Acórdão n.º 404/2016

Data de publicação13 Outubro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 404/2016

Processo n.º 890/2015

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - MEO - Serviços de comunicação e multimédia, S. A. deduziu no Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa dos atos de apuramento de contribuições devidas à Caixa Geral de Aposentações, no montante global de (euro)1.281.905,86.

A impugnação foi julgada improcedente, pelo que a impugnante recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da norma do artigo 6.º-A, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, quando lhe seja aplicável, por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que restringe de forma inadmissível os direitos de iniciativa económica e da propriedade privada, e do princípio da igualdade.

Por acórdão de 19 de junho de 2015, o TCA Sul julgou improcedente o recurso, dando como não verificada a invocada violação daqueles parâmetros de constitucionalidade.

A Recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.

Tendo o processo prosseguido para apreciação de mérito, a Recorrente apresentou alegações em que formula as seguintes conclusões:

A. Até 2007 nunca fora exigido à Recorrente, na qualidade de entidade empregadora, o pagamento de quaisquer contribuições diretas para a Caixa Geral de Aposentações em matéria de aposentação ou de sobrevivência relativamente aos seus trabalhadores oriundos da CTT, EP.

B. Porém, através da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), foi consagrada a obrigação segundo a qual, «para as entidades com pessoal relativamente ao qual a Caixa Geral de Aposentações seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência, a contribuição é igual a 3,75 % da remuneração do referido pessoal sujeita a desconto de quota», tendo uma tal obrigação contributiva sido vertida - inalterada no seu conteúdo e a partir do dia 1 de janeiro de 2009 - no n.º 3 do artigo 6.º-A do Estatuto da Aposentação.

C. Entende a ora Recorrente, contudo, que uma tal obrigação contributiva é materialmente inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade (cf. artigos 18.º, n.º 2, e 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa), na medida em que a sua imposição à Recorrente restringe de forma inadmissível os seus direitos fundamentais - de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias - de iniciativa económica privada e de propriedade privada (cf. artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, ambos da Constituição).

D. Em particular, o comando constante do artigo 6.º-A do Estatuto da Aposentação, quando aplicado à Recorrente, restringe a liberdade de empresa e o direito de propriedade de uma empresa privada sem respeito pelo princípio da proporcionalidade, sendo, por esse motivo, materialmente inconstitucional por violação dos artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 61.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, todos da Constituição.

E. Neste sentido, destacou-se no Memorando subordinado ao tema «O Fundo de Pensões do pessoal da PT/CGA e a Lei do Orçamento do Estado», subscrito pelos advogados RUI MEDEIROS, LINO TORCAL e MARIA ZAGALLO (cf. Doc. 2, pp. 60-61), que a Recorrente «suporta, só para a aposentação, um encargo financeiro que, para além de indeterminado, é muito superior ao esforço total, ao nível da proteção social, exigido quer às entidades que contribuem para a CGA (15 % ou 7,5 %), quer aos empregadores privados no regime geral (23,75 %) - o que, só por si já representa um sacrifício excessivo face ao imposto a estas entidades, violador da proporcionalidade em sentido estrito e desconforme com os limites que o legislador entendeu adequados para salvaguardar o financiamento dos regime de proteção social cm causa. Constitui deste modo um agravamento inadmissível deste sacrifício a exigência à [Recorrente] do pagamento da contribuição prevista no artigo 19.º, n.º 2, da LOE [cuja redação é idêntica à da norma legal vertida no artigo 6.º-A, n.º 3, do Estatuto da Aposentação], tornando-se ainda mais evidente, por essa via, a violação do princípio da proporcionalidade».

F. Convergentemente, concluiu o Professor JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, no Parecer subordinado ao tema «A conformidade com a Constituição da norma constante do n.º 2 do artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007», que «A disposição cm apreço [referindo se a disposição de conteúdo idêntico ao do vertente artigo 6.º-A, n.º 3, do Estatuto da Aposentação], sendo uma medida legislativa aplicável a destinatários perfeitamente determináveis, ignora as circunstâncias relevantes e o alcance dos efeitos produzidos na esfera patrimonial da PTC [ora Recorrente] - que, atuando num mercado cm concorrência, já estava onerada com um encargo quanto às contribuições para a segurança social dos trabalhadores em causa manifestamente superior ao suportado pela generalidade das empresas -, e ofende, assim, o princípio da proporcionalidade, ao estabelecer um agravamento tributário que afeta o exercício da atividade económica e o direito de propriedade de uma empresa privada sem que tal se mostre necessário, adequado e proporcionado à realização de qualquer valor constitucionalmente protegido» (cf. Doc. 3, pp. 24-25).

