Acórdão n.º 86/2008, de 10 de Abril de 2008

Acórdáo n. 86/2008

Processo n.10/CPP

Plenário

Acta

Aos 13 dias do mês de Fevereiro de dois mil e oito, achando -se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos. Conselheiros Ana Maria Guerra Martins, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Mário José de Araújo Torres, Benjamim Silva Rodrigues, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Maria Lúcia Amaral, Maria Joáo da Silva Baila Madeira Antunes, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galváo, Joáo Eduardo Cura Mariano Esteves, Vítor Manuel Gonçalves Gomes e José Manuel Cardoso Borges Soeiro, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciaçáo.

Após debate e votaçáo, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:

Acórdáo n. 86/2008

  1. Relatório.

    1 - No âmbito dos presentes autos, decidiu este Tribunal, através do Acórdáo n. 371/07, dar por verificado o recebimento, por parte do PPD/PSD, durante o ano de 2002, de um donativo indirecto, no valor de € 233.415,00, efectuado pela SOMAGUE - Sociedade Gestora de Participaçóes Sociais, S. A., através do pagamento, por parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S.A, àquele partido, em violaçáo do disposto no artigo 5, n. 4, da Lei n. 56/98, na redacçáo dada pela Lei n. 23/2000.

    Simultaneamente, determinou que os autos fossem continuados com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 103 -A, n. 2, da LTC.

    2 - Na sequência dessa decisáo, veio o Ministério Público, aos

    31.07.2007, promover o seguinte:

    Conforme decorre dos elementos probatórios coligidos nos autos e

    do douto acórdáo n. 371/2007, verifica -se que:

    1 - No âmbito da campanha para as eleiçóes autárquicas de 2001, foram prestadas ao PPD/PSD e à JSD (organizaçáo especial deste partido,

    16376 integrada na respectiva orgânica, nos termos previstos no artigo 10 dos Estatutos) pela sociedade comercial designada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., os serviços reflectidos nos pedidos de factura constantes de fls.10/16 dos autos, emitidas em 15 de Março de 2002.

    2 - Na sequência de acordo estabelecido entre os responsáveis pelo sector financeiro daquele partido e as administraçóes da Novo Design, SA e da sociedade denominada Somague, S.G.P.S., S. A., - entidade absolutamente estranha à dita relaçáo contratual entre PPD/PSD e a Novo Design - as referidas facturas, correspondentes aos serviços efectivamente prestados ao partido, deram origem a uma factura única

    (n. 20176/1), emitida à Somague (que aparece em substituiçáo da referência originária ao referido partido, verdadeiro devedor), no montante de € 233.415,00, liquidada através do cheque n. 2439635269, sacado sobre a conta n. 277126091, titulada pela Somague S.G.P.S., S. A., e domiciliada no BCP.

    3 - Tal comportamento implica violaçáo directa do estatuído imperativamente no n. 4 do artigo 5 da Lei n. 56/98 (na redacçáo da Lei n. 23/2000), já que aos partidos políticos está vedado aceitar ou receber quaisquer contribuiçóes ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que lhes aproveitem, fora dos limites previstos no artigo 4.

    4 - Com efeito, face à matéria documentada e apurada nos presentes autos, ocorreu manifestamente um pagamento por terceiro (a Somague) de despesas, decorrentes de serviços prestados no âmbito de uma relaçáo contratual estabelecida com a Novo Design, que aproveitou inteiramente ao referido partido político - sendo certo que o valor do donativo indirecto (€233.415,00) ultrapassa manifestamente o limite previsto no artigo 4, n. 1, da citada lei - 30 salários mínimos mensais nacionais por doador, isto é, € 10.440,00, já que o salário mínimo no referido ano correspondia a € 348.

    5 - Tal infracçáo - supervenientemente conhecida e totalmente autónoma relativamente às verificadas e sancionadas no âmbito do processo normal de prestaçáo de contas de 2002 - consubstancia, pois, uma contra -ordenaçáo, imputável:

    a) ao próprio PPD/PSD, nos termos do n. 2 do artigo 14 da Lei n. 56/98;

    b) aos dirigentes do partido em causa que pessoalmente participaram na dita infracçáo, nos termos do artigo 14, n. 3, da mesma lei; neste caso, tais dirigentes, responsáveis da Sede Nacional em 2002, sáo (como decorre do decidido definitivamente por este Tribunal, no acórdáo n. 348/06):

    - o Secretário -Geral, José Luís Fazenda Arnaut Duarte;

    - o Secretário -geral Adjunto para a área financeira, José Manuel de Matos Rosa;

    - e ainda, face ao teor do ofício da pg. 122 dos presentes autos, subs-crito pelo Secretário -Geral actualmente em exercício - o Secretário-Geral Adjunto, responsável pela área administrativa e financeira, José Luís Vieira de Castro.

