Assento n.º 13/94, de 19 de Agosto de 1994

Assento n.° 13/94 Acordam, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de Justiça: A Companhia de Seguros Império, E. P., veio recorrer para o tribunal pleno nos autos de recurso de revista em que é recorrente com Ana Cândida Guedes da Costa (recurso subordinado), sendo recorridas as mesmas e David Rodrigues.

Tal recurso foi admitido por se considerar haver oposição relevante, sobre idêntica situação, entre o acórdão recorrido e outro deste Supremo Tribunal com a data de 5 de Maio de 1988, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 377, pp. 471 e seguintes.

A recorrente alegou em tempo - cf. fls. 33 e seguintes -, tendo sido oportunamente junto douto parecer do digno procurador-geral-adjunto neste Supremo Tribunal.

1 Objecto do recurso É a seguinte a questão de direito levantada: Quando em causa, em matéria de juros devidos, o momento da constituição em mora, face à redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 262/83, de 16 de Junho, ao n.° 3 do artigo 805.° do Código Civil, este assume-se como norma inovadora, aplicando-se, apenas, para futuro ou deverá ser tido como norma interpretativa, sendo, como tal, de aplicação imediata.

No acórdão fundamento entendeu-se que se trata de uma norma inovadora, com todas as consequências daí decorrentes.

Não assim e, contrariamente, no acórdão recorrido em que se julgou ser a referida norma interpretativa e de aplicação imediata.

2 Questãopreliminar Oportunamente, decidiu-se pela existência efectiva de oposição entre os referenciados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

Além do mais, porque:

  1. Os dois acórdãos foram proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em processos diferentes, presumindo-se o trânsito em julgado do acórdão fundamento (requisitos formais); b) Os problemas de facto foram apreciados por decisões expressas, sendo idênticos e surgindo em oposição sobre a mesma questão fundamental, no domínio da mesma legislação, não alterada desde a publicação do acórdão fundamento até à do acórdão recorrido. (V. artigo 805.°, n.° 3, do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei n.° 262/83, de 16 de Junho) (requisitos substanciais).

    Maisprecisamente: No acórdão recorrido, proferido em acção com base em acidente de viação, ocorrido em 10 de Novembro de 1982, decidiu-se ser o momento da citação para a acção aquele que determina a eventual constituição em mora do devedor da indemnização; No acórdão fundamento julgou-se serem os juros de mora devidos a partir da fixação da indemnização por decisão definitiva do tribunal.

    Daí o antagonismo existente nos significados atribuídos à mesma regra jurídica.

    3 Acórdão fundamento - razões

  2. O problema da determinação do momento da constituição em mora do devedor dos juros devidos pôs-se na vigência do Código Civil de 1867, conduzindo a jurisprudência e a doutrina vária.

  3. O actual Código Civil veio a tratar a matéria em causa nos números 1, 2 e 3 do artigo 805.°, tendo de aquele último número sido alterado (acrescentamento) pelo Decreto-Lei n.° 262/83, de 16 de Junho.

  4. No seguimento da anterior problemática levantada sobre a questão formaram-se duas correntes doutrinais de apreciação e decisão: Uma, procurando a conciliação dos números 2 e 3 do citado artigo 805.° do Código Civil, em termos de se considerar que o devedor de juros, por indemnização ilíquida, só incorria em mora, depois de aquela se tornar líquida, mediante convenção das partes ou decisão definitiva do tribunal, a não ser que a iliquidez fosse imputável ao devedor; Outra, afirmando que a obrigação de indemnização, por facto ilícito, nascia com o mesmo, sendo devidos juros de mora a partir desse momento.

  5. A alteração introduzida no artigo 805.°, que consistiu no acrescentamento ao seu referenciado n.° 3, não tem como determinante o anterior conflito de doutrina e jurisprudência, já que o mesmo se esbateu desde a entrada em vigor do novo Código Civil, com o predomínio do entendimento de que não havia mora enquanto o crédito não se tornasse líquido.

