Acórdão n.º 365/2008, de 12 de Agosto de 2008

Acórdáo n. 365/2008

Processo n. 22/2008

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

Relatório

ATLÂNTIRÁDIO - Sociedade de Radiodifusáo, L.da, na sequência de notificaçáo da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicaçáo Social para proceder ao pagamento da taxa de regulaçáo e supervisáo (TRS) relativa ao ano de 2006, no valor de € 178, deduziu impugnaçáo judicial da respectiva liquidaçáo junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada.

A impugnante fundamentou a sua pretensáo no facto da taxa de regulaçáo e supervisáo que lhe foi liquidada, no valor de € 178,00, ser um verdadeiro imposto, do que decorre a inconstitucionalidade orgânica das normas do Regime das Taxas da ERC, aprovado pelo Decreto -Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, que a criaram.

A impugnada contestou, defendendo estarmos perante uma taxa, pelo

que náo assistia razáo à impugnante, devendo, como tal, ser julgada improcedente a impugnaçáo.

A impugnada juntou cópia de parecer emitido sobre a temática em causa.

O Magistrado do Ministério Público proferiu parecer, pugnando pela improcedência da impugnaçáo.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnaçáo, com os seguintes fundamentos:

A questáo que se nos coloca gira em torno da consideraçáo de duas das características que distinguem as figuras da taxa e do imposto, tal como se nos deparam na taxa de regulaçáo e supervisáo.

E isto na medida em que, se se entender que estamos perante um imposto, terá o Governo legislado em matéria de competência reservada sem a competente autorizaçáo legislativa. Daí decorrendo a inconstitucionalidade orgânica do diploma que instituiu a TRS, por preteriçáo do princípio constitucional da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de decreto -lei do Governo emitido a coberto de autorizaçáo legislativa do Parlamento [a Constituiçáo, ao atribuir à Assembleia da República a competência para legislar sobre a criaçáo de impostos, só a estes se reporta, e náo também às taxas, pois quanto a estas, apenas está incluída na reserva de competência da Assembleia da República a definiçáo do regime geral das taxas e náo de toda a disciplina jurídica, geral ou especial, a elas atinente - cf. alínea i) do n. 1 do artigo 165. da CRP].

A impugnante defende, ao contrário da impugnada, náo se surpreender na TRS a feiçáo de bilateralidade que diferencia a taxa do imposto, nem tampouco a consequente proporcionalidade entre a taxa e o serviço pelo qual é devida, já que o seu montante estaria dependente da capacidade económica do contribuinte e náo da dimensáo do serviço concreta e individualmente prestado.

Vejamos.

Dispóe o artigo 4. da Lei Geral Tributária, respectivamente nos seus 1. e 2., que "os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilizaçáo e do património" e "as taxas assentam na prestaçáo concreta de um serviço público, na utilizaçáo de um bem do domínio público ou na remoçáo de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares".

Sáo, pois, notas essenciais distintivas entre taxa e imposto quer a correspondência daquela a uma prestaçáo específica ou individualizável (bilateralidade) quer o necessário equilíbrio entre a prestaçáo consubstanciada pela taxa e a sua contraprestaçáo, sob pena de frustraçáo daquela correspondência, revertendo -se para o espírito do imposto (proporcionalidade).

Compulsados os preceitos dos artigos 4. a 7. do Regime de Taxas da ERC, referentes à TRS, julgo dever concluir estarmos perante uma verdadeira taxa.

Nesse aspecto, e acompanhando o parecer junto em cópia a fls 58 e sgs (fls 88 e sgs), admitem -se no artigo 165., alínea i), "outras contribuiçóes financeiras a favor das entidades públicas", figuras híbridas que, gozando da característica da bilateralidade, seráo uma espécie de "taxas colectivas, por destinadas à retribuiçáo de serviços públicos que sáo prestados a toda uma categoria de pessoas". Sendo esse o caso da TRS.

Por outro lado, compulsando os preceitos do diploma em causa, verifica -se desde logo a enunciaçáo de um princípio geral que reporta o quantitativo da taxa às categoria e subcategoria de intensidade reguladora necessária - artigo 4., n. 2. Sendo que, no artigo 5., n. 1, se preceitua que o montante da taxa para cada categoria é "calculado de acordo com os custos relativos imputáveis a cada uma delas pelo desenvolvimento da actividade contínua e prudencial permanente de regulaçáo e supervisáo". E, no artigo 6., se fixam os critérios para as diversas subcategorias. Por fim, no artigo 7., regula -se o método de fixaçáo concreta da TRS, que se regerá por critérios marcadamente casuísticos, relativos ao tipo de serviço efectivamente prestado - volume de trabalho, complexidade da actividade reguladora, alcance geográfico e impacte da actividade.

Náo parece, portanto, legítimo afirmar que a taxa em causa náo respeite o necessário equilíbrio entre a prestaçáo consubstanciada pela taxa e a sua contraprestaçáo, princípio de proporcionalidade inerente a qualquer taxa.

