Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 89/2012, de 09 de Março de 2012

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 89/2012 Processo n.º 652 11 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional I — Relatório 1 — Requerente e objeto do pedido.

O Provedor de Justiça apresentou ao Tribunal Cons- titucional, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea

d), da Constituição da República Portuguesa, um pedido de apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos n. os 3 e 4 do artigo 24.º, 2.ª parte do n.º 2 do artigo 36.º e 2.ª parte do n.º 5 do artigo 42.º, todos do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regu- lamento n.º 52 -A/2005, de 1 de agosto), na redação que lhes foi conferida pela deliberação n.º 3333 -A/2009, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 242, de 16 de dezembro de 2009. O teor das normas impugnadas é o seguinte: Artigo 24.º Testes de repetição 1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 — A fase de formação inicial só pode ser repetida uma vez. 4 — O advogado estagiário que não passe à fase com- plementar, na sequência da repetição da fase de formação inicial, ficará impedido de se reinscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos.

Artigo 36.º Repetição da fase de formação complementar 1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 — A fase de formação complementar apenas pode ser repetida uma vez e, no caso de se verificar a falta de apro- veitamento depois desta repetição, o advogado estagiário fica impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos, cancelando -se de imediato a sua inscrição. 3 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Artigo 42.º Efeitos da classificação negativa na prova oral 1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 — Verificando -se nova reprovação é cancelada a inscrição, ficando o advogado estagiário impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos. 2 — Fundamentos do Pedido.

O Provedor de Justiça fundamentou o seu pedido de declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nos seguintes termos: 1 — As normas em causa foram aditadas ao Regula- mento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, publicado como Regulamento n.º 52 -A/2005, de 1 de agosto, pelo artigo 2.º da Deliberação n.º 3333 -A/2009, de 16 de dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados. 2 — O estágio para acesso à profissão de advogado, nos termos atuais do Regulamento, compreende uma fase de formação inicial e uma fase de formação complementar (artigo 2.º, n.º 1). 3 — A avaliação da primeira, permitindo o acesso à segunda, é feita através de uma prova de aferição (artigo 22.º). 4 — A avaliação da fase de formação complementar é essencialmente efetuada por um exame (artigo 33.º), composto por uma prova escrita (artigo 34.º) e por uma prova oral (artigo 39.º). 5 — O artigo 24.º, n.º 1, do Regulamento, determina que, em caso de falta reiterada à prova de aferição ou de obtenção de classificação negativa nesta, o advogado esta- giário fica obrigado a nova inscrição em curso de estágio, o primeiro que se iniciar após tal ato, como preceitua o n.º 2 do mesmo artigo. 6 — O n.º 3 do artigo 24.º estabelece que «a fase de formação inicial só pode ser repetida uma vez», o que, sem mais e conjugadamente com a obrigação de reinscrição, só permitiria, em si mesmo, a interpretação de que tal reinscri- ção apenas poderia ocorrer uma vez, tornando -se definitiva a exclusão do acesso ao estágio (e consequentemente à profissão de advogado) em caso de dupla situação de não aproveitamento na prova de aferição (por falta reiterada ou por classificação negativa). 7 — Esta conclusão, embora limitada no tempo, é con- firmada pelo teor do n.º 4 do mesmo artigo, ao estipular que, após a referida repetição da fase de formação inicial e se não obtiver classificação que permitisse a prosse- cução do estágio, fica impedido o cidadão em causa de «se reinscrever em curso de estágio (e portanto de aceder à profissão) pelo período de três anos». 8 — O artigo 36.º do Regulamento incide, por sua vez, sobre o tratamento a dar ao advogado estagiário que não obtenha classificação positiva na prova escrita que ocorre no final da fase de formação complementar, vinculando -o, no seu n.º 1, à repetição desta fase. 9 — Admitindo a parte inicial do n.º 2 do mesmo artigo 36.º a repetição da fase de formação complementar por uma só vez (mas aqui sem alcance idêntico à deter- minação do artigo 24.º, n.º 3), a parte final deste número estabelece, em caso de falta de aproveitamento, proibição similar à acima referenciada, «impedindo o cidadão de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos». 10 — Por fim, o artigo 42.º rege sobre as situações de falta de aproveitamento na prova oral a que se refere o artigo 39.º, possibilitando a sua repetição (n.º 1) e, em caso de não aprovação, a repetição, por uma só vez, em condições similares ao previsto no artigo 36.º, da fase de formação complementar. 11 — No final desta nova fase de formação comple- mentar e em caso de reprovação na respetiva prova oral (e sua eventual reiteração), determina o artigo 42.º, n.º 5, uma vez mais, que fica o «advogado estagiário impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos». 12 — O banimento da possibilidade de frequência de novo estágio, mesmo que por apenas três anos, é uma medida absolutamente inovatória face ao quadro legal referente à inscrição na Ordem dos Advogados e, conco- mitantemente, no acesso à profissão de advogado. 13 — Substantivamente, não se distinguem os efeitos desta solução da aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão, esta tendo os seus trâmites, orgânicos, formais e materiais, devidamente acautelados na lei. 14 — Não pode igualmente duvidar -se que a aplicação de qualquer das normas impugnadas restringe a liberdade de escolha da profissão, prevista no artigo 47.º, da Cons- tituição, posto que pelo período de três anos. 15 — O artigo 187.º do Estatuto da Ordem dos Advo- gados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 5 de janeiro, determina que «podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cur- sos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados». 16 — Por outro lado, o Estatuto elenca, no respetivo artigo 181.º, alíneas