  6. Os termos da alteração introduzida no n.° 3 do citado artigo 805.°, fixando o momento do início dos juros de mora - não a partir do facto ilícito, nem da liquidação definitiva mas da citação -, tem carácter inovador, sendo, por isso, só aplicável aos factos posteriores ao do começo da sua vigência 'precisamente, porque se trata de norma que regula os efeitos dos factos geradores de responsabilidade civil' (cf. artigo 12.° do Código Civil).

    4 Acórdão recorrido - razões

  7. Nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo 805.° do Código Civil existe mora do devedor - independentemente de interpelação - se a obrigação provier de facto ilícito.

  8. Um acidente de viação é um facto ilícito quando viola direitos de terceiro, por culpa do violador.

  9. Atenta a modificação introduzida no n.° 3 do artigo 805.° e à circunstância de, na hipótese sub judice, ter sido invocado, no momento da propositura da acção, o direito a juros com o pedido de contagem a partir da petição inicial, o direito a indemnização e o correspondente dever de indemnizar reportam-se ao cometimento do facto ilícito (o acidente teve lugar em 1982), considerados o tempo em que se verificou e as suas consequências.

  10. A constituição do devedor em mora reporta-se ao momento em que o dever correspondente ao direito devia ser cumprido, sendo certo que uma coisa é o dever de indemnizar - para o qual existe um momento em que tem de ser cumprido - outro é o dever de pagar juros de mora, quando aquele dever não foi cumprido no momento em que o devia ter sido.

  11. O Decreto-Lei n.° 262/83 estabeleceu para futuro um momento especial de constituição em mora pelo devedor da indemnização por facto ilícito, qual seja o da sua citação para a acção.

    5 Consideraçõeshistóricas Ao artigo 805.° do actual Código Civil correspondiam na matéria em análise os artigos 711.° e 732.° do Código Civil de 1867.

    A alteração introduzida no artigo 805.°, citado, pelo Decreto-Lei n.° 262/83, de 16 de Junho, consistiu no acrescentamento ao seu n.° 3 da determinação de que: [...] tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.

    Em reporte temporal (antes de mais), face a tal alteração introduzida no n.° 3 do artigo 805.°, impõe-se saber se a mesma se assume com carácter e natureza inovadora ou meramente interpretativa.

    E, de algum modo, o porquê da alteração.

    Parece claro poder-se concluir que (v. preâmbulo do Decreto-Lei n.° 262/83) se considerou menos justa - nas suas consequências, naturalmente - a lei na redacção inicial dada ao n.° 3 do artigo 805.° do Código Civil.

    Assim, o legislador, enquanto originariamente consagrava que 'sendo ilíquido o crédito proveniente de facto ilícito, não haveria mora enquanto (o mesmo) se não tornasse líquido, salvo se a falta de liquidez fosse imputável ao devedor', veio com o Decreto-Lei n.° 262/83 consignar 'que o devedor por crédito ilíquido derivado de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco se constituí em mora desde a citação, a menos que já então haja mora por a falta de liquidez ser imputável ao próprio devedor'.

    Na sequência, em consonância com a ratio legis - como se disse -, uma questão: A de saber se a alteração da lei (acrescentamento) se assumia - e assume - com carácter inovador ou, contrariamente, tão-só interpretativo (com todas as consequências daí decorrentes).

    Ao longo dos anos, alguma jurisprudência - mais, a dos Tribunais das Relações de Lisboa e de Évora - vem defendendo o carácter interpretativo da norma alterada (cf. sumário, Boletim do Ministério da Justiça, números 340, p. 436; 363, p. 593, e 369, p. 619, mais precisamente os Acórdãos das Relações de Lisboa, de 10 de Janeiro de 1984 e de 20 de Maio de 1986, e de Évora, de 13 de Março de 1986, entre outros).

    Agora e mais o Acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1991.

    Outra jurisprudência - de longe a dominadora - vem considerando que a norma, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 262/83, é inovadora, aplicando-se apenas para futuro (e não retroactivamente).

    Em tal sentido (entre outros) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 344, p. 427, de 5 de Fevereiro de 1987, in Boletim do Ministério da...

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