Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2011, de 11 de Fevereiro de 2011

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2011

Processo n. 401/07.3tbsr -a.c1 -A.S1 Fixaçáo de jurisprudência

Acordam no pleno das secçóes criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Distripombal, Supermercados, S. A., interpôs, em 3 de Março de 2010, recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência, ao abrigo do artigo 437. do Código de Processo Penal, do Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Coimbra proferido no processo n. 401/07.3TBSRE -A.C1, 5.ª Secçáo, em 13 de Janeiro de 2010, por, em seu entender, se encontrar em oposiçáo com o Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa proferido no processo n. 9952/08, 9.ª Secçáo, em 1 de Outubro de 2009.

2 - Realizada a conferência a que se refere o artigo 441. do Código de Processo Penal, por Acórdáo proferido em 1 de Julho de 2010, foi decidido verificarem-se todos os pressupostos de admissibilidade do recurso, nomeadamente a oposiçáo de julgados sobre a mesma questáo de direito.

Com efeito, na aplicaçáo da norma da alínea c) do n. 1 do artigo 27. -A do Decreto -Lei n. 433/82, de 27 de Outubro, na redacçáo introduzida pela Lei n. 109/2001, de 24 de Dezembro, segundo a qual a prescriçáo do procedimento por contra -ordenaçáo se suspende durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificaçáo do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisáo da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisáo final do recurso (sem que a suspensáo possa ultrapassar seis meses, segundo o n. 2 do mesmo artigo), a situaçóes de facto idênticas, os acórdáos recorrido e fundamento, ambos de tribunais de relaçáo, revelam decisóes expressas e antagónicas sobre a mesma questáo de direito.

Qual seja, em síntese, a de saber se esse prazo de suspensáo, no máximo de seis meses, se conta até à data da prolaçáo da decisáo, em 1.ª instância, do recurso de impugnaçáo judicial da autoridade administrativa ou, antes, até à data da última decisáo jurisdicional que póe fim ao processo contra -ordenacional.

3 - Foram os sujeitos processuais notificados para alegar, nos termos e para os efeitos do n. 1 do artigo 442. do Código de Processo Penal.

4 - Alegaram a recorrente e o Ministério Público.

4.1 - A recorrente Distripombal, Supermercados, S. A., concluiu, como segue, as suas alegaçóes:

1.ª Está em causa, no presente, a interpretaçáo e aplicaçáo da norma contida na alínea c) do n. 1 do artigo 27. -A do Decreto -Lei n. 433/82, de 27 de Outubro, na redacçáo introduzida pela Lei n. 109/2001, de 24 de Dezembro.

2.ª Os acórdáos recorrido e fundamento assentam em soluçóes opostas para a mesma questáo de direito, qual seja a de saber se o prazo de suspensáo (no máximo de seis meses - cf. artigo 27. -A, n. 2, do citado diploma) se conta até à data da prolaçáo da decisáo, em 1.ª instância, do recurso de impugnaçáo judicial da autoridade administrativa ou, antes, até à data da

última decisáo jurisdicional que póe fim ao processo contra-ordenacional.

3.ª A divergência está, em resumo, na interpretaçáo e aplicaçáo que é operada quanto à expressáo 'decisáo final do recurso' [alínea c) in fine].

4.ª Salvo melhor entendimento, a posiçáo sustentada no acórdáo recorrido, que por sua vez se apoia no Acórdáo da relaçáo do Porto de 19 de Julho de 2006, náo pode proceder.

5.ª Concorda -se que náo é irrelevante que o legislador tenha acrescido o adjectivo 'final'.

Sucede que, como infra se sustentará, pela leitura das restantes normas do diploma, o que o legislador qualifica e apelida como 'decisáo final do recurso' é a que é proferida em 1.ª instância, pois é essa a decisáo final quanto ao recurso de impugnaçáo judicial da decisáo da autoridade administrativa.

6.ª Por outro lado, e em obediência ao disposto no artigo 9., n. 3, in fine, do CC, há que ter em conta que o legislador náo se refere a 'recursos' (plural) mas sim a 'recurso' (singular).

Também em obediência ao que dispóe aquele mesmo n. 3 do artigo 9. do CC o legislador náo fala em decisáo 'transitada em julgado'.

7.ª Na tese defendida no acórdáo recorrido olvida-se, salvo o devido respeito, a coerência sistemática do diploma em que se insere.

Olvida -se também que, no RGCO, a regra é a da irrecorribilidade das decisóes finais proferidas em

1.ª instância quanto ao mérito/demérito do recurso de impugnaçáo judicial, sendo certo que o legislador, na alínea c) em análise, náo faz qualquer distinçáo ou ressalva para os casos em que excepcionalmente é admissível o recurso para o tribunal da relaçáo das decisóes finais proferidas em 1.ª instância.

8.ª Acaso estivesse na intençáo do legislador fazer tal distinçáo, a mesma estaria expressa na norma em apreço, o que náo é o caso.

9.ª E bem se compreende que o legislador náo tenha feito tal distinçáo, pois a mesma é irrelevante do ponto de vista da razáo que levou o legislador a erigir como causa de suspensáo do prazo de prescriçáo a que consagrou na alínea c) em apreciaçáo.

10.ª O legislador teve claramente a intençáo de estabelecer como causa de suspensáo a da fase judicial do procedimento contra -ordenacional de confirmaçáo/infirmaçáo da decisáo da autoridade administrativa, correspondendo o início e terminus de tal causa de suspensáo ao início e terminus da fase judicial de confirmaçáo/infirmaçáo daquela decisáo administrativa.

11.ª Mas quis igualmente o legislador que tal confirmaçáo/infirmaçáo judicial ocorresse de modo célere, de molde a náo prolongar no tempo tal fase judicial, em prejuízo da certeza jurídica a que o sistema propende, pelo que, para acautelar a possibilidade de ocorrência de atrasos inaceitáveis em tal apreciaçáo judicial (apreciaçáo do recurso de impugnaçáo da decisáo administrativa), se estabeleceu como tempo máximo de suspensáo do prazo de prescriçáo o prazo de seis meses - cf. artigo 27. -A, n. 2.

12.ª Presumiu o legislador, e bem, que tal prazo (no máximo de seis meses) é suficiente para a prolaçáo de uma decisáo do poder judicial quanto ao mérito/demérito da decisáo administrativa condenatória, objecto do recurso de impugnaçáo.

770 13.ª Mais ainda, e salvo o devido respeito, no acórdáo recorrido confunde -se 'recurso de impugnaçáo judicial da decisáo da autoridade administrativa' com 'recurso da decisáo final para o tribunal da relaçáo' (recurso jurisdicional).

14.ª Sucede que os referidos recursos têm natureza e objecto diferentes:

No primeiro daqueles recursos o objecto é a decisáo administrativa proferida, no segundo é a decisáo judicial (sentença ou despacho proferido nos termos do disposto no artigo 64. do RGCO) e náo já a decisáo administrativa.

15.ª Há que fazer a necessária distinçáo, sob pena de náo fazer sentido que o legislador fale no início da norma em 'recurso da decisáo da autoridade administrativa que aplica a coima' e que, quando se refere à decisáo final 'do recurso' esteja a incluir outro que náo o de impugnaçáo da decisáo administrativa...

16.ª O entendimento vertido no acórdáo fundamento é, salvo melhor opiniáo, o que resulta da melhor inter-pretaçáo da lei.

17.ª Como já se referiu, sáo pressupostos básicos da actividade interpretativa do jurista os que resultam do disposto no artigo 9. do CC.

18.ª Partindo daqui, há que indagar, entáo, o que seja, para o legislador, 'decisáo final do recurso'.

19.ª Na dinâmica do procedimento contra-ordenacional, tal como plasmado pelo legislador no RGCO, podemos distinguir duas fases distintas: a fase administrativa e a fase judicial.

A fase judicial, que é a que para o caso interessa, inicia -se com o denominado 'recurso de impugnaçáo judicial', recurso este possibilitado pelo artigo 59., n. 1, do RGCO.

20.ª Na verdade, sabendo -se que as decisóes em matéria contra -ordenacional sáo susceptíveis de colidir com os direitos, liberdades e garantias dos cidadáos, impunha -se que o legislador salvaguardasse tal matéria, possibilitando o recurso às instâncias judiciais, no sentido de serem as decisóes das autoridades administrativas confirmadas ou infirmadas, através de processo justo, pelo poder judicial.

21.ª No diploma em análise o legislador trata tal recurso como 'impugnaçáo judicial', 'impugnaçáo', 'recurso de impugnaçáo' ou 'recurso'.

22.ª Por contraponto à designaçáo recurso da decisáo judicial (cf. artigo 72. -A, n. 1), sendo que só nas normas subsequentes a tal designaçáo o legislador se lhe refere como 'recurso' (cf. artigos 73. a 75.).

23.ª É, pois, do recurso de impugnaçáo judicial, ou seja, do recurso apresentado da decisáo da autoridade administrativa que o legislador trata na alínea c) do n. 1 do artigo 27. -A.

24.ª A decisáo final proferida quanto à impugnaçáo judicial da decisáo administrativa é proferida pelo tribunal de 1.ª instância. Tal decisáo é a que decide sobre a bondade ou náo do recurso de impugnaçáo judicial da decisáo da autoridade administrativa.

25.ª E é decisáo final porque o legislador, no RGCO, estabeleceu como regra a da irrecorribilidade das decisóes proferidas no âmbito dos recursos de impugnaçáo judicial das decisóes das autoridades administrativas.

26.ª Ora se, salvo os casos excepcionais expressamente previstos, o legislador optou pela regra da irrecorribilidade das decisóes proferidas quanto aos recursos

de impugnaçáo judicial das decisóes das autoridades administrativas, é manifesto que, para o legislador, a decisáo proferida em 1.ª instância é a decisáo final do recurso de impugnaçáo da decisáo da autoridade administrativa.

27.ª E se dúvidas existissem, facilmente se dissipariam com a leitura de diversas normas constantes do diploma em que se insere a norma objecto do presente, resultando dessa análise que, para o legislador, a decisáo final é, de facto, a proferida em 1.ª instância.

28.ª Isso mesmo se pode verificar lendo atentamente o n. 1 do artigo 64. - o juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.

29.ª No mesmo sentido o disposto no artigo 70., n. 4 - o tribunal comunicará às mesmas autoridades a sentença, bem como as demais decisóes finais.

30.ª Significa isto que o legislador...

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