Acórdão n.º 138/2016

Data de publicação22 Junho 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 138/2016

Processo n.º 651/15

Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional da Decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de 2 de junho de 2015, que recusou a aplicação do artigo 113.º, n.º 1, alínea ll), e n.º 6, da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, (na redação resultante do Decreto-Lei n.º 176/2007, de 8 de maio, posteriormente modificada, doravante, "LCE"), em conjugação com o artigo 54.º, n.º 5, daquela mesma lei (na redação originária) e com o artigo 26.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, do Regulamento da Portabilidade (doravante, "RP"), na redação alterada pelo Regulamento do ICP - ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações n.º 114/2012, de 13 de março, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (doravante, "CRP") (fls. 2786, 2787 e 2792).

2 - Notificado para alegar, o representante do Ministério Público neste Tribunal apresentou alegações, das quais, por não apresentarem conclusões formais, se transcrevem as partes que corporizam, segundo aquele representante, o essencial da sua argumentação:

«[...]

24.º

Deste modo, a ARN exerce um conjunto polifacetado de atribuições, prosseguindo objetivos diversos, mas complementares, como os de promover (e preservar) a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, de recursos e de serviços conexos, contribuir para o mercado interno da União Europeia e defender os interesses dos cidadãos.

Para o efeito, cabe-lhe assegurar que os utilizadores colham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade, bem como lhe cabe evitar distorções ou entraves à concorrência, eliminando os obstáculos existentes à oferta de redes de comunicações eletrónicas, de recursos e serviços conexos e de serviços de comunicações eletrónicas a nível europeu.

E, neste âmbito, age em concertação com entidades supranacionais (a Comissão Europeia) e entidades congéneres (autoridades reguladoras nacionais das comunicações dos Estados Membros da União Europeia), «com o objetivo de garantir o desenvolvimento de uma prática reguladora e uma aplicação coerente do quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas».

Não age, pois, sozinha, cabendo-lhe executar políticas similares às de outros países europeus, tendo em vista garantir um mercado interno das comunicações que se apresente transparente, eficaz e sem distorções, designadamente em matéria de tarifas ou do estabelecimento de sanções às empresas que nele operam.

Por outras palavras, se a ARN entender começar a ter comportamentos de regulação que saiam fora dos parâmetros de autoridades congéneres de outros países, é o mercado interno que se vai ressentir, com as naturais consequências em termos de diferentes condições de utilização dos diferentes serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, designadamente nacional.

Daí que o enfoque sugerido pelo digno magistrado judicial recorrido, embora denotando espírito analítico do ponto de vista estritamente argumentativo, se arrisca a conduzir a particularismos, em matéria de sancionamento, de consequências negativas para os utilizadores nacionais.

Designadamente por poder falsear a concorrência entre as empresas que integram o setor, criando condições de funcionamento (e de sancionamento) diferentes para as que cumprem, em relação àquelas que não cumprem as regras estabelecidas pelas autoridades nacionais de regulação.

25.º

Importa não esquecer que estamos, nos presentes autos, no âmbito do chamado Direito da Mera Ordenação Social, ou do Direito das Contraordenações, concebido como um instrumento de intervenção administrativa de natureza sancionatória, no sentido de garantir maior eficácia à ação administrativa.

O Direito das Contraordenações surge como um novo ramo de direito sancionatório, autónomo do Direito Penal, mas que com ele mantém profundas ligações.

Tanto assim, que o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO), que define o regime geral do Direito de Mera Ordenação Social, no seu artigo 32.º, define o Direito Penal como direito subsidiário e, por força do seu artigo 41.º, no que ao regime processual se refere, determina que o Código de Processo Penal seja tido como direito subsidiário.

No entanto, a aplicação do processo criminal, enquanto direito subsidiário, tem como limite a salvaguarda do próprio regime do processo de contraordenação, como resulta da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO.

Pelo que, não obstante a aproximação existente, não se pode confundir o processo criminal com o procedimento contraordenacional, até pela natureza distinta de cada um desses ordenamentos e das respetivas sanções, que constituem medidas sancionatórias de caráter não penal.

A autonomia do tipo de sanção, previsto para as contraordenações, repercute-se a nível adjetivo, não se justificando que sejam inteiramente aplicáveis, ao processo contraordenacional, os princípios que orientam o direito processual penal.

A diferente natureza dos processos impõe, ainda, que a invocação das garantias de processo criminal, em sede de procedimento contraordenacional, deva ser precedida de especiais cautelas.

26.º

Assim, relativamente às garantias de defesa, os princípios do direito criminal não se aplicam ao processo contraordenacional de forma cega, mas com cautelas, variando o grau de vinculação, a esses princípios, consoante a natureza do processo.

Tais cautelas, no que respeita à invocação das garantias de processo criminal em sede de procedimento contraordenacional, conduziram, mesmo, à redação do n.º 8 do artigo 32.º da CRP, introduzido pela Revisão Constitucional de 1989, e que atualmente está consagrada no n.º 10 do mesmo artigo 32.º, o qual dispõe que "nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa".

Desta forma, o legislador constitucional pretendeu apenas assegurar, no âmbito do processo contraordenacional, os direitos de audiência e de defesa do arguido, isto é, que o arguido não possa sofrer qualquer sanção contraordenacional sem que seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas.

O que aconteceu, aliás, nos presentes autos, quer no âmbito do procedimento administrativo, quer posteriormente, em sede de impugnação judicial.

27.º

O digno magistrado judicial recorrido, algo temerariamente, julga ter intuído, da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, uma justificação adequada para a sua tese, relativamente à portabilidade de números telefónicos (cf. artigo 54.º da Lei 5/2004, anteriormente referido), muito embora, como se viu, o n.º 5 desta disposição expressamente determine, sem margem para dúvidas, que «compete à ARN, após o procedimento geral de consulta previsto no artigo 8.º, determinar as regras necessárias à execução da portabilidade».

Duvida-se, porém, que a jurisprudência constitucional seja arrimo seguro para a sua peregrina posição, uma vez que a atuação da Autoridade Nacional de Regulação é, em tal jurisprudência, vista de um ponto de vista integrado e único, designadamente em matéria sancionatória.

[...]

37.º

Ora, julga-se que, quer a fundamentação do Acórdão 78/13, quer a fundamentação do Acórdão 612/14, acabados de referir, respondem, suficientemente, contrariando-as, às preocupações do digno magistrado judicial recorrido, preocupações, essas, que o levaram a desaplicar as normas em apreciação no presente recurso.

38.º

Importa não esquecer, no domínio em apreciação, aquilo que a Autoridade Nacional de Regulação já havia suficientemente destacado, na sua Deliberação de 30 de dezembro de 2014, a que atrás se fez referência (cf. supra n.º 5 das presentes alegações):

"O regime das compensações foi introduzido no Regulamento da Portabilidade pelo Regulamento n.º 87/2009, de 18 de fevereiro, que teve origem num projeto de alteração ao Regulamento da Portabilidade submetido ao procedimento regulamentar previsto no artigo 11.º dos Estatutos do ICP - ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro, bem como no n.º 5 do artigo 54.º e no n.º 1 do artigo 125.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, e ao procedimento geral de consulta consignado no artigo 8.º deste no âmbito do mesmo.

E, nomeadamente, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, que compete à ARN desempenhar as funções de regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento previstas na presente lei, nos termos das suas atribuições, e a alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma legal que é objetivo de regulação das comunicações eletrónicas a prosseguir pela ARN promover a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, de recursos e serviços conexos.

Na nota justificativa daquele projeto, explicava-se que, com as alterações preconizadas, se pretendia sublinhar a responsabilidade do PR em todo o processo de portabilidade, definindo-se regras de eficiência entre os prestadores e assim se definindo compensações monetárias entre estes, tendo em conta nomeadamente as receitas típicas dos prestadores do serviço de telefone em local fixo e os valores das compensações já estabelecidas noutras áreas, como a OLL e a pré-seleção, bem como promover a autorregulação e incentivar a concorrência.

E, como se explica no esclarecimento sobre o regime de compensações que foi publicado por esta Autoridade em 2010.04.16, esse regime "visou estabelecer um regime de incentivos ao cumprimento das obrigações dos prestadores que evite a ocorrência e o prolongamento de situações de incumprimento, devido ao facto de a punição do incumprimento em processo de contraordenação se revestir necessariamente de alguma morosidade", visando, simultaneamente, "a proteção da concorrência, designadamente procurando obstar a que os operadores se defraudem...

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