Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2010, de 22 de Fevereiro de 2010

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 2/2010

Agravo n. 103 -H/2000.C1.S1

Acordam no Plenário das Secçóes Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

I - Em processo de recuperaçáo de empresa, foi proferida, no Tribunal Judicial de Alcanena, sentença que decretou a falência de António Lourenço & Filhos, L.da, e

nela foi fixado o prazo para a reclamaçáo de créditos.

Entre muitos outros, reclamou o Instituto de Segurança Social, I. P. - Centro Distrital de Santarém (doravante apenas Instituto).

O crédito deste - no valor de € 1 042 546,12 - foi reconhecido.

E graduado:

Com preferência sobre os demais credores que náo gozem de privilégio especial ou prioridade de registo, no que respeita ao montante correspondente à venda dos imóveis sobre os quais incide hipoteca a seu favor;

Como crédito comum na parte em que extravasa tal montante.

II - Apelou o Instituto.

No Tribunal da Relaçáo de Coimbra, o desembargador relator proferiu decisáo sumária, nos termos do artigo 705. do Código de Processo Civil, concedendo parcial provimento ao recurso.

III - Apresentou, entáo, o Instituto requerimento referindo que:

Náo se conformando com o douto acórdáo de fls. [...], na parte em que náo deu atendimento à apelaçáo, do mesmo pretende interpor recurso de revista com fundamento, nomeadamente, em erro de interpretaçáo da lei substantiva, ao abrigo do disposto no artigo 721. do CPC.

E porque o recurso é o próprio e tempestivo, se requer a V. Ex.ª se digne admiti -lo.

IV - O desembargador lavrou despacho do seguinte teor:

Porque está em causa uma decisáo sumária

(v. fls. 170-181) e destas náo se recorre, reclama -se, nos termos do artigo 700., n. 3, do Código de Processo Civil, náo admito o recurso pretendido interpor.

Notifique.

V - Reagiu o Instituto com o requerimento de fl. 324:

Instituto [...], vem reclamar pelo facto de náo ter sido convertido o seu requerimento de recurso em reclamaçáo para a conferência, nos termos do artigo 700., n. 3.

Assim, requer a conversáo legal do seu requerimento

de recurso em reclamaçáo para a conferência por analogia com o disposto no artigo 687., n. 3, do CPC, em "homenagem aos princípios da adequaçáo formal, material e de economia processual (neste sentido Acórdáo STJ, de 2 de Dezembro de 1998: BMJ, 482 -172 e AD, 449. -710)."

VI - Paralelamente, para a hipótese de indeferimento, reclamou da náo admissáo do recurso para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Esta reclamaçáo náo foi conhecida por despacho do vice -presidente, com o entendimento de que náo era caso de reclamaçáo para o presidente do Tribunal Superior.

VII - O Tribunal da Relaçáo de Coimbra decidiu, entretanto, em conferência, «confirmar o entendimento implícito no despacho do relator, proferido a fl. 293, no sentido de náo convolar o recurso interposto para reclamaçáo nos termos do artigo 700., n. 3.»

VIII - É desta decisáo que traz a parte o presente agravo.

Conclui as alegaçóes do seguinte modo:

Foi apresentado requerimento pelo Centro Distrital de Santarém do Instituto da Segurança Social, para ser submetido à conferência, o qual requeria que fosse proferida decisáo que convertesse o requerimento de interposiçáo de recurso para a relaçáo, em reclamaçáo para a conferência nos termos do artigo 700., n. 3, do CPC, proferindo -se o necessário acórdáo.

A conferência, em acórdáo proferido em 26 de Maio de 2009, entendeu confirmar o entendimento implícito no despacho do relator em decisáo sumária a fl. 293, por considerar náo ser possível a convolaçáo de uma indevida interposiçáo de recurso de uma decisáo sumária em reclamaçáo para a conferência.

Ora é desta decisáo que discordamos, pois consideramos que náo se trata de inadequaçáo de meio processual, mas sim de erro no meio processual, sendo susceptível de proceder -se à convolaçáo do recurso em reclamaçáo para a conferência.

Assim, o erro na apresentaçáo do recurso do despacho do relator deveria ser corrigido, náo havendo razáo para o fundamento de que tal náo poderia acontecer, em virtude da tramitaçáo do recurso ser substancialmente distinta daquela prevista para a reclamaçáo para a conferência.

Neste sentido, deverá proceder -se à aplicaçáo analógica do disposto no artigo 688., n. 5, de acordo com os artigos 199., n. 1, 687., n. 3, e 702., n. 1, do CPC e atento o disposto no artigo 10., n. 2, do Código Civil, e convolar -se o recurso em reclamaçáo para a conferência.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de VV. Ex.as, deve a decisáo sumária e o acórdáo da conferência da Relaçáo de Coimbra serem revogados e em consequência que o requerimento de interposiçáo de recurso prossiga a tramitaçáo própria da reclamaçáo para a conferência.

Náo houve contra -alegaçóes.

IX - Tendo em conta a tramitaçáo processual supradescrita - que serve de base factual à presente decisáo - cifra-se a discussáo na questáo de saber se:

Apresentado requerimento de interposiçáo de recurso de decisáo do relator (in casu, a decisáo sumária a que se reporta o artigo 705.), este deverá convolá -lo para requerimento para a conferência, indeferi -lo ou convidar a parte a esclarecê -lo.

X - Por proposta do relator, o presidente deste Supremo Tribunal determinou que se procedesse a julgamento com intervençáo do plenário das secçóes cíveis.

XI - Na sequência da tramitaçáo assim determinada, pronunciou-seoprocurador-geral-adjuntonesteTribunal.

Defendeu a uniformizaçáo de jurisprudência nos seguintes termos:

Apresentado requerimento de interposiçáo de recurso de decisáo do relator, este deverá convolar o meio processual erroneamente utilizado em requerimento para a conferência, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, nele indo implicada a prevalência do fundo sobre a forma e por aplicaçáo analógica da norma constante do artigo 668., n. 5, do Código de Processo Civil (redacçáo anterior ao Decreto -Lei n. 303/2007, de 24 de Agosto).

XII - Quer a acçáo que referimos no n. I quer a reclamaçáo de créditos vieram a lume antes de 1 de Janeiro de 2008. Assim, nos termos dos artigos 11. e 12. do Decreto-Lei n. 303/2007, de 24 de Agosto, dúvidas náo se levantam de que náo é aplicável a reforma introduzida por este, devendo entender -se os preceitos que se váo citar sem mençáo de inserçáo como reportados à redacçáo anterior do Código de Processo Civil.

XIII - A questáo que enunciámos no n. IX conduz -nos de imediato ao n. 3 do artigo 700., assim redigido:

Salvo o disposto no artigo 688., quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que náo seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdáo; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.

XIV - Há, entáo, que distinguir, de entre os despachos do relator:

Por um lado, os que náo admitam a apelaçáo, a revista ou o agravo, ou que retenham o recurso - com a precisáo que se vai referir a propósito deste caso - ou, ainda, que sejam de mero expediente;

Por outro, os demais.

Daqueles, os primeiros podem ser objecto de reclamaçáo, nos termos do artigo 688., para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso; os de mero expediente náo podem ser impugnados.

No nosso caso, foi, formalmente, denegada a admissáo da revista, mas o que estava, verdadeiramente, em causa era a apreciaçáo, ou náo, da decisáo sumária pela conferência e náo pelo tribunal que seria competente para conhecer do recurso, pelo que, como decidiu o vice -presidente, estamos fora deste artigo 688.

XV - No que concerne aos demais, levanta -se, primeiro, a questáo de saber se a decisáo tomada nos termos do artigo 705., neles se integra ou constitui, para estes efeitos, uma realidade autónoma.

Este preceito alude a «decisáo sumária» e, numa primeira análise, poder -se -ia colocar a dicotomia entre:

Despachos do relator;

Decisóes sumárias deste, tomadas nos termos daquele artigo.

Aos primeiros seria de aplicar o regime do n. 3 do artigo 700. e a decisóes sumárias podiam ser impugnadas imediatamente por via do recurso.

O artigo 156., n. 2, define sentença como «o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa», para, na epígrafe do artigo seguinte, contrapor «sentença» a «despacho».

O artigo 676., n. 1, refere que «As decisóes judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.»

Sendo certo que, no artigo 705., ou em qualquer outro, se ignorou previsáo específica relativamente à impugnaçáo da figura que o preceito criou.

Estes argumentos apontariam para a autonomia do regime de impugnaçáo destas decisóes, mas cedem, manifestamente, perante outros.

O primeiro emerge do teor do preâmbulo do Decreto -Lei n. 329 -A/95, de 12 de Dezembro, quando refere que:

No que respeita ao julgamento do recurso, amplia-se muito significativamente o elenco das competências atribuídas ao relator, permitindo -lhe inclusivamente julgar, singular e liminarmente, o objecto do recurso, nos casos de manifesta improcedência ou de o mesmo versar sobre questóes simples e já repetidamente apreciadas na jurisprudência. Pretende -se com tal faculdade dispensar a intervençáo - na prática em muitos casos puramente formal - da conferência na resoluçáo de questóes que podem perfeitamente ser decididas singularmente pelo relator, ficando os direitos...

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