Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, de 30 de Julho de 2008

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008 Processo n.º 4449/07 -- 3.ª Secção Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: José Alexandre Serôdio da Gama Lobo Xavier, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do Acórdão da Relação do Porto de 20 de Dezembro de 2006, proferido no recurso n.º 7030/07, que decidiu ser legalmente admissível, no caso de condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal, independentemente da existência de qualquer referência na acusação àquela pena acessória, designadamente indicação da disposição legal que prevê a sua cominação ( 1 ). Em sentido oposto indicou o Acórdão da Relação do Porto de 12 de Janeiro de 2005, proferido no recurso n.º 5023/04, o qual decidiu que, no caso de condenação por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sendo omissa a acusação quanto à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não incluindo qualquer referência à disposição legal que a prevê, e não se dando cumprimento ao disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal ( 2 ), não pode o arguido defender -se rela- tivamente à cominação de tal sanção, ficando impossibili- tado do exercício do contraditório, pelo que é inadmissível a sua condenação naquela pena acessória.

Em conferência concluiu -se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo- -se ordenado o seu prosseguimento.

O recorrente nas alegações que apresentou, após moti- vada abordagem da questão a decidir, emitiu posição no sentido de ser fixada jurisprudência nos termos seguin- tes: «Ao condenado pelos crimes previstos nos arti- gos 291.º ou 292.º, do Código Penal, não estando pre- vista na acusação a possibilidade de condenação pela sanção acessória ou a referência da disposição legal [artigo 69.º, n.º 1, alínea

a), do Código Penal] e não se dando cumprimento ao disposto nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, não deve ser condenado pela sanção acessória, porquanto tal condenação violaria o princípio do contraditório.» A Ex. ma Procuradora -Geral -Adjunta, nas suas estrutu- radas e fundamentadas alegações, formulou as seguintes conclusões: «1 -- As penas acessória constituem verdadeiras penas. 2 -- Para além de terem de estar expressamente pre- vistas na lei, têm de ter limites mínimo e máximo, em ordem a possibilitar a sua graduação em consonância com as exigências de prevenção e sem afrontar o limite que a culpa constitui, comungando dos requisitos das penas principais. 3 -- A sua imposição não pode, pois, nunca assumir carácter automático. 4 -- O carácter não automático da pena acessória reside na necessidade de comprovação judicial dos re- quisitos formal -- prévia punição pela prática de um crime -- e substancial -- `particular conteúdo do ilícito que justifique materialmente a sua aplicação'. 5 -- O Código Penal de 1982 não criou um verda- deiro sistema de penas acessórias, verificando -se então uma `ruptura entre a culpa e a pena acessória'. 6 -- O Decreto -Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu à revisão do Código Penal de 1982, veio res- ponder à necessidade de se encontrar prevista no sistema sancionatório penal uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, com uma moldura penal determinada, que tivesse como `pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este faci- litada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável'. 7 -- Com as alterações introduzidas ao Código Pe- nal pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, foi agravada a moldura abstracta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. 8 -- Nos termos do artigo 283.º, n.º 3, alínea

c), do Código de Processo Penal, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a `indicação das disposições legais aplicáveis'. 9 -- Depois da narração dos factos imputados ao agente, que fundamentam a aplicação de uma pena, a acusação deve mencionar as normas penais que prevêem e punem jurídico -criminalmente os aludidos factos, in- cluindo assim todas as disposições legais que cominem penas -- sejam principais ou acessórias. 10 -- Estando em causa a possibilidade de imposição da pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea

