Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2010, de 20 de Janeiro de 2010

n. 1/2010

Processo n. 557/08 - Pleno da 1.ª Secçáo

Acordam, em conferência, no pleno da 1.ª Secçáo do Supremo Tribunal Administrativo:

Relatório

I - O Município de Vila Nova de Gaia dirigiu a este Supremo Tribunal Administrativo (STA), ao abrigo do disposto no artigo 152. do CPTA, pedido de admissáo de recurso para uniformizaçáo de jurisprudência interposto do Acórdáo do Tribunal Central Administrativo - Norte, de 7 de Fevereiro de 2008, já transitado (fls. 355 e segs.), pelo qual foi revogada a sentença do TAF do Porto que julgara improcedente a acçáo administrativa comum intentada por BEFEBAL - Sociedade de Construçóes, S. A., e julgada parcialmente procedente a dita acçáo, sendo o Município, ora recorrente, condenado a pagar à A., ora recorrida, a quantia de € 7013,48, acrescida de juros legais desde a citaçáo até integral pagamento.

Invoca a existência de contradiçáo, sobre a mesma questáo fundamental de direito, com o decidido no Acórdáo da

  1. Subsecçáo do STA de 7 de Março de 2006, igualmente já transitado, proferido no recurso n. 965/03 (cópia a fls.), questáo que se reconduz a saber qual o âmbito dos danos negativos pelos quais o lesado tem direito a indemnizaçáo no caso de à adjudicaçáo de uma empreitada de obras públicas náo se seguir a celebraçáo do respectivo contrato.

    Na alegaçáo que acompanhava o requerimento de inter-posiçáo de recurso, formula as seguintes conclusóes:

    1. O acórdáo fundamento decidiu que, no caso de à adjudicaçáo de uma empreitada de obras públicas náo se seguir a celebraçáo do contrato, o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos, nestes náo se incluindo aquelas despesas que forem comuns a todos os concorrentes;

    2. O acórdáo recorrido, em situaçáo factual idêntica, decidiu igualmente que a indemnizaçáo devida abrangeria apenas os danos negativos mas incluiu nestes também as despesas comuns a todos os concorrentes, designadamente com a aquisiçáo do processo de concurso e com a preparaçáo da proposta;

    3. A questáo é de grande acuidade e relevância jurídica, pois trata -se de definir a extensáo do direito dos particulares de exigir indemnizaçáo às entidades adjudicantes em sede de responsabilidade pré -contratual;

    4. Existe assim contradiçáo entre uma decisáo do Tribunal Central Administrativo Norte e uma decisáo do Supremo Tribunal Administrativo no que concerne a uma questáo fundamental de direito, no âmbito da mesma legislaçáo, o que determina a admissibilidade do presente recurso;

    5. A melhor doutrina é a exarada no acórdáo fundamento, por corresponder a uma correcta aplicaçáo do direito aos factos;

    6. As despesas aqui em causa teriam necessariamente de ser suportadas pela recorrida caso quisesse concorrer a habilitar -se a celebrar o almejado contrato;

    7. Verificando -se o vício que origina a obrigaçáo de indemnizar em fase posterior à adjudicaçáo, para o cálculo dessa indemnizaçáo só deveráo relevar os danos ocorridos após o facto que determinou a impossibilidade de celebraçáo do contrato;

    8. E náo também os custos verificados anteriormente, os quais sáo apenas os custos naturais de quem se apresenta a um concurso público sem qualquer garantia de vir a ser o adjudicatário da obra;

    9. Custos estes que, por náo terem sido directamente provocados pela omissáo que a recorrida imputa ao recorrente, náo poderiam ter sido considerados na indemnizaçáo fixada;

    10. Pelo que deverá ser uniformizada a jurisprudência nos seguintes termos:

      No caso de à adjudicaçáo de uma empreitada de obras públicas náo se seguir a celebraçáo do contrato, o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos (dano de confiança), o qual náo abrange as despesas que foram comuns a todos os outros concorrentes preteridos.

    11. Com a consequente revogaçáo do acórdáo recorrido, que deverá ser reformulado de acordo com a jurisprudência uniformizada.

