Acórdão n.º 151/93, de 26 de Março de 1993

Acórdão n.° 151/93 - Processo n.° 350/87 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: 1 - O Procurador-Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 1.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 44/84, de 3 de Fevereiro, e de todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.° 18/87/A, de 18 de Novembro.

Segundo alega, a primeira das normas indicadas violaria o disposto nos artigos 114.°, n.° 2, e 201.°, n.° 1, alínea c), da Constituição, por conter uma delegação de competência a favor das Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira em matéria constitucionalmente reservada ao Governo da República. Quanto às normas do mencionado decreto legislativo regional, todas elas contrariariam o preceituado nos artigos 229.°, alíneas a) e b), e 201.°, n.° 1, alínea c), da lei fundamental (versão da 1.' revisão constitucional), conforme este Tribunal já decidiu, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, no Acórdão n.° 190/87 (publicado no Diário da República, 1.' série, de 2 de Julho de 1987).

2 - Na sua resposta, o Presidente da Assembleia Regional dos Açores sustenta, em síntese, que não está constitucionalmente vedado às Regiões Autónomas desenvolverem leis de bases, desde que em matérias do respectivo interesse específico, que a matéria atinente ao recrutamento e selecção do funcionalismo das administrações regionais se configura como sendo do respectivo interesse específico e, finalmente, que a mesma matéria, tendo em conta o disposto no artigo 88.° do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, se não enquadra no regime e âmbito da função pública.

3 - O Decreto-Lei n.° 44/84, editado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.° 14/83, de 25 de Agosto, veio definir os princípios gerais enformadores do recrutamento e selecção de pessoal e do processo de concurso na função pública.

No seu artigo 1.°, n.° 2, o decreto-lei em referência prescreveu o seguinte: Com observância do disposto nos artigos 4.° e 5.°, o regime estabelecido no presente decreto-lei aplicar-se-á às Regiões Autónomas, mediante diploma das respectivas assembleias regionais, que o regulamentará, tendo em conta a realidade insular.

Os artigos 4.° e 5.° deste diploma são os que fixam os grandes princípios a que devem obedecer o recrutamento e a selecção de pessoal e a obrigatoriedade de concurso. Os restantes artigos dispõem especificamente sobre os concursos, no que respeita aos respectivos pressupostos, tipos, regulamentação e processo.

A aplicação do regime estabelecido no Decreto-Lei n.° 44/84 à Região Autónoma dos Açores foi efectivada pelo questionado Decreto Legislativo Regional n.° 18/87/A, que regula exaustivamente, ao longo de 54 artigos, e para aquela Região Autónoma, os princípios gerais de recrutamento e selecção, designadamente no que se refere a concursos.

4 - De acordo com o disposto no invocado artigo 114.°, n.° 2, da lei fundamental, 'nenhum órgão se soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei'.

Por seu turno, estabelece-se no artigo 201.°, n.° 1, alínea c), que compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, 'fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam'.

Finalmente, as alíneas a) e b) do artigo 229.° da Constituição, na sua versão vigente à data da edição dos diplomas impugnados, atribuíam às Regiões Autónomas poderes para 'legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as Regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania' e para 'regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar'.

5 - Em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, a solicitação do Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, este Tribunal teve oportunidade de apreciar o diploma regional ora impugnado pelo Procurador-Geral da República e que, na altura, se apresentava sob o n.° 8/87/A.

Nessa ocasião, depois de se assinalar que as 'bases do regime e âmbito da função pública' constituíam matéria de reserva parlamentar e de se recordar anterior jurisprudência do Tribunal - designadamente o Acórdão n.° 326/86 (publicado no Diário da República, 1.' série, de 18 de Dezembro de 1986)- no sentido de competir exclusivamente ao Governo, no exercício de funções legislativas, desenvolver bases gerais de regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam, acrescentou-se que esta última doutrina ainda era, obviamente, válida para os casos em que tais bases gerais se encontravam vertidas em decreto-lei parlamentarmente autorizado e escreveu-se: Posto isto, a interrogação, naturalmente decorrente de todo este excurso expositivo: quando o n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 44/84 estabelece que, 'com observância do disposto nos artigos 4.° e 5.°, o regime estabelecido no presente decreto-lei aplicar-se-á às Regiões Autónomas, mediante diploma das respectivas assembleias regionais, que o regulamentará, tendo em conta a realidade insular', não haverá implementado uma normação de todo inconciliável com o determinado na alínea c) do n.° 1 do artigo 201.° da CRP? A resposta, pelas razões antecedentes, não pode deixar de ser positiva.

