Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2009, de 18 de Maio de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 8/2009

Revista n. 1619/06 - 4ª Secçáo

Acordam, em plenário, na Secçáo Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - As autoras Regina de Lurdes Rosa de Brito Roxo e Maria José Queimadela Campos Serafino intentaram acçóes de processo comum autónomas, ulteriormente apensadas, contra a R. Província Portuguesa de Sociedade Salesiana, pedindo a condenaçáo desta a pagar -lhes uma indemnizaçáo por antiguidade, em substituiçáo da reintegraçáo, conforme opçáo feita em audiência (fls. 166 e 168 dos autos), bem como os salários intercalares devidos desde 30 dias antes da instauraçáo das acçóes até à decisáo final, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, sendo os vencidos no montante de € 749,99, relativamente à autora Regina, e de € 642,85, relativamente à autora Maria José, quantias a que acrescem os juros contados à taxa legal de 7 % ao ano, calculados desde a citaçáo da

R. e até integral pagamento.

Alegaram, em síntese:

A R. é proprietária da Escola Salesiana de Manique. As AA. foram admitidas ao serviço da ré, naquela Escola, respectivamente, em 1 de Setembro de 1989 e 1 de Outubro de 1989, desempenhando, desde entáo, as funçóes de professoras no âmbito de contrato de trabalho subordinado.

No dia 17 de Julho de 2002, a R. informou as AA. que estavam despedidas a partir do final de Agosto de 2002, cessando nessa data entre as partes o contrato de trabalho.

Invocou a R. que tal cessaçáo era lícita porquanto as AA. estavam a exercer aquelas funçóes em acumulaçáo com funçóes docentes que exerciam no ensino oficial.

Acontece que o despedimento assim declarado é nulo e de nenhum efeito.

A ré contestou, invocando, em síntese:

à data da celebraçáo dos primeiros contratos com a ré, as AA. eram professoras em escolas do ensino público e, neste momento, sáo professoras efectivas dessas escolas.

Assim, as AA. foram admitidas ao serviço da ré como professoras, mas em regime de acumulaçáo de funçóes com o ensino oficial, de acordo com a legislaçáo especial daquele regime, pelo que obtiveram, nos termos da legislaçáo vigente, as autorizaçóes anuais de que careciam para o desempenho das suas funçóes no referido regime.

Para o ano lectivo de 2002 -2003, o total de tempos lectivos semanais de Geografia foi, na Escola da ré, de 66 tempos e esse total de 66 tempos lectivos semanais permite três horários completos (entre vinte e duas horas e vinte e cinco horas semanais), sem sequer haver necessidade de horas extraordinárias.

No ano lectivo de 2001 -2002, como nos anos lectivos imediatamente anteriores, esta Escola da ré tinha ao seu serviço, como professores de Geografia, três docentes em regime de tempo inteiro, pertencentes aos seus quadros (Ana Folgado, Bárbara Capela e Rosa Barrento) e ainda as ora AA, contratadas em regime de acumulaçáo.

A ré constatou, pois, que náo tendo, por força da nova organizaçáo curricular, tantos tempos lectivos de Geografia, náo teria serviço para esses cinco docentes.

A ré verificou, igualmente, que, na vigência da actual organizaçáo curricular, que se aplicou pela primeira vez ao ano lectivo de 2002 -2003, náo necessitaria de recorrer a professores de outras escolas, porque satisfaria as suas necessidades lectivas com os seus próprios quadros.

Assim sendo, a ré náo celebrou novo contrato anual com as AA. para o ano lectivo de 2002 -2003, informando -as de que o náo faria e constatando a caducidade daquele que, relativamente a cada uma, tinha vigorado até final do ano lectivo anterior.

Concluiu pela sua absolviçáo do pedido.

As AA. responderam, mantendo a posiçáo assumida na petiçáo inicial.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença, que julgou a acçáo improcedente e absolveu a

R. dos pedidos.

Dela apelaram as AA, tendo a Relaçáo de Lisboa, por

seu douto acórdáo, julgado improcedente o recurso, remetendo, nos termos do artigo 713., n. 5, do CPC, para a fundamentaçáo da sentença.

II - De novo inconformadas, as AA. interpuseram a presente revista, com as seguintes conclusóes:

  1. No caso dos presentes autos, a R. fez cessar o contrato de trabalho existente com as AA. e ao abrigo do qual as mesmas. exerciam funçóes docentes, invocando que aquelas cessaçóes eram lícitas porquanto as AA. estavam a exercer aquelas funçóes em acumulaçáo com funçóes docentes que exerciam no ensino oficial, cessaçáo que as AA. vieram impugnar na acçáo por entenderem que o despedimento assim declarado era nulo e de nenhum efeito, nos termos das disposiçóes conjugadas dos artigos 3., 12. e 13. do Decreto -Lei n. 64 -A/89;2.ª Quanto ao desempenho de funçóes de natureza privada pelos funcionários públicos estatui o artigo 269., n. 5, da Constituiçáo, que a lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades;

  2. As autorizaçóes de acumulaçáo eram necessárias até à entrada em vigor do Decreto -Lei n. 139 -A/90, que aprovou o Estatuto da Carreira Docente do Ensino Básico e Secundário, embora náo se aceite que tal conferisse ao contrato uma natureza distinta que excluísse as regras aplicáveis ao contrato de trabalho;