      204 II - Contra -alegou a recorrida BEFEBAL, concluindo nos seguintes termos:

      Náo é possível dizer -se que está em causa «contradiçáo» entre dois arestos «sobre a mesma questáo fundamental de direito», pois é insustentável tal qualificaçáo na aplicaçáo a cada caso de norma diferente;

      Como, aliás, sáo doutrina e jurisprudência uniformes a respeito de meios processuais de uniformizaçáo jurisprudencial ao longo dos anos, e náo só no novo instituto aqui invocado (v., por todos, as anotaçóes de Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 12.ª ed., 1995, pp. 726 e segs.);

      Desta feita, como soçobra o pressuposto fundamental para o presente recurso, náo haverá sequer necessidade de responder à pretendida matéria de fundo.;

      Termos em que deverá o recurso ser rejeitado com todas as consequências legais.

      Fundamentaçáo

      Os factos

      O acórdáo recorrido deu como provados os factos fixados na sentença do TAF e que sáo os seguintes:

    12. A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia abriu concurso público para a realizaçáo da empreitada de obra pública, designada por Complexo Desportivo do Candal, cujas condiçóes constavam do anúncio publicado na

  2. série do 1997, a pp 9153 e 9154 - cf. fls. 578 e 579 do processo administrativo sob o n. 3/97, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido;

    1. A autora apresentou a sua proposta relativa à empreitada Complexo Desportivo do Candal em 23 de Julho de 1997 - cf. fls. 608 a 702 do processo administrativo sob o n. 3/97, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido;

    2. Em reuniáo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia de 3 de Novembro de 1997, foi deliberado adjudicar à sociedade Organizaçáo Geral de Empreitadas Orgel, L.da,

      a empreitada em apreço, pelo valor de 310 319 993$00, acrescido de IVA - cf. várias fotocópias da acta n. 43 da reuniáo ordinária realizada, ínsitas na pasta n. 7 do processo administrativo sob o n. 3/97, designadamente, fls. 1580, 1695, 1801 e 1823;

    3. A autora foi notificada desta adjudicaçáo pelo ofício n. 012690, de 14 de Novembro de 1997 - cf. fls. 34 dos presentes autos;

    4. Em reuniáo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia de 6 de Março de 1998, foi deliberado adjudicar à empresa classificada em segundo lugar, aqui autora, a empreitada em apreço, pelo valor de 324 792 210$00, acrescido de IVA - cf. várias fotocópias da acta n. 6 da reuniáo ordinária realizada, ínsitas na pasta n. 7 do processo administrativo sob o n. 3/97, designadamente, fls. 1622, 1692, 1820;

    5. A autora foi notificada desta adjudicaçáo pelo ofício n. 005497, de 3 de Abril de 1998 - cf. fls. 35 dos presentes autos;

    6. Pelo mesmo ofício, a autora foi notificada para se pronunciar acerca da decisáo tomada, bem como sobre a minuta do contrato subjacente - cf. fls. 35 a 41 dos autos;

    7. Do ofício referenciado constava, ainda, que, decorrido o prazo de 5 dias úteis e caso náo sejam apresentadas

      alegaçóes por todos os concorrentes no prazo de 10 dias úteis, a minuta do contrato e a adjudicaçáo considerar-se -áo aprovados pela Câmara, devendo a autora, nos 6 dias subsequentes, apresentar nos serviços de notariado da Câmara Municipal a documentaçáo solicitada na relaçáo anexa - cf. fls. 35 dos presentes autos;

    8. Em 14 de Abril de 1998, a autora comunicou ao presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia a sua declaraçáo de aceitaçáo da adjudicaçáo em causa - cf. documento sob a referência n. 278/98, junto aos autos a fls. 42;

    9. No documento mencionado sob o n. 278/98, solicitou, ainda, a autora a correcçáo do preço da sua proposta, porquanto justa e legal - cf. fls. 42 dos autos;

    10. Náo tendo, entretanto, o réu respondido a este pe-dido, a autora solicitou a marcaçáo de uma reuniáo - cf. documento referenciado sob o n. 334/98, de 28 de Abril de 1998, junto aos autos a fls. 43;

    11. Por ofício sob o n. 132/DEEM, de 27 de Abril de 1998, o réu solicitou que a autora fundamentasse convenientemente a pretensáo e indicasse o valor da correcçáo proposta - cf. fls 44 dos autos;

    12. A este ofício, a autora respondeu, em 19 de Maio de 1998, com carta referenciada sob o n. 414/98, apresentando, além da justificaçáo, um coeficiente de 1,17 a aplicar à sua proposta - cf. documento de fls. 47, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido;

    13. A autora solicitou informaçóes ao presidente da Câmara...

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