Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2011, de 27 de Janeiro de 2011

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 2/2011

Processo n. 287/99

Tribunal da Relaçáo de Évora.

Relato n. 327.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relaçáo de Évora veio interpor recurso obrigatório para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 446., n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, formulando as seguintes conclusóes:

1 - Vem o presente recurso obrigatoriamente interposto da decisáo sumária proferida nos autos supramencionados, na qual se rejeitou o recurso da decisáo proferida na

  1. instância a fl. 52, com o fundamento em que, tendo tal despacho acolhido a pretensáo do magistrado do MP na promoçáo que o antecedeu, por isso careceria este de legitimidade para dele recorrer por força do princípio da lealdade processual.

    2 - Argumentando -se que o princípio da lealdade processual se impóe aos sujeitos e participantes processuais e, por força deste princípio, náo pode recorrer quem tiver promovido a decisáo proferida e, designadamente, aquele que impugna decisáo concordante com a sua anterior posiçáo assumida no processo e aquele que impugna decisáo condenatória em pena ou medida de coacçáo menos grave do que aquela que requereu e que a ilegitimidade do Ministério Público para recorrer de decisóes concordantes com posiçóes anteriores assumidas é imposta pelo princípio de lealdade processual, ínsito ao Estado de direito

    e à legalidade democrática que compete ao Ministério Público defender.

    3 - Sucede, porém, que a referida decisáo foi proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal da Justiça no Acórdáo n. 5/94, do respectivo Pleno, de 27 de Outubro, publicado no n. 289, de 16 de Dezembro de 1994, que fixou a seguinte jurisprudência:

    Em face das disposiçóes conjugadas dos artigos 48. a 52. e 401., n. 1, alínea a), do Código de Processo Penal e atentas a origem, natureza e estrutura, bem como o enquadramento constitucional e legal do Ministério Público, tem este legitimidade e interesse para recorrer de quaisquer decisóes mesmo que lhe sejam favoráveis e assim concordantes com a sua posiçáo anteriormente assumida no processo.

    4 - Como se pode constatar da análise da respectiva fundamentaçáo e conclusóes, toda a argumentaçáo em que assenta a decisáo sumária sob recurso foi objecto de apreciaçáo pelo acórdáo que veio a fixar jurisprudência em sentido inverso.

    5 - Náo se detectando, na decisáo sob recurso, sombra de qualquer outro argumento susceptível de fundamentar a divergência do Sr. Juiz recorrido quanto a tal fundamentaçáo e conclusóes, que se limita a afirmá -la.

    6 - Ora, se é certo que a decisáo que resolver o conflito náo constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, náo menos verdade é que estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisáo (artigo 445., n. 3, do CPP).

    7 - A decisáo sumária sob recurso violou, assim, o disposto no artigo 445., n. 3, do CPP.

    8 - Sendo certo que tais fundamentaçáo e conclusóes (do acórdáo para fixaçáo de jurisprudência) mantêm a sua total validade, náo se vislumbrando qualquer argumentaçáo nova que as possam pôr em crise.

    Nesta instância o Ex.mo Sr. Procurador -Geral -Adjunto emitiu parecer referindo que:

    A - 1 - Em 14 de Janeiro de 2010, veio o Ministério Público, nos termos do artigo 446., n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário da decisáo sumária de 12 de Novembro de 2009, proferida no processo acima identificado, alegando, em síntese, que aquela decisáo contrariou a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdáo n. 5/94, de 27 de Outubro, in Diário da República, 1.ª série -A, n. 289, de 16 de Dezembro de 1994, que estabeleceu:

    Em face das disposiçóes conjugadas dos artigos 48. a 52. e 401., n. 1, alínea a), do Código de Processo Penal e atentas a origem, a natureza e a estrutura, bem como o enquadramento constitucional e legal do Minis-tério Público, tem legitimidade e interesse para recorrer de quaisquer decisóes mesmo que lhe sejam favoráveis e assim concordantes com a sua posiçáo anteriormente assumida no processo.

    2 - Segundo a certidáo de fl. 18, a decisáo sumária foi notificada ao Ministério Público, por termo nos autos, em 18 de Novembro, e aos mandatários dos sujeitos processuais, por via postal expedida em 18 de Novembro de 2009.Presumindo -se notificada em 23 de Novembro (3. dia útil seguinte ao da expediçáo), transitou decorridos 10 dias, ou seja, em 18 de Janeiro de 2010.

    Tendo sido interposto em 14 de Janeiro de 2010, inscreve-se no prazo fixado no artigo 446., n. 1, do Código de Processo Penal, sendo, por isso, tempestivo.

    3 - Da oposiçáo:

    Decidiu a decisáo sumária em causa, com fundamento no entendimento perfilhado por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª ed., pp. 1021 a 1023, e sem qualquer referência ao Acórdáo do Plenário das Secçóes Criminais do STJ n. 5/94, rejeitar o recurso do Ministério Público por entender resultar «[...] patente carecer o Ministério Público de legitimidade para o presente recurso, no qual, ao fim e ao cabo, intenta colocar em crise decisáo inteiramente concordante com a posiçáo que anteriormente assumiu».

    Na verdade, considerando que a primeva promoçáo do Ministério (a de 16 de Outubro de 2008) fora no sentido de perdimento a favor do Estado, e respectiva destruiçáo, da tesoura apreendida, e que a decisáo que sobre ela recaiu (de 16 de Novembro), com fundamento no artigo 14. do Decreto n. 12 487, foi a de decretar o perdimento a favor do Estado, designando data para a sua destruiçáo, entendeu que o Ministério Público carecia de legitimidade para recorrer da decisáo, posto que independentemente dos fundamentos por cada um perfilhados... a promoçáo do MP visava exactamente aquilo que veio a ser decidido no despacho judicial.

    Ora, como salienta o Ex.mo recorrente, a argumentaçáo expendida no despacho recorrido foi objecto de análise detalhada no Acórdáo do Pleno n. 5/94 (quer no que respeita à violaçáo do princípio de lealdade processual quer quanto à eventual falta de legitimidade para recorrer nestas situaçóes), nada se aditando relativamente ao que dela consta, que, táo -pouco, é mencionada (quer a fundamentaçáo quer o próprio acórdáo).

    Este entendimento contraria claramente a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no referido Acórdáo n. 5/94, de 27 de Outubro.

    4 - Consequentemente, ocorrendo oposiçáo de julgados, traduzida, no caso, na náo aplicaçáo da jurisprudência fixada, deverá ser ordenado o prosseguimento do recurso.

    5 - Reconhecida a oposiçáo, o Supremo Tribunal de Justiça pode limitar -se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada (artigo 446., n. 3 do Código de Processo Penal).

    Náo se vislumbrando qualquer razáo para reexame, deverá ser aplicada a...

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