/89, porque excepcionais e temporários, podem ser limitados a contratados no serviço, em regime de contrato administrativo de provimento'.

É que, em seu modo de ver, o concurso delineado naquela disposição não se pode classificar como condicionado segundo a disposição no artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 498/88, mas antes como um concurso interno especial só e apenas para os que se encontram naquelas condições anómalas e a cujo ingresso a lei quis dar preferência.

Preferência absoluta, de resto, ainda que não declarada expressis verbis, já que outra conclusão não se pode extrair do conjunto da redacção do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 427/89, e que terá de se respeitar logo no concurso para evitar a prática de actos inúteis.

Diferente é o entendimento da Sr.' Secretária de Estado do Orçamento, para quem o concurso em análise se deve tratar como concurso interno geral se visar o preenchimento de lugares de ingresso, a ele devendo ser admitidos, por consequência, não só as pessoas que se encontram nas condições dos artigos 37.º, n.º 1, e 39.º do Decreto-Lei n.º 427/89, como também os funcionários que se candidatem no exercício do direito à mobilidade, independentemente do serviço ou organismo a que pertençam.

No caso de lugares de acesso, o concurso poderá ser interno condicionado ou interno geral, consoante se verifiquem ou não os requisitos do artigo 6.º, n.os 3, alínea b), e 5, do Decreto-Lei n.º 498/88.

É esse o entendimento que considera mais correcto do ponto de vista da hermenêutica jurídica e que melhor realiza a conciliação possível entre o carácter inquestionavelmente excepcional e transitório do mecanismo dos artigos 37.º, 38.º e 39.º do Decreto-Lei n.º 427/89 e a filosofia informadora do regime geral dos concursos decorrente do Decreto-Lei n.º 498/88, sem com isso pôr em causa o direito à carreira e o direito à mobilidade dos funcionários dos quadros, nem prejudicar o escopo fundamental daquele mecanismo, que é o de integrar o mais rapidamente possível o pessoal nas condições do n.º 1 do artigo 37.º e do artigo 39.º do primeiro dos diplomas citados.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Antes de mais para reconhecer que se configuram, no caso, os pressupostos indispensáveis à emissão do assento, já que, no domínio da mesma legislação, o Tribunal se contradisse na interpretação do artigo 38.º, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, aceitando, nuns casos, nomeadamente naqueles a que se referem os Acórdãos n.os 432/90, 438/90 e 500/90, que o concurso a que se refere aquela disposição pode ser aberto exclusivamente para os contratados no serviço respectivo, enquanto na decisão recorrida, entre outras, se perfilhou o entendimento contrário.

2 - No quadro de uma política de recursos humanos tendente ao aumento da eficiência e eficácia dos serviços mediante a racionalização de estruturas orgânicas, a aplicação de uma política em emprego, de uma rigorosa utilização dos meios orçamentais, de modo a não gerar aumento global do número de efectivos da Administração Pública, a Lei n.º 114/88, de 30 de Dezembro - lei da aprovação do orçamento para 1989 -, autorizou o Governo a legislar em matéria de princípios gerais da relação do emprego público e condicionou a fixação das quotas globais de descongelamento, para esse ano, além do mais, à regularização da situação jurídico-funcional de pessoal impropriamente designado 'tarefeiro' - seus artigos 14.º, n.º 3, alínea b), e 15.º, alínea c).

E nessa sequência surgiu o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e, em seu desenvolvimento, o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.

Ora, logo no preâmbulo deste o legislador anunciou a criação de um processo de regularização da situação jurídica do pessoal impropriamente chamado tarefeiro, a culminar na integração dos quadros de pessoal ou nos quadros dos efectivos interdepartamentais, se não houvesse vagas da respectiva categoria, após a apresentação a concurso.

Assim, o seu artigo 37.º dispôs que o pessoal que, à data da sua entrada em vigor, contasse mais de três anos de exercício de funções nos serviços e organismos referidos no seu artigo 2.º, com sujeição à disciplina e hierarquia e com horário de trabalho completo mas sem título jurídico adequado, seria contratado em regime de contrato administrativo de provimento, enquanto quem tivesse menos de três anos de serviço ou, tendo mais, trabalhasse em regime de tempo parcial, poderia ser contratado em regime de contrato de trabalho a termo certo ou dispensado no prazo de 90 dias.

Nos termos do artigo seguinte, a contratação deveria ter lugar no prazo de 90 dias, ainda a contar da data da entrada em vigor do mesmo diploma, e para os que viessem a celebrar contrato administrativo de provimento deveria ser aberto concurso no prazo de 120 dias, ainda a contar daquele marco temporal, mesmo que os serviços respectivos não dispusessem de vagas. Os aprovados ingressariam na categoria respectiva ou no QEI, conforme existissem ou não vagas, enquanto os que se não candidatassem ou não obtivessem aprovação veriam o contrato rescindido. Entretanto, a admissão de pessoal, a qualquer título, em cada categoria, só poderia fazer-se desde que estivessem integrados no respectivo serviço todos os contratados detentores da mesma categoria.

Trata-se, portanto, de um mecanismo faseado e expedito, todo especial, criado apenas para resolver uma situação bem demarcada, e não para perdurar.

Especial pelas suas finalidades específicas e pelas regras que o informam: de raiz substantiva umas, como a que dispensa de estágio os interessados para ingresso em carreiras em que é legalmente exigido ou a que condiciona a admissão de pessoal pelos serviços enquanto não estiverem integrados todos os seus contratados aprovados no concurso; de natureza marcadamente processual outras, como são as que obrigam à abertura de concursos no prazo de 120 dias a contar da entrada em vigor do diploma, mesmo sem vagas, ou que consideram os contratados candidatos obrigatórios.

3 - Ora, é da questão ou do problema que a disposição em causa visa resolver que se há-de arrancar para a interpretação da lei. Não para a distorcer, como é óbvio, em função de soluções preconcebidas, mas antes para lhe encontrar o verdadeirosentido.

A lei é sempre um meio de valorar interesses e, nessa medida, uma forma de intervenção do Estado para a consecução de objectivos.

Donde a relevância que o elemento teleológico assume no esforço interpretativo como o refere a doutrina em geral.

Já Francisco Ferrara, na sua obra, hoje clássica, Interpretação e Aplicação das Leis, ensinava (p. 130) que 'o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a essa finalidade [...] Ora, isto pressupõe que o intérprete não deve limitar-se a simples operações lógicas, mas tem de efectuar complexas apreciações de interesses, embora dentro do âmbito legal! E daqui a dificuldade de interpretação, que não é simples arte linguística ou palestra de exercitações...

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