Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2010, de 14 de Julho de 2010

n. 5/2010

Processo n. 1113/09

Acordam no Pleno da 1.ª Secçáo do Supremo Tribunal Administrativo:

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administraçóes e Juntas Portuárias veio interpor o presente recurso para uniformizaçáo de jurisprudência do acórdáo do TCA - Sul, que consta de fls. 264 e seguintes destes autos, dizendo -o em oposiçáo com um anterior aresto do mesmo Tribunal, proferido em 3 de Abril de 2008, no processo n. 3.421/08.

O recorrente terminou a sua alegaçáo de recurso, formulando as conclusóes seguintes:

1 - Salvo o merecido respeito, verificam -se, positivamente, os requisitos legalmente fixados para a admissáo do recurso para uniformizaçáo de jurisprudência previsto no artigo 152. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2 - à APS - Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra foi, legalmente, atribuída a natureza jurídica de instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (cf. «estatuto orgânico» aprovado pelo Decreto-Lei n. 376/89, de 25 de Outubro).

2.1 - A APSS - Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S. A., sucedeu, ope legis, automática e globalmente à APS - Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra e continuou a personalidade jurídica desta (artigo 2., n. 1, do Decreto -Lei n. 338/98, de 3 de Novembro). Assim, 2.2 - A APSS - Administraçáo dos Portos de Setúbal, S. A., continua a ser um instituto público (ainda que «inominado», «atípico» ou «sui generis»). O que, 2.3 - Apesar do seu nomen juris (isto é, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), náo é factor de perturbaçáo. É que, 2.4 - E por um lado, o capital social da APSS - Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S. A., está integralmente subscrito e realizado pelo Estado e os direitos do Estado como accionista sáo exercidos por um seu representante, designado por despacho ministerial conjunto (artigo 10., n.os 1 e 2, do Decreto -Lei n. 338/98, de 3 de Novembro).

2.5 - Por outro lado, conforme assinalam credenciados autores, a natureza jurídica de um qualquer instituto náo é ditada pelo vocábulo (mas, isso sim, pela sua disciplina normativa). Sendo que, 2.6 - A jurisprudência constitucional assevera que o poliformismo das estruturas organizatórias e a plurali-dade de pessoas colectivas públicas sáo um instrumento para prosseguir as tarefas da Administraçáo Pública em sentido objectivo, como funçáo ou actividade administrativa. Ora, 2.7 - A APSS - Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S. A., tem legalmente poderes de autoridade - no exercício dos quais se rege por normas de direito público (artigo 1., n. 3, do Decreto -Lei n. 338/98, de 3 de Novembro). O que, 2.8 - É o caso quando exerce poderes de autoridade disciplinar nos termos do artigo 23., n. 1, do Estatuto de

Pessoal das Administraçóes e Juntas Portuárias (EFAP), aprovado pelo Decreto -Lei n. 421/99, de 21 de Outubro. Assim, 2.9 - Atenta a natureza jurídica da APSS - Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S. A. (instituto público - ainda que inominado, atípico ou sui generis), o seu conselho de administraçáo é órgáo, para os efeitos do artigo 2., n. 2, alínea b), primeiro segmento, do Código do Procedimento Administrativo. E, 2.10 - Por isso, a deliberaçáo punitiva (sediada no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administraçáo Central, Regional e Local, com credenciaçáo no artigo 23., n. 1, do Estatuto de Pessoal das Administraçóes Portuárias, aprovado pelo Decreto -Lei n. 421/99, de 21 de Outubro) tinha de ser tomada por escrutínio secreto, por imposiçáo do artigo 24., n. 2, do Código do Procedimento Administrativo. Destarte, 2.11 - E salvo o merecido respeito, o douto acórdáo recorrido (quando náo assentou na natureza jurídica da APSS - Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S. A., como instituto público - ainda que «inominado», «atípico» ou «sui generis» - e daí partiu para julgar válida e legal a deliberaçáo punitiva do seu conselho de administraçáo, náo tomada por escrutínio secreto) náo fez boa interpretaçáo e aplicaçáo do direito aos factos e, consequentemente, náo fez bom julgamento. Aliás, 3 - Sáo finalidades de interesse público que estáo na base da imposiçáo legal da votaçáo por escrutínio secreto nas situaçóes hipotizadas no artigo 24., n. 2, do Código de Procedimento Disciplinar - e, por isso, o segredo que os membros do órgáo colegial devem guardar na votaçáo náo é um direito pessoal (renunciável), mas, isso sim, um «dever funcional». Assim, 4 - E salvo o merecido respeito, a «boa» decisáo é a do «acórdáo fundamento» - que, por isso, deve ser, uniformizadamente, adoptada.

A recorrida Associaçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S. A. (que designaremos, doravante, por APSS) contra -alegou, concluindo do modo seguinte:

I - O presente recurso, interposto pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administraçóes e Juntas Portuárias, em representaçáo de uma sua associada, na sequência da náo admissáo por esse Venerando Supremo Tribunal de um recurso de revista, assenta na contradiçáo entre o decidido nos Acórdáos do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Outubro e de 3 de Abril de 2008, quanto à natureza jurídica da APSS, S. A.

II - No douto Acórdáo recorrido de 30 de Outubro de 2008, considerou -se que a APSS, S. A., foi transformada pelo Decreto -Lei n. 338/98, de 3 de Novembro (adiante Decreto -Lei n. 338/98), em sociedade anónima, funcionando o seu conselho de administraçáo nos termos previstos nos respectivos Estatutos e no Código das Sociedades Comerciais.

III - Por seu turno, no Acórdáo fundamento de 3 de Abril de 2008, considerou -se que a APSS, S. A., continuou a ser um instituto público, pelo que «náo pode afastar -se a aplicaçáo do disposto nos artigos 2., n. 2, alínea b), e

24., n. 2, do Código do Procedimento Administrativo», artigos esses que consideram que os órgáos dos institutos públicos sáo órgáos da Administraçáo Pública [artigo 2., n. 2, alínea b), do CPA] e que regulam o funcionamento dos mesmos (artigo 24. do CPA).

IV - Ou seja, na tese do acórdáo fundamento, a APSS, S. A., continuaria a ser um instituto público e o

2622 respectivo conselho de administraçáo seria um órgáo da Administraçáo Pública, funcionando nos termos do artigo 24. do CPA.

V - A soluçáo juridicamente correcta é a que foi adoptada pelo Acórdáo recorrido, tendo o Acórdáo fundamento decidido contra o expressamente previsto no Decreto -Lei n. 338/98.

VI - Contrariamente ao invocado pelo Sindicato e decidido no Acórdáo fundamento, a APSS, S. A., náo é, nem era à data da deliberaçáo sub judice - 2005, um instituto público, tendo sido transformada pelo Decreto-Lei n. 338/98 em sociedade anónima e sujeita ao regime aplicável a estas sociedades.

VII - O objectivo de transformaçáo da APSS de instituto público em sociedade anónima é expressamente afirmado no preâmbulo do Decreto -Lei n. 338/98, tendo esta transformaçáo assentado, nomeadamente, em razóes de gestáo, a que estáo sujeitos, além do mais, os recursos humanos.

VIII - Pelo referido diploma legal foram ainda aprovados os Estatutos da APSS, S. A. (v. artigo 25., n. 1, do Decreto -Lei n. 338/98), estabelecendo -se ainda que a transformaçáo operada e os «Estatutos agora aprovados produzem efeitos relativamente a terceiros independentemente de registo» (v. n. 2 do artigo 25. do Decreto -Lei n. 338/98).

IX - O Decreto -Lei n. 338/98 regulou ainda diversas

matérias relativas à transformaçáo da APSS em sociedade anónima, designadamente o valor e titularidade do capital social (v. artigos 10. e seguintes do Decreto -Lei n. 338/98) e a definiçáo dos respectivos órgáos sociais

(v. artigo 13. do Decreto -Lei n. 338/98).

X - Além disso e para que náo subsistissem dúvidas, o

Decreto -Lei n. 338/98, de 16 de Outubro, revogou expressamente o artigo 14. do Decreto -Lei n. 348/86, de 16 de Outubro, em que se previa que os portos «seráo geridos por institutos públicos», e ainda o Decreto -Lei n. 376/89, de 25 de Outubro, pelo qual tinha sido criada a Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, I. P.

XI - A qualificaçáo da APSS, S. A., como sociedade anónima náo é minimamente afastada pelo facto de esta poder actuar no uso de poderes de autoridade, nos casos previstos no Decreto -Lei n. 338/98 (v. n.os 3 do artigo 1. e 2 do artigo 3. do Decreto -Lei n. 338/98), pois essa possibilidade está expressamente prevista no artigo 14. do Decreto -Lei n. 558/99, de 17 de Dezembro (adiante Decreto -Lei n. 558/99), estabelece o Regime do Sector Empresarial do Estado.

XII - Face ao exposto, cremos que náo restam dúvidas que, conforme expressamente estabelecido no artigo 1. do Decreto -Lei n. 338/98 e foi decidido pelo acórdáo recorrido, a APSS, S. A., é actualmente e era à data da deliberaçáo sub judice, uma sociedade anónima e náo um instituto público, como invocado pelo Sindicato e decidido no acórdáo fundamento.

XIII - A tese do Sindicato e do acórdáo fundamento de que «a APSS, S. A., sucedeu automática e globalmente a personalidade jurídica da APSS, mantendo, portanto, a fisionomia de instituto público, viola o disposto no artigo 9. do Código Civil, nos termos do qual 'na fixaçáo do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador [...] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados'».

XIV - Com efeito, seria incompreensível que o legislador, expressa e fundamentadamente, tivesse pretendido

transformar a APSS numa sociedade anónima e sujeitá -la às regras destas entidades, mas que a mantivesse com a «fisionomia de instituto público», que tinha anteriormente.

XV - O n. 1 do artigo 2. do Decreto -Lei n. 338/98 relativo à sucessáo automática da APSS, S. A., relativamente à Administraçáo dos Portos de Setúbal e Sesimbra, I. P., nunca permitiria que se concluísse que a APSS, S. A., permaneceu com a «fisionomia de instituto público», pois destina -se apenas a assegurar a sucessáo imediata das entidades em causa, designadamente quanto à...

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