a), do Código Penal, a acusação não podia deixar de conter essa referência. 11 -- Com o despacho que, recebendo a acusação, designa dia para julgamento, fica estabilizado o objecto do processo e fixados os poderes de cognição do Tribu- nal, bem como a extensão do caso julgado. 12 -- Uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na acusação que se traduza na pos- sibilidade de imposição de outra pena -- principal ou acessória -- só é possível nos termos do artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, sob pena de vio- lação do princípio do contraditório e ofensa do direito de defesa, ambos com consagração constitucional no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa. 13 -- A consideração do princípio do contraditório e o respeito pelo direito de defesa implicam necessa- riamente se considere incluído no conceito `alteração da qualificação jurídica dos factos', constante do ar- tigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, todo o quadro punitivo aplicável, incluindo naturalmente as penas acessórias. 14 -- Assim, não constando da acusação a indica- ção da aplicabilidade da pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea

a), do Código Penal, não pode o Tribunal -- ainda que considere verificados os respec- tivos pressupostos formal e substancial -- condenar na pena acessória de proibição de conduzir veículos moto- rizados, sem que previamente tenha dado cumprimento ao disposto na norma do n.º 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal. É este o sentido em que deve fixar -se a jurispru- dência.» Após julgamento em conferência, cumpre decidir.

Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica- -se oposição de julgados.

A questão ora submetida à apreciação e julgamento do pleno das secções criminais deste Supremo Tribunal consiste em saber se é admissível a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, no caso de condenação pela prática de qualquer um dos crimes indicados na sua alínea

  1. ( 3 ), sem que a acusação contenha qualquer referência àquela pena acessória, designadamente qualquer menção à disposição legal que prevê a sua comi- nação e estabelece o seu quantum, e sem que o tribunal dê cumprimento ao disposto no artigo 358.º, ou, ao invés, a condenação naquela pena acessória, inexistindo qualquer referência à mesma na acusação, designadamente ao pre- ceito que a prevê e quantifica, só é legalmente admissível mediante prévia comunicação ao arguido nos termos do artigo 358.º Em defesa da posição que admite a aplicação daquela pena acessória sem necessidade de cumprimento do dis- posto no artigo 358.º vêm -se pronunciando, maioritaria- mente, as Relações, sob o entendimento de que a lei impõe, no caso de condenação por crime de condução em estado de embriaguez ou por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, a cominação da pena acessória de proibição de conduzir, o que significa que esta pena acessória é um mero efeito penal dos correlativos factos criminosos descritos na acusação, pelo que a sua aplicação sem que da acusa- ção conste qualquer referência ao dispositivo legal que a prevê e quantifica não viola o direito de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao contraditório ( 4 ). Em defesa da posição contrária, minoritária, alega -se que a lei adjectiva penal impõe que a acusação contenha, sob pena de nulidade, a indicação das disposições legais aplicáveis, designadamente as que estabelecem as sanções penais comináveis aos factos delituosos objecto da mesma, sendo que o processo fica tematicamente delimitado a essa indicação, tendo em vista o eficaz exercício do direito de defesa do arguido, só sendo legalmente admissível qualquer alteração desde que àquele dela seja dado conhecimento nos termos previstos na lei, razão pela qual não constando da acusação referência normativa à aplicabilidade da pena acessória de proibição de conduzir esta só pode ser aplicada lançando mão do disposto no n.º 3 do artigo 358.º ( 5 ). Observação prévia que cumpre fazer é a de que a ques- tão em apreciação, atenta a forma com vem configurada, não se confunde com outra, sobre a qual muito se disse e escreveu, que é a da conformidade constitucional da norma da alínea

  2. do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, ao estabelecer e impor a aplicação da pena acessória de proi- bição de conduzir veículos com motor a quem (sempre que alguém) seja condenado pelos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas ( 6 ). A questão que vem colocada ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça prende -se di- rectamente com temas fundamentais do processo penal, designadamente o do seu fim e o das garantias de defesa do arguido.

    Num Estado de direito democrático é a procura da ver- dade material e a realização da justiça que constituem o fim último do processo penal.

    No entanto, num Estado de direito democrático a pro- cura da verdade material e a realização da justiça não podem ser alcançadas a qualquer preço.

    De há muito se vem reconhecendo e entendendo que a cadeia de actividades e procedimentos dirigidos à consta- tação, positiva ou...

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