    Na verdade, todos estes dirigentes partidários, com responsabilidade estatutária no sector administrativo e financeiro, sabiam que o partido estava legalmente impedido de aceitar que terceiros realizassem donativos indirectos, consubstanciados no injustificado pagamento de despesas, emergentes de relaçáo contratual de prestaçáo de serviços a que eram totalmente estranhos, violando, pois, com dolo, o referido preceito legal, no aceitar o pagamento pela Somague de dívida que manifestamente vinculava apenas o próprio partido.

    c) às pessoas colectivas que - participando constitutivamente no referido acordo, propiciador da atribuiçáo de um donativo indirecto ao PPD/PSD - violaram, com dolo, a citada disposiçáo legal, bem sabendo que a atribuiçáo patrimonial, feita ao partido, era legalmente vedada (artigo 14, n. 5, da Lei n. 56/98):

    - a Somague, S.G.P.S, S. A.;

    - a Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A. (cuja denominaçáo foi ulteriormente modificada, passando a designar -se por Brandia Creating - Design e Comunicaçáo, S. A.)

    d) Os administradores dessas pessoas colectivas que pessoalmente participaram dolosamente no cometimento da referida infracçáo, bem sabendo que o dito acordo, por eles consentido, possibilitador da atribuiçáo patrimonial ao partido em causa, era legalmente vedado, face à citada disposiçáo legal imperativa - e, que, perante a matéria de facto apurada nos autos, entende -se serem:

    -Joáo Paulo Moreira Cardoso Sequeira (id. p. 48), que exercia em 2002 funçóes na administraçáo da Novo Design, sendo responsável pela área financeira, que deu expresso assentimento à operaçáo consubstanciada na alteraçáo da identidade do responsável pelo pagamento das facturas emitidas, apesar de bem saber que os serviços em causa tinham sido prestados ao PPD/PSD;

    -Diogo Alves Diniz Vaz Guedes (id. p. 47), presidente do Conselho de Administraçáo da Somague, que apôs na factura em causa a sua assinatura, a qual caucionava o respectivo pagamento, autorizando o

    assumir daquele débito por tal sociedade, bem sabendo que os serviços em causa tinham sido prestados ao partido por outra sociedade comer-cial, agindo com o intuito de realizar um donativo indirecto, que bem sabia ser vedado por lei;

    -Luís Miguel Dias da Silva Santos (id. p. 96); e

    -Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva (id. p. 91), ambos administradores executivos da Somague, em 2002, que assinaram o cheque emitido pela Somague, que corporizou o referido donativo indirecto, bem sabendo que o mesmo era legalmente vedado;

    Nestes termos - e em consonância com o preceituado nos n.os 2, 3, 5 e 6, do artigo 14 da referida lei - promove -se a aplicaçáo de coimas, ali estabelecidas, em relaçáo aos responsáveis pelo ilícito contra-ordenacional, atrás especificadas, a graduar em conformidade com os critérios gerais estabelecidos no artigo 18 do Decreto -Lei n. 433/82.

    Mais se promove, nos termos da parte final do n. 2 do artigo 14 da mesma Lei n. 56/98, que seja declarada a perda a favor do Estado dos valores (€ 233.415,00) ilegalmente recebidos pelo PPD/PSD, através do donativo indirecto em causa

    .

    3 - Em resposta à promoçáo do Ministério Público, vieram pronunciar-se Joáo Paulo Moreira Cardoso Sequeira, Brandia Central - Design e Comunicaçáo, S. A. (actual denominaçáo da Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A.), o PPD/PSD, José Manuel de Matos Rosa, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva, Luís Miguel Dias da Silva Santos e a Somague, S.G.P.S, S.A, o que fizeram mediante as exposiçóes cujo conteúdo essencial se pode assim sumariamente sintetizar:

    1. Caracterizando a relaçáo negocial estabelecida entre a Brandia Central - Design e Comunicaçáo, S. A. (entáo denominada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A.) e o Partido Social Democrata como de prestaçáo de serviços, Joáo Paulo Moreira Cardoso Sequeira começou por sustentar que tal relaçáo, como subsumível que deverá considerar -se à tipificaçáo constante do artigo 1154 do Código Civil, se rege exclusivamente pelo direito privado, encontrando -se, por consequência, sob incidência das normas constantes dos artigos 1167, alínea b), e 767, ambos do Código Civil, o primeiro ex vi do disposto no artigo 1156, do mesmo diploma legal.

      De acordo com a perspectiva defendida, resultará daqui que a licitude do comportamento contratual empreendido pela Brandia Central - Design e Comunicaçáo, S. A., devendo aferir -se em funçáo do que é consentido pelo direito privado, se encontra no presente caso assegurada, quer pelas normas acima referidas - as quais, para além de legitimarem a prestaçáo de serviços a partidos políticos mediante contrapartida financeira, autorizam o credor da retribuiçáo acordada a recebê -la, seja do respectivo devedor, seja de um terceiro, interessado ou náo no cumprimento da obrigaçáo -, quer pela inexistência de outras que, nesta última hipótese, paralelamente impusessem ao prestador do serviço a retribuir o ónus de conhecer da relaçáo ou dos motivos subjacentes à realizaçáo por terceiro da contraprestaçáo pecuniária previamente acordada.

      Numa segunda e complementar linha argumentativa, vem ainda sustentada a impossibilidade de imputaçáo à Brandia Central - Design...

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