De facto, nesse preceito claramente se atribui às assembleias regionais competência para desenvolverem, para as respectivas Regiões, as bases constantes desses artigos 4.° e 5.° do Decreto-Lei n.° 44/84. Sem curar de averiguar se outros preceitos do mesmo diploma governamental conterão matéria reconduzível ao conceito de 'princípios gerais' do regime jurídico em questão, certo é que naqueles dispositivos - como, aliás, o legislador, implicitamente ao menos, o reconhece nesse n.° 2 do artigo 1.° e também no n.° 2 do artigo 2.°- seguramente se insere matéria dessa espécie.

E, a seguir, aditou-se: Por outro lado, cabe reacentuar que o governo apenas impôs que a Assembleia de cada Região Autónoma - na elaboração do diploma que na respectiva área regional viesse a aplicar o regime do Decreto-Lei n.° 44/84- tivesse de acatar as bases constantes dos artigos 4.° e 5.° E tanto assim foi que a ARA, daí partindo, acabou por aprovar um diploma, o Decreto Legislativo Regional n.° 8/87/A, que, com um desenvolvimento similar ao Decreto-Lei n.° 44/84 e até com uma sistematização próxima na abordagem dos assuntos, chegou, na regulamentação daquele núcleo de princípios, umas vezes, a soluções idênticas às do Decreto-Lei n.° 44/84, outras vezes, a soluções divergentes.

Nestas circunstâncias, o n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 44/84 efectuou, em favor das assembleias regionais, a delegação de uma competência reservada para o Governo pelo artigo 201.°, n.° 1, alínea c), da CRP. E, assim, desrespeitou ainda o artigo 114.°, n.° 2, da CRP, que estipula que 'nenhum órgão de soberania [...] pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei'.

Deste modo, não sendo a ARA directamente competente para emitir um diploma como o Decreto Legislativo Regional n.° 8/87/A, nem sendo válida a delegação de competência em seu benefício efectuada pelo Executivo, de concluir é, em última análise, que todas as normas desse diploma regional são inconstitucionais por violação do disposto no artigo 229.°, alínea b), quando conjugado com os artigos 114.°, n.° 2, 201.°, n.° 1, alínea c), e 229.°, alínea a), da CRP.

Em conclusão, o citado acórdão pronunciou-se pela inconstitucionalidade de todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.° 8/87/A, a partir de um pressuposto juízo de inconstitucionalidade sobre o n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 44/84, juízo que só teve, então, consequências reflexas, porquanto o pedido não abarcava - nem podia abarcar, por se estar em sede de fiscalização preventiva requerida pelo competente Ministro da Repúblicaa eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dessa norma.

6 - Na sequência da pronúncia de inconstitucionalidade, em fiscalização preventiva, das normas do Decreto Legislativo Regional n.° 8/87/A, o Ministro da República veio a vetar o diploma, em cumprimento do disposto nos artigos 235.°, n.° 5, e 279.°, n.° 1, da Constituição e no artigo 35.°, n.° 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.° 9/87, de 26 de Março.

Invocando o preceituado no n.° 2 do artigo 279.° da lei fundamental e no n.° 4 do artigo 35.° do Estatuto, a Assembleia Regional dos Açores procedeu à reapreciação do diploma e confirmou-o, por unanimidade, na sua reunião de 24 de Setembro de 1987 (cf. Diário da Assembleia Regional, da mesma data), tendo o mesmo vindo a ser, então, assinado pelo Ministro da República e posteriormente publicado no Diário da República como Decreto Legislativo Regional n.° 18/87/A (dando-se aí, certamente por lapso, como aprovado na respectiva assembleia regional em 30 de Setembro de 1987).

O Decreto Legislativo Regional n.° 18/87/A reproduz, pois, integralmente, o conteúdo do Decreto Legislativo Regional n.° 8/87/A, já apreciado por este Tribunal em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade.

7 - Como se viu, este Tribunal, no já citado Acórdão n.° 190/87, considerou inconstitucionais as normas ora sujeitas à sua apreciação - embora, no que respeita ao artigo 1.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 44/84, o juízo de inconstitucionalidade tivesse sido emitido a título meramente incidental- por entender que a Constituição, na redacção então vigente, excluía a possibilidade de intervenção das assembleias regionais no desenvolvimento de leis de base aprovadas pela Assembleia da República (ou pelo...

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