Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009, de 05 de Agosto de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 12/2009

Agravo ampliado n. 682/09 - 6.ª

Acordam, em plenário das secçóes cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça:

Por requerimento de 20 de Junho de 2007 (a fl. 121), Maria Fernanda Oliveira Ferreira, máe do menor Cristiano Filipe Ferreira Pires, veio instaurar o presente incidente de incumprimento de prestaçáo alimentícia, alegando, em síntese, o seguinte:

Por acordo exarado nos presentes autos e judicialmente homologado, Carlos Alberto Fernandes Pires, pai do referido menor, ficou obrigado a depositar, mensalmente, na conta bancária da requerente, até ao dia 8 de cada mês, a título de alimentos, a quantia de € 110, com início no mês de Dezembro de 2006;

O requerido nunca procedeu a qualquer depósito;

A requerente tem como única fonte de rendimento o seu salário, no valor de € 450 por mês;

O seu agