Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2010, de 21 de Outubro de 2010

n. 7/2010

Processo n. 8/10 - 1.ª Secçáo do STA (julgamento com formaçáo ampliada)

Acordam na Secçáo de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

Baltazar Marques Peixoto, identificado nos autos, inter-póe o presente recurso de revista, ao abrigo do artigo 150. do CPTA, do acórdáo do TCA Norte, de 1 de Outubro de 2009, que deu provimento ao recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentaçóes, revogando a sentença recorrida, e, em consequência, julgando improcedente a acçáo administrativa especial intentada pelo ora recorrente, na qual pedia a condenaçáo da ora recorrida a deferir o seu pedido de aposentaçáo/jubilaçáo ao abrigo do n. 1 do artigo 37. do Estatuto da Aposentaçáo, com a redacçáo anterior à Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro.

I - O recorrente terminou as suas alegaçóes, oferecendo as seguintes conclusóes:

1) O douto Acórdáo recorrido enferma de manifesta nuli-dade por omissáo de pronúncia, nos termos do artigo 668., n. 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do artigo 1. do CPTA, por náo se ter pronunciado sobre duas questóes invocadas pela recorrente em sede de contra -alegaçóes, a saber: i) tem de ser o EMJ ou norma emitida pela AR em matéria de reserva absoluta, a remeter para a Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, e náo o contrário; e ii) a inconstitucionalidade decorrente da náo intervençáo da estrutura associativa representativa dos magistrados judiciais na elaboraçáo da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, nos termos do artigo 56., n. 2, alínea a), da CRP;

2) A questáo central que se discute nos presentes autos gira em torno de saber qual o regime jurídico que rege a aposentaçáo/jubilaçáo dos magistrados judiciais, após a entrada em vigor da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro;

3) O argumento decisivo para a náo aplicaçáo da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, aos magistrados judiciais decorre, necessariamente, da especificidade do seu Estatuto;

4) Com efeito, os magistrados judiciais integram uma categoria profissional que goza de especialidades no que toca a esta matéria, especialidades de regime que desde sempre encontraram a sua justificaçáo na natureza das funçóes que a própria CRP comete aos tribunais, como órgáos de soberania;

5) O princípio da unicidade estatutária impóe, segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional, que qualquer alteraçáo ao estatuto (quer formal, quer material - através da alteraçáo de normas para as quais remete) tenha que ser feita pela Assembleia da República, em sede da sua reserva absoluta - artigo 164., alínea m), da CRP;

6) Ora, tendo a Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, sido aprovada no âmbito sua reserva relativa da AR, significa que o regime jurídico introduzido por aquele diploma só poderia valer para os magistrados judiciais depois de remissáo expressa para si do respectivo Estatuto;

7) Pode até acontecer que, em sede de revisáo do EMJ, venha a ser acolhido o regime da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro. No entanto, realce -se, a questáo central é que tem de ser o EMJ, ou uma norma emitida pela AR em matéria de reserva absoluta, a remeter para a Lei n. 60/2005,

de 29 de Dezembro, e nunca este diploma a aplicar -se directamente aos magistrados judiciais - por força do princípio da unicidade estatutária, sufragado pelo Tribunal Constitucional no seu douto Acórdáo n. 620/2007;

8) Ainda que assim náo se entendesse, sempre seria de considerar o artigo 1., n. 2, alínea d), do Decreto -Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro, e o artigo 37. do EA, segundo redacçáo dada pela Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, inconstitucionais, segundo a interpretaçáo do douto acórdáo recorrido, por pretender aplicar aos magistrados judiciais matéria respeitante ao seu estatuto sócio-profissional sem intervençáo da respectiva estrutura associativa, nos termos do artigo 56., n. 2, alínea a), da CRP, por estar em causa uma mudança de paradigma quanto ao regime da pensáo de reforma/jubilaçáo;

9) Tendo em conta a especialidade do EMJ, veio o Decreto -Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro, em simultâneo à aprovaçáo e publicaçáo da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, excluir do seu âmbito de aplicaçáo, entre outras categorias profissionais, a dos juízes, acrescentando que estes «devem ter os respectivos estatutos adaptados aos princípios do presente decreto -lei através de legislaçáo própria» [artigo 1., n. 2, alínea d)];

10) Quando o legislador fala no «dever de adaptaçáo dos estatutos aos princípios do presente decreto -lei», náo pode deixar de estar a referir -se a todos os parâmetros da pensáo de reforma, tal como constam do n. 1 do Decreto-Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro, ou seja, matéria de tempo de serviço, idade de aposentaçáo, fórmula de cálculo e actualizaçáo de pensóes;

11) Concluir por aplicar a Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, aos magistrados judiciais significaria esvaziar de sentido o estatuído pelo legislador no artigo 1., n. 2, alínea d), do Decreto -Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro;

12) A tese do douto acórdáo recorrido náo tem o mínimo apoio quer na letra quer na razáo de ser do artigo 1., n. 2, alínea d), do Decreto -Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro, e artigo 37. do EA segundo a redacçáo dada pela Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro;