  3. No que respeita ao ensino, o regime de incompatibilidades de exercício de outras funçóes por docentes da funçáo pública estava regulado pelos Decretos -Leis n.os 266/77 e 300/81, mas aqueles diplomas foram revogados de modo expresso pelo artigo 6. do Decreto -Lei n. 139 -A/90, diploma que aprovou o Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário;

  4. E o Estatuto previa no seu artigo 111., n. 4, que o exercício em acumulaçáo de funçóes por docentes da funçáo pública seria regulado por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educaçáo, portaria essa que só veio a surgir em 14 de Agosto de 1999 - Portaria n. 652/99;

  5. Quer isto dizer que, entre a publicaçáo do Decreto-Lei n. 139 -A/90 e o aparecimento da Portaria n. 652/99, nenhuma incompatibilidade existia que impossibilitasse o exercício de actividades de natureza privada dos docentes da funçáo pública;

  6. E depois da entrada em vigor da Portaria n. 652/99, o que se visava com essa regulamentaçáo era o interesse do Estado e náo o interesse dos particulares que tivessem contratado em regime de acumulaçáo com docentes da funçáo pública - ver o preâmbulo daquela portaria;

  7. Mas isso em nada afectava as relaçóes jurídicas estabelecidas com entidades privadas ainda que em violaçáo daquele regime condicionador do exercício de funçóes em acumulaçáo, pois o docente teria a faculdade de optar pela cessaçáo ou suspensáo da funçáo pública, mantendo a actividade privada até aí exercida em acumulaçáo, deixar a actividade privada e mantendo por isso o vínculo de natureza pública, ou, em última instância, manter a situ-açáo de acumulaçáo e sujeitar -se à aplicaçáo das sançóes previstas no Estatuto Disciplinar - artigo 47., n. 1, da Constituiçáo;

  8. Em qualquer das opçóes, o empregador privado náo tinha o direito de interferir ou de condicionar a manutençáo do vínculo de trabalho privado àquela autorizaçáo de acumulaçáo - v. os Acórdáos do Tribunal da Relaçáo de Lisboa de 13 de Dezembro de 2000 (processo n. 8981/00, da 4.ª Secçáo, a que corresponde o processo n. 357/99 - AS, da 1.ª Secçáo do 2. Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa), e processos do Supremo Tribunal de Justiça, n.os 497/01 e 3666/01, estando o primeiro deles disponível em www.dgsi.pt, com o número de documento SJ200211130004974, e o segundo publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdáos do STJ, ano X, t. III, p. 279, e de 2 de Fevereiro de 2006 - processo n. 3495/05 - 4;

    10. E à luz do único entendimento admissível, que é o que decorre dos artigos 3., 12. e 13. do Decreto -Lei n. 64 -A/89 e 53. da Constituiçáo, a cessaçáo do contrato de trabalho vigente entre o A. e a R. tem de se considerar ilícita com as consequências previstas no artigo 13. citado;

  9. A douta sentença de 1.ª instância e o Acórdáo recorrido que a manteve apropriando -se da respectiva fundamentaçáo, ao considerar lícito o despedimento violou por isso os artigos 3., 12. e 13. do Decreto -Lei n. 64 -A/89, o artigo 6. do Decreto -Lei n. 139 -A/90, o artigo 111. do Estatuto da Carreira Docente, aprovado por este último diploma, e os artigos 47., n. 1, e 53. da Constituiçáo.

    Pede que seja revogada a decisáo recorrida com a consequente condenaçáo da R. no pedido.

    A R. contra -alegou, defendendo a confirmaçáo do julgado.

    Ulteriormente, o Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou, a sugestáo do Ex.mo Presidente da Secçáo, que se procedesse ao julgamento alargado da revista.

    No seu douto parecer, emitido nos termos do artigo 733. - B, n. 1 do CPC, o Ex.mo Procurador -Geral-Adjunto neste Supremo pronunciou -se no sentido de ser negada a revista e propôs a seguinte formulaçáo para a uniformizaçáo de jurisprudência:

    1) O contrato de trabalho celebrado na modalidade de acumulaçáo por docente do ensino oficial prevista no artigo 67. do Decreto -Lei n. 553/80, de 21 de Novembro, e no artigo 111. do Decreto -Lei n. 139 -A/90, de 28 de Abril, está sujeito a um regime especial de caducidade anual.

    2) A especificidade deste regime de caducidade decorre de autorizaçáo oficial que pode ou náo ser concedida para cada ano escolar consoante a apresentaçáo dos específicos requisitos constantes naqueles diplomas e que o despacho n. 92/ME/88, do Ministro da Educaçáo, de 17 de Maio, e a Portaria n. 652/99, de 14 de Agosto, vieram a seu tempo pormenorizar.

    3) Dada a natureza especial do regime de caducidade deste contrato de trabalho, designadamente em matéria do ensino oficial da anualidade escolar, é -lhe inaplicável o regime geral decorrente do Decreto -Lei n. 64 -A/89, de 24 de Fevereiro

    .

    III - Cumpridas as formalidades legais, cabe decidir. As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se aceitam por náo haver fundamento legal para os alterar:

    1 - A R. é proprietária da Escola Salesiana de Manique, sita na Rua...

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