Estaremos, pois perante uma verdadeira taxa, que náo um imposto, náo sendo nesse particular inconstitucional o Decreto -Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, que aprovou o Regime das Taxas da ERC.

Desta sentença foi interposto recurso pela impugnante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n. 1, do artigo 70., da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, na redacçáo dada pela Lei n. 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n. 13 -A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), nos seguintes termos:

Pretende -se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 3., 4., 5., 6. e 7. do regulamento anexo ao Decreto -Lei n. 103/2006, de 7 de Junho;

Tais normas, em desenvolvimento dos artigos 50. e 51. da Lei n. 53/2005, de 8 de Novembro, violam o artigo 165., n. 1, alínea i), e artigos 103., n.os 2 e 3, todos da Constituiçáo da República Portuguesa

A recorrente apresentou alegaçóes, com as seguintes conclusóes:

1 - No desenvolvimento do disposto nos artigos 50. e 51. da Lei n. 53/2005, de 8 de Novembro, o Regulamento anexo ao Decreto-Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, no seu artigo 3. n. 3, alínea a), criou uma taxa de regulaçáo e supervisáo, a qual deverá ser suportada pelas entidades que exerçam a respectiva actividade no sector da comunicaçáo social;

2 - A jurisprudência e a Doutrina sáo unânimes em que o que caracteriza um tributo como taxa ou como imposto náo é a respectiva designaçáo mas o seu âmbito material;

3 - Para que um tributo seja qualificado como taxa é necessário que pela mesma haja lugar a uma contraprestaçáo específica individualizada ou individualizável;

4 - Quer as taxas, quer ainda as outras contribuiçóes financeiras a favor de outra entidades públicas, devem ter definido o regime geral cuja aprovaçáo é da competência da Assembleia da República, sem prejuízo de autorizaçáo ao Governo - alínea i) do n. 1 do artigo 165. da CRP;

5 - Encontram -se as taxas, por força do disposto no artigo 103., n. 2 e 3 da CRP, abrangidas pelo princípio da legalidade só podendo ser criadas nos estritos termos definidos pela CRP;

6 - Este reforço dos poderes parlamentares foi claramente reforçado com a revisáo constitucional de 1997, no que respeita à inclusáo da designada parafiscalidade na qual as taxas se incluem, conforme Profs Jorge Miranda e Rui Medeiros in CRP anotada, tomo II, 2006, Coimbra Editora, págs. 536;

7 - Mesmo que a realidade material constante do artigo 3., n. 3, alínea a) do Decreto -Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, fosse uma taxa, ainda assim carecia de lei de autorizaçáo da Assembleia da República para que fosse respeitado o princípio da legalidade.

8 - Porém, à taxa de regulaçáo e supervisáo criada pelo citado artigo 3., n. 3, alínea a) do Decreto -Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, náo corresponde qualquer contrapartida individualizável, sendo materialmente um imposto.

9 - Imposto que foi criado sem a indispensável autorizaçáo legislativa concedida ao governo, violando -se o disposto no artigo 165., n. 1, alínea i) da CRP;

10 - Como também violaria se fosse havida como taxa uma contribuiçáo financeira por falta de aprovaçáo prévia do respectivo regime geral.Termos em que e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, declarando -se inconstitucional o disposto na alínea a) do n. 3 do artigo 3., do Decreto -Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, emitido na sequência dos artigos 50. e 51. da Lei n. 53/2005, de 8 de Novembro, por violaçáo do disposto nos artigos 103., n. 2 e 3, e alínea i) do n. 1 do artigo 165. da Constituiçáo da República Portuguesa.

Juntou cópia de parecer.

A recorrida apresentou contra -alegaçóes, com as seguintes conclusóes:

A. A decisáo recorrida náo merece qualquer juízo de censura porquanto a taxa de regulaçáo e supervisáo constitui uma verdadeira taxa, criada de acordo com as regras constitucionais e no estrito e rigoroso cumprimento da lei, designadamente do disposto na Lei n. 53/2005, de 8 de Novembro, no Decreto -Lei n. 103/2006 e na Portaria n. 653/2006, de 29 de Junho.

B. Em cumprimento do preceituado no artigo 39. da CRP, incumbe à ERC a tarefa de proceder à regulaçáo do sector da comunicaçáo social o que, naturalmente, exige uma intervençáo dituturna em garantia do pluralismo, da liberdade de expressáo dos cidadáos e da liberdade de imprensa dos meios de comunicaçáo social, do equilíbrio entre valores contrapostos e entre os interesses do mercado e as finalidades do serviço público ou as exigências da actuaçáo na esfera pública.

C. A distinçáo entre as figuras da taxa e do imposto tem sido objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional e assenta, em síntese, nos critérios estruturais da bilateralidade e da proporcionalidade a que a taxa de regulaçáo e supervisáo dá integral cumprimento.

D. A letra do artigo 4. do Decreto -Lei n. 103/2006 é, por si só, elucidativa quanto à existência de uma contraprestaçáo e quanto à respectiva...

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