13) No que concerne às condiçóes de aposentaçáo, em especial no que respeita à idade, encontra -se em vigor o constante do EA, ou seja, no que se refere ao caso concreto, o artigo 37., n. 1, que estabelece que «a aposentaçáo pode verificar -se, independentemente de qualquer outro requisito, quando o subscritor contar, pelo menos, 60 anos de idade e 36 de serviço», segundo a redacçáo anterior à Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro;

14) Qualquer interpretaçáo contrária a este entendimento, no sentido de ser aplicável o artigo 37., n. 1, segundo a redacçáo da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, bem como no sentido de interpretar a remissáo do artigo 1., n. 2, alínea d), do Decreto -Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro, como excluindo a idade de reforma, estaria ferida de inconstitucionalidade material por violaçáo do artigo 203. da CRP, bem como de inconstitucionalidade orgânica, por violaçáo do artigo 164., alínea m), da CRP.

A recorrida Caixa Geral de Aposentaçóes contra -alegou, produzindo as seguintes conclusóes:

1) O ónus do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150. do CPTA compete ao recorrente.

2) No presente caso, verifica -se, porém, que das doutas conclusóes do recurso interposto - as quais delimitam o objecto do recurso (artigo 694. do CPC) - náo consta nenhuma relativa ao preenchimento daqueles pressupostos, razáo pela qual, salvo melhor opiniáo, deverá o mesmo ser rejeitado.

3) Os fundamentos e as condiçóes da aposentaçáo/jubilaçáo dos magistrados judiciais correspondem, como sempre corresponderam, ponto por ponto, aos previstos no EA para a generalidade dos subscritores da funçáo pública - cf. artigo 63. da Lei n. 85/77, de 13 de Dezembro; artigo 67. da Lei n. 21/85, de 30 de Julho; e artigo 37., n. 1, do EA, na redacçáo do Decreto -Lei n. 498/72, de 9 de Dezembro, e, posteriormente, do Decreto -Lei n. 191 -A/79, de 25 de Junho.

4) Dito de outro modo, a idade legal de aposentaçáo e o tempo de serviço exigidos como condiçóes de aposentaçáo voluntária náo antecipada jamais constituíram um desvio do regime de aposentaçáo/jubilaçáo dos magistrados em relaçáo ao que se prevê no Estatuto da Aposentaçáo.

5) A alteraçáo da idade legal de aposentaçáo e do tempo de serviço exigidos para a generalidade dos subscritores da CGA, nos termos do artigo 37., n. 1, do EA, produzidos pelas Leis n.os 60/2005 e 11/2008, náo consubstanciam modificaçóes substanciais que afrontem ou coloquem em causa as garantias constitucionalmente consagradas do exercício da actividade jurisdicional, designadamente os princípios da independência, da inamovibilidade e da irresponsabilidade.

6) Razáo pela qual a remissáo expressa do artigo 67., n. 1, do EMJ para o artigo 37. do EA, é feita para a redacçáo em vigor em cada momento (remissáo dinâmica) e náo para uma outra qualquer cristalizada no tempo (remissáo estática).

7) A incorporaçáo com cristalizaçáo da anterior redacçáo do n. 1 do artigo 37. do EA - 60 anos de idade e 36 anos de tempo de serviço para aposentaçáo voluntária - no n. 1 do artigo 67. do EMJ, como pretende o recorrente, impediria que os magistrados pudessem usufruir das actuais condiçóes de aposentaçáo/jubilaçáo voluntária produzidas com a Lei n. 11/2008, de 20 de Fevereiro, que deu nova redacçáo ao artigo 3. da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro, pelas quais bastam, por exemplo, em 2008, 65 anos de idade e 15 anos de serviço ou, em alternativa, 61 anos e 6 meses de idade e 33 anos de serviço.

8) O Decreto -Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro, procedeu à revisáo dos regimes que consagram desvios às regras previstas no Estatuto da Aposentaçáo em matéria de tempo de serviço, idade de aposentaçáo, fórmula de cálculo e actualizaçáo das pensóes, para determinados grupos de subscritores da Caixa Geral de Aposentaçóes, por forma a compatibilizá -los com a convergência do regime de protecçáo social da funçáo pública ao regime geral da segurança social no que respeita às condiçóes de aposentaçáo.

9) Do âmbito desse diploma (e náo doutro) excluiu os magistrados, desde logo, por uma razáo de carácter formal: náo se pode operar a aproximaçáo ou a convergência do «desvio» relativo à aposentaçáo/jubilaçáo dos magistrados ao regime geral de segurança social por este instrumento legislativo, mas por lei, mediante alteraçáo do próprio EMJ.

10) Insiste -se: a alínea d) do n. 2 do artigo 1. do Decreto -Lei n. 229/2005, de 29 de Dezembro, excluiu os magistrados do âmbito de aplicaçáo deste diploma e náo da Lei n. 60/2005, de 29 de Dezembro.

11) O «desvio» do regime de aposentaçáo/jubilaçáo dos magistrados judiciais, náo se encontrando na idade

ou no tempo de serviço exigível para a aposentaçáo, consubstancia -se no cálculo e actualizaçáo das pensóes, justificadamente mais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT