Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2013, de 29 de Janeiro de 2013

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2013 Acórdão do STA de 09-01-2013, no Processo nº 771/12 Processo nº 771/12 – 1ª Secção Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. NOVARTIS AG, e NOVARTIS FARMA-Produtos Farmacêuticos, Lda, vieram interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tri- bunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 22.3.2012, que, concedendo provimento a recurso de decisão do TAF de Sintra, julgou improcedente acção administrativa espe- cial em que as ora recorrentes pediram (i) a declaração de nulidade dos actos, de 10.10.2007, de 16.10.2007 e de 25.10.2007, pelos quais o INFARMED-Autoridade do Medicamento e Produtos de Saúde, EP (INFARMED) con- cedeu às contra-interessadas GENERIS FARMCÊUTICA, SA (GENERIS) e TOLIFE-Produtos Farmacêuticos, SA (TOLIFE) autorização de introdução no mercado (AIM), relativamente a medicamentos genéricos com o princípio activo VALSARTAN e (ii) a condenação da Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE), na pessoa do Ministério da Economia e Inovação (MEI), a abster-se de fixar àquelas contra-interessadas o preço de venda ao público (PVP) de tais medicamentos.

As recorrentes apresentaram alegação, na qual formu- laram as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do Código de Processo nos Tribu- nais Administrativos. 2. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem que conduzir à con- clusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas neces- sárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros. 3. O presente recurso jurisdicional diz respeito a ques- tões de relevância jurídica e social fundamental, que re- vestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional. 4. Face ao corpo factual que resulta provado pelas ins- tâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito. 5. Os direitos de propriedade industrial são direitos fun- damentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de proteção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias. 6. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme pacificamente reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, também, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18º. 7. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indireta ou reflexa, decor- rente da proteção direta que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.º da Constituição. 8. Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, doutro modo, esta- ria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade. 9. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direi- tos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar for- mas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva. 10. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vin- culação aos princípios da legalidade e da imparcialidade. 11. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua atuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa. 12. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adoção do seu comportamento. 13. Assim, e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade úl- tima e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de di- reitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal atividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua atividade. 14. Como defende o Professor Vieira de Andrade, as Re- correntes englobam a categoria de “interessados” prevista no artigo 100.º, uma vez que os seus direitos e interesses legalmente protegidos serão, como vimos, lesados com os atos a praticar. 15. Nestes termos, e tendo em conta os direitos das ora Recorrentes, o INFARMED deveria ter-lhes dado a oportunidade para se pronunciarem cm sede de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 100.º do CPA, de modo a poder apresentar a sua posição sobre a esperada violação dos seus DPI, sendo claro que os atos de AIM em causa lesariam os DPI das Recorrentes, pelas razões acima descritas. 16. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação. 17. A nova norma do artigo 23.º-A do Estatuto do Me- dicamento apenas tem a ver com os pressupostos de facto dos atos de emissão de AIMs, relativos à saúde pública e não já com a teleologia dessas mesmas AIM, que é o que releva para a decisão desta causa, tal como se en- contra formulada pelas ora Recorrentes, não impedindo a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta. 18. As normas dos artigos 25.º, n.º 2 e 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.º 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a simples existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.º e 135.º do CPA, nem como um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos atos praticados pelo INFARMED tendentes à violação desses direitos, à luz destas disposições. 19. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros. 20. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição abso- luta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconsti- tucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma proteção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Pública, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo Sul. 21. As considerações cima expostas acomodam-se mu- tatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 62/2011, ao pedido de suspensão do ato de aprovação de PVP pela DGAE. 22. As disposições constantes do artigo 19.º. n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na re- dação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insuscetíveis de obstarem à procedência da presente ação, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos atos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade indus- trial das Recorrentes. 23. Se, porém, as disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23º-A. n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º. n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento (na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011), bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/ DGAE apreciem, no contexto daqueles atos administrati- vos, a eventual violação direitos de propriedade industrial por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respetivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições serão materialmente in- constitucionais, por desconsideração de direitos liberdades e garantias, desde logo por violação dos 17.º, 18.º, 42.º, 62.º, n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portu- guesa, consagradores dos direitos/liberdade fundamentais de criação cultural e de propriedade privada, concebidos como alicerces constitucionais dos direitos fundamentais de propriedade industrial e por falta de uma proteção mí- nima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, com violação nomeadamente do artigo 18.º da Constituição. 24. Deverá, assim, este Venerando o Tribunal ad quem recusar a aplicação dessas normas, com um tal entendi- mento, com fundamento na sua...

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