G. Por outro lado, a norma legal vertida no n.º 3 do artigo 6.º-A do Estatuto da Aposentação, quando aplicada à Recorrente - na sua qualidade de sociedade comercial privada em concorrência com outros operadores da mesma natureza apenas sujeitos ao regime geral da segurança social -, envolve ainda a violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, sendo, por este motivo adicional, desconforme com a Constituição.

H. Com efeito, observou-se no Memorando subordinado ao tema «O Fundo de Pensões do pessoal da PT/CGA e a Lei do Orçamento do Estado», subscrito pelos advogados RUI MEDEIROS, LINO TORGAL e MARIA ZAGALLO, que a «percentagem atribuída à sobrevivência no referido artigo 19.º, n.º 2, da LOE [disposição de conteúdo idêntico ao do vertente artigo 6.º-A, n.º 3, do Estatuto da Aposentação] (3,75 %) é, também ela, claramente excessiva, isto quando comparada com aquela que é atribuída no regime geral, com o qual se visa convergir, à eventualidade morte - na prática, a PTC [ora Recorrente] suporta para esta eventualidade uma percentagem de cerca de 5,22 %, enquanto um empregador no regime geral contribui com, aproximadamente, 2,5 %. A aplicação à PTC do disposto no artigo 19.º, n.º 2, da LOE mostra-se também desconforme com o princípio da igualdade, na medida cm que a imposição deste sacrifício cria uma desigualdade face aos demais agentes económicos privados (que contribuem acnas com 23,75 %), que não é justificada nem pela necessidade de proteção de direitos adquiridos dos trabalhadores, nem por exigências de financiamento dos regimes de proteção social» (cf. Doc. 2, p. 61).

I. Confirmando a apontada conclusão, sublinhou, por fim, o Professor JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE no Parecer subordinado ao tema «Á conformidade com a Constituição da norma constante do n.º 2 do artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007», que «no caso concreto, o tratamento discriminatório torna-se ainda mais desrazoável na medida cm que afronta a justiça do sistema, isto é, a coerência do sistema contributivo da segurança social, ao acentuar e tornar mais evidente uma outra desigualdade - a que resulta da comparação com a solução legislativa dada relativamente aos CTT. Conclui-se, assim, sem margem para dúvidas, que o preceito contido no n.º 2 do artigo 19.º da LOE/07, especificamente no que respeita à PTC [ora Recorrente], ofende o princípio da igualdade tributária, na formulação que lhe tem sido dada pelo Tribunal Constitucional, enquanto proibição do arbítrio c da discriminação desrazoável ou desproporcionada» (cf. Doc. 3, p. 25).

A Caixa Geral de Aposentações (CGA contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

1.ª O dever de os serviços e organismos não inseridos na Administração Central contribuírem para a Caixa foi criado - e foi sendo generalizado - com base no critério da capacidade daqueles para serem titulares das relações jurídicas de emprego que estão na base da inscrição do seu pessoal na CGA.

2.ª Para além dos serviços e organismos não inseridos na Administração Central (dotados de autonomia administrativa e financeira), encontram-se sujeitos às novas regras que disciplinam a contribuição para a CGA as entidades empregadoras que tenham natureza privada. É, por exemplo, o caso dos estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo que se encontram abrangidos pelo mesmíssimo dispositivo (e pelos que o antecederam, a saber: o n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, e o n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro).

3.ª É, assim, irrelevante a natureza, pública ou privada, da entidade empregadora para efeitos do artigo 6.º-A do EA.

4.ª A preocupação do legislador com as medidas mais recentes, designadamente com as atualmente previstas no artigo 6.º-A do EA, é, manifestamente, generalizar a obrigação de contribuir para a CGA a todos os empregadores, em consonância, de resto, com o princípio da convergência de regimes, fazendo-os participar de um encargo que até agora era assumido em exclusivo pelo Estado, através do mecanismo de equilíbrio do artigo 139.º do EA, e visa responsabilizar financeiramente (ainda que apenas parcialmente, dado que o custo efetivo de cada pensionista supera, em muito, a contribuição das entidades empregadoras) cada entidade pelos custos reais com o seu pessoal, que ultrapassam, em muito, o simples pagamento das remunerações.

5.ª Neste caso, está em causa unicamente a pensão de sobrevivência, que corresponde a cerca de metade da pensão de aposentação.

6.ª Como bem se referiu no Acórdão recorrido, proferido pelo TCA Sul em 2015-09-10, se é certo que a Recorrente "...suporta os encargos com as pensões de...

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