  1. a

    e), as restrições ao direito de inscrição passíveis de serem aplicadas e regulamentadas pela Ordem, designadamente não podendo ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão, os que não estejam no pleno gozo dos direi- tos civis, os declarados incapazes de administrar as suas pessoas e bens por sentença transitada em julgado, os que estejam em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia, bem como magistrados e fun- cionários que, mediante processo disciplinar, hajam sido demitidos, aposentados ou colocados na inatividade por falta de idoneidade moral. 17 — Não há nas normas legais, designadamente nas estatutárias citadas que enquadram a inscrição na Ordem dos Advogados, qualquer disposição que limite, ainda que apenas temporariamente, o direito de quem, preenchendo os requisitos ali mencionados, pretenda aceder à profissão de advogado, através do cumprimento do respetivo estágio. 18 — Mesmo que o pudesse fazer, nada nas normas legais pertinentes apoia a introdução, e por via regula- mentar, de solução como a que, para cada caso, consta das normas que aqui se impugnam, sendo tal solução inovatória face às referidas normas legais. 19 — O artigo 188.º, n.º 6, do Estatuto apenas con- fere competência ao Conselho Geral para regulamentar «o modelo concreto de formação inicial e complementar durante o estágio, estrutura orgânica dos serviços de for- mação e respetivas competências, sistema de avaliação contínua, regime de acolhimento e integração no modelo de estágio de formação externa facultada por outras ins- tituições e a organização e realização dos exames finais de avaliação e agregação», não se podendo aqui incluir, ainda que tal fosse legítimo, a previsão de um período de inadmissibilidade do ingresso em estágio e, consequente- mente, do acesso à profissão. 20 — A ordem pode recusar o pedido de inscrição de um candidato apenas com base no conjunto de razões expressamente enunciadas na lei, não lhe sendo lícito adi- tar novos fundamentos, assim estabelecendo restrições à liberdade de profissão. 21 — Posto que com limitação no tempo, a recusa de inscrição, com base na não aprovação, nas condições determinadas, em curso de estágio anterior, não consta, como resulta acima dito, desse elenco normativamente estabelecido por ato do Governo devidamente dotado de credencial parlamentar para o efeito. 22 — Deste modo, as normas impugnadas surgem como inovatórias, adicionalmente restritivas do acesso à formação (na Ordem dos Advogados), logo de acesso ao exercício da profissão (de advogado), estando, como se sabe, este dependente daquele. 23 — Estas normas foram aprovadas por via de regula- mento, em violação da reserva de lei formal imposta pelo artigo 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição. 24 — A impossibilidade de inscrição em novo estágio pelo período de três anos limita, durante esse período, a liberdade de escolha de cada cidadão nas condições pre- vistas, eliminando a possibilidade de opção pelo acesso à profissão de advogado. 25 — Assim sendo, estamos perante uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de...

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