Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018

Data de publicação14 Novembro 2018
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018

Processo n.º 215/15.7T8ACB.C1-A. S1

Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - No âmbito do processo n.º 215/15.7T8ACB.C1-A, e após prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.01.2017, a arguida Plásticos Injecção Molding, Lda. (pessoa coletiva n.º 500 678 626, melhor identificada nos autos), veio interpor o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos arts. 437.º, n.º 2 e 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante CPP), com fundamento em oposição entre o acórdão referido e o acórdão de 18.04.2012, do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, e prolatado no âmbito do processo n.º 430/11.2TBMLD.C1.

Em síntese, alega que os acórdãos em confronto estão em oposição sobre a mesma questão de direito relativa à possibilidade (ou não) de aplicação de admoestação [nos termos do art. 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10 (e alterações posteriores: Decreto-Lei n.º 356/89, de 17.10, Decreto-Lei n.º 244/95, de 14.09, Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17.12 e Lei n.º 109/2001, de 24.12 - Regime Geral das Contraordenações, doravante RGCO)], às contraordenações ambientais graves, previstas no art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04 [Regime da prevenção e controlo das emissões poluentes para a atmosfera; este diploma sofreu alterações pelo Decreto-Lei n.º 126/2006, de 03.07, tendo sido recentemente revogado pelo Decreto-Lei n.º 39/2018, de 11.06: cf. art. 43.º, al. a)].

2 - Em conferência, por acórdão de 17.05.2017, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar a necessária oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação.

3 - Após o cumprimento do disposto no art. 442.º, n.º 1, do CPP, o recorrente e o Ministério Público apresentaram as alegações.

3.1 - O recorrente concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

«1.º Nos presentes autos o Tribunal de 1.ª Instância julgou improcedente as impugnações judiciais instauradas pela aqui Recorrente, a primeira impugnação da decisão administrativa proferida pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território que indeferiu o requerimento de redução da coima e a segunda impugnação interposta da decisão administrativa proferida pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) que condenou a mesma numa coima de 3.000,00(euro) e custas no valor de 100,00(euro) e em consequência manteve a decisão proferida IGAMAOT no âmbito da qual aplicou à Recorrente uma coima no valor de 3.000,00(euro), pela prática da contraordenação de violação da obrigação de autocontrolo prevista nos artigos 18.º e alínea d) do n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 126/2006 de 3 de Julho conjugado com a Portaria n.º 80/006 de 23.01.2006 e a condenou também em custas no valor de 100,00(euro).

2.º A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da supra referida sentença, entre outros motivos, pelo facto de não ter sido aplicada a pena de mera admoestação à Recorrente.

3.º Na sequência desse recurso foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra que transitou em julgado em 26.01.2017 e no qual foi sufragado o entendimento de não ser aplicável ao caso concreto dos presentes autos a sanção de mera admoestação.

4.º O Acórdão Recorrido está em clara oposição, porque foi proferido em último lugar, no domínio da mesma legislação, e relativamente à mesma questão de direito assenta em solução oposta, com o Acórdão Fundamento proferido em 18.04.2012 pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 430/11.2TBAILD.C.

5.º O Acórdão Recorrido sufraga o entendimento que a pena de admoestação não é aplicável às contra-ordenações legalmente classificadas como graves.

6.º O Acórdão Fundamente do presente Recurso de Fixação de Jurisprudência sustenta que aquela classificação não obstaculiza tal opção, mostrando-se apenas necessário que a culpa do agente seja reduzida e que em concreto a gravidade da infracção seja reduzida.

7.º As infracções porque ambas as Recorrentes foram condenadas no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento radicam ambas em ilícitos de natureza contra-ordenacional de incidência ambiental e são ambas classificadas na legislação como contra-ordenações graves;

8.º O Acórdão Fundamento considerou que existe uma situação de reduzida gravidade quando: nos autos ficou demonstrada a conduta negligente; não ficou demonstrado qualquer dano efectivo para o ambiente; não foi contabilizado qualquer benefício económico para a Recorrente e a empresa não possui qualquer contraordenação anterior.

9.º No Acórdão Recorrido foram dados como assentes os mesmos factos que foram determinantes para aplicação da sanção de mera admoestação no Acórdão Fundamento, nomeadamente foi dado como provado que a Recorrente agiu com negligência; a situação já tinha sido regularizada quando foi proferida a decisão administrativa; de acordo com os ulteriores Relatórios de Caracterizações de Efluentes Gasosos as medições estavam todas dentro dos parâmetros legais; não foi quantificado qualquer benefício económico por parte da Recorrente e a Recorrente não foi condenada por qualquer outra contra-ordenação.

10.º Por outro lado, as medições que foram realizadas pela Recorrente estavam dentro dos parâmetros legais, logo, ainda que com o atraso na realização do autocontrolo, a verdade é que o Relatório de Caracterizações de Efluentes Gasosos demonstrou que as medições estavam dentro dos parâmetros legais, o que permite concluir que apesar da sua conduta negligente a Recorrente não causou qualquer dano efectivo ao ambiente:

11.º O entendimento que veio a ser plasmado no Acórdão ora Recorrido foi contrário ao entendimento sufragado no Acórdão Fundamento, ou seja, foi o de considerar não ser aplicável às contra-ordenações ambientais graves a pena de mera admoestação.

12.º No entender da Recorrente, estão pois verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do Recurso de Fixação de Jurisprudência: a existência de dois acórdãos que respeitem à mesma questão de direito: a aplicação da pena de admoestação prevista no n.º 1 do artigo 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações às contra-ordenações ambientais classificadas como contra-ordenações graves; no domínio da mesma legislação; identidade das situações de facto no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento e existência de soluções opostas no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento.

13.º Razão pela qual, impõe-se nos presentes autos a resolução de oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito: a interpretação/aplicação do artigo 51.º n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, para as contra-ordenações classificadas legalmente como contra-ordenações graves, nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, ou seja, saber se é admissível a aplicação de uma pena de admoestação pela prática de uma contra-ordenação classificada como grave, através da fixação de jurisprudência.

14.º No entender da Recorrente, o artigo 51.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações conjugado com o artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004 deve ser interpretado no sentido de ser admissível a aplicação de uma pena de admoestação pela prática de uma contra-ordenação classificada como contra-ordenação grave.

15.º Dispõe o artigo 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações que: "quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação."

16.º Ou seja, para efeitos da aplicação da sanção de admoestação há que atender à culpa do agente e não à classificação que é feita quanto ao tipo de gravidade da contra-ordenação imputada.

17.º O artigo 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações não prevê que a pena de admoestação não possa ser aplicável às contra-ordenações classificadas como graves.

18.º O n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil estipula que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

19.º Pelo que, se o legislador tivesse pretendido que a pena de admoestação não fosse aplicável às contra-ordenações classificadas como graves tinha consagrado tal facto expressamente no artigo 51.º n.º 1º do Regime Geral das Contra-Ordenações, todavia neste caso em concreto o mesmo não o fez!

20.º Na aferição da gravidade da infracção e da culpa do agente o Tribunal para efeitos da aplicação da pena de mera admoestação prevista no artigo 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, tem que atender se houve ou não benefício económico; se existiu ou não dolo, e qual a conduta do agente anterior e posterior à pratica da contra-ordenação.

21.º Nos casos em que a conduta do agente é negligente a culpa é reduzida.

22.º No entender da Recorrente, nos casos em que não existiu qualquer benefício económico; em que o agente regularizou a situação; em que a conduta foi considerada negligente e em que o agente é primário, deve ser considerado que a culpa do agente é diminuta e que por isso lhe pode ser aplicada a pena de admoestação conforme aliás foi também o entendimento sufragado no Acórdão Fundamento do presente recurso.

23.º A não aplicação da pena de admoestação à Recorrente configura uma violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

24.º Por um lado, porque permite que em duas situações idênticas sejam aplicadas penas diferentes: no Acórdão Fundamento é aplicada a pena de admoestação e no Acórdão Recorrido é aplicado uma pena mais gravosa, uma coima.

25.º Por outro lado, aplica o mesmo tipo de pena em casos de dolo e negligência, ou seja, na fixação da pena não tem em conta o grau de...

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