Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2009, de 17 de Junho de 2009

Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 187/2009

Processo n. 760/08

Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82. da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n. 13 -A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciaçáo e a declaraçáo, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 138., n. 2, do Código da Estrada, na redacçáo dada pelo Decreto -Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que determina que seja punido por crime de desobediência qualificada quem conduzir veículos automóveis estando proibido de o fazer por força da aplicaçáo da pena acessória prevista no artigo 69. do Código Penal, constante de sentença criminal transitada em julgado.

O pedido funda -se no facto de o Tribunal Constitucional já ter julgado, no âmbito da fiscalizaçáo concreta, tal norma organicamente inconstitucional, por preteriçáo do artigo 165., n. 1, alínea c), da Constituiçáo, no Acórdáo n. 574/2006 e nas decisóes sumárias n.os 58/2008 e 137/2008.

Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54. e

55., n. 3, da LTC, o Primeiro -Ministro, em resposta, ofereceu o merecimento dos autos.

2 - Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, cumpre formular a decisáo em conformidade com a orientaçáo fixada.

II - Fundamentaçáo

3 - A norma que agora é objecto do pedido de declaraçáo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral consta do artigo 138., n. 2, do Código da Estada, na redacçáo dada pelo Decreto -Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro, que estatui o seguinte:

Quem praticar qualquer acto estando inibido ou proibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisáo administrativa definitiva que aplique uma sançáo acessória é punido por crime de desobediência qualificada.

Este preceito remete, pois, para o artigo 348., n. 2, do Código Penal, que estabelece a pena aplicável ao crime de desobediência qualificada nos termos seguintes:

A pena é de prisáo até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposiçáo legal cominar a puniçáo da desobediência qualificada.

A razáo pela qual o Tribunal, em sede de fiscalizaçáo concreta nas decisóes invocadas pelo requerente, julgou organicamente inconstitucional a norma do artigo 138., n. 2, do Código da Estrada, foi o facto de ela ter alargado o âmbito de aplicaçáo da norma que pretendeu substituir, sem que houvesse na Lei n. 53/2004, de 4 de Novembro, que concedeu ao Governo a autorizaçáo para proceder à revisáo do Código da Estrada ao abrigo da qual foi publicado o Decreto -Lei n. 44/2005, qualquer referência à possibilidade de o fazer.

De facto, o artigo 139., n. 4, da redacçáo anteriormente vigente do mesmo Código da Estrada, tinha o seguinte teor:

Quem conduzir veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisáo administrativa definitiva é punido por desobediência qualificada.

Ora, limitando -nos neste passo à comparaçáo das versóes do Código da Estrada em sucessáo, o teor destes dois preceitos náo coincide. Como se explicou no Acórdáo n. 114/08, houve uma alteraçáo do âmbito de aplicaçáo:

Cotejando os preceitos transcritos, verifica -se que, além da diferente numeraçáo, e da alteraçáo da epígrafe do preceito, existem as seguintes diferenças entre os textos legais em comparaçáo:

i) Onde anteriormente se dizia 'Quem conduzir veículo a motor [...]', agora diz -se 'Quem praticar qualquer acto';

ii) Onde se dizia '[...] estando inibido de o fazer', passou a dizer -se '[...] estando inibido ou proibido de o fazer'.

Na parte em que a norma náo é inovadora, explica o mesmo Acórdáo, náo há qualquer inconstitucionalidade:

Com efeito, o Tribunal já por diversas vezes afirmou, em jurisprudência que remonta à Comissáo Constitucional, que o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República náo determina, por si só e automaticamente, a invalidaçáo das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Força é que se demonstre que as normas postas sob observaçáo náo criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normaçáo vigorava, limitando -se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgáo de soberania competente [Cf. os Acórdáos n.os 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03 e 340/05 estes tirados em Secçáo e publicados no 2.ª série, de 4 de Novembro de 1998, de 20 de Março de 2000, de 14 de Fevereiro de 2002, de 17 de Dezembro de 2002, de 12 de Dezembro de 2002, de 6 de Abril de 2004 e de 29 de Julho de 2005, bem como o Acórdáo n. 123/04 (plenário) publicado no de 30 de Março de 2004. Cf. ainda, aliás com posiçáo discordante, a indicaçáo de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. V, pp. 234/235].

Contudo, a norma do artigo 138., n. 2, agora impugnada, náo se limitou a substituir o antigo artigo 139., n. 4, do Código da Estrada; alargou o seu âmbito de aplicaçáo. Foi, por isso, julgada organicamente inconstitucional no

3766 Acórdáo n. 574/2006 e nas decisóes sumárias n.os 58/2008

e 137/2008.

Os fundamentos para esse julgamento de inconstitucionalidade foram assim expressos no Acórdáo n. 574/2006:

O artigo 138., n. 2, do Código da Estrada, tem a redacçáo do Decreto -Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro. Este preceito alarga a incriminaçáo da desobediência qualificada que resultava do artigo 139., n. 4, do Código da Estrada, na redacçáo anterior. Com efeito, enquanto esta disposiçáo previa a puniçáo da conduçáo por quem estivesse inibido de o fazer por sentença ou decisáo administrativa, o referido artigo 138., n. 2, consagra a puniçáo do agente que pratique qualquer acto para cuja prática esteja proibido ou inibido.

Cabe sublinhar que a norma a que se refere o artigo 348., n. 2, do Código Penal (a norma que prevê o comportamento a punir como desobediência qualificada) consubstancia ainda a definiçáo de crime, pelo que a sua emissáo está abrangida pela reserva parlamentar a que se refere o artigo 165., n. 1, alínea c), da Constituiçáo.

Ora, da Lei n. 53/2004, de 4 de Novembro, lei que autorizou o Governo a proceder à revisáo do Código da Estrada, náo consta qualquer referência à matéria penal em causa.

A nova norma, ainda que com zonas de sobreposiçáo, abrange hipóteses distintas e implica ponderaçóes diferentes, nomeadamente no que respeita à variaçáo relativa da gravidade da ilicitude dos vários comportamentos tipificados, com consequências para os comportamentos que agora sáo abrangidos. Com efeito, o n. 4 do artigo 139. do Código da Estrada, na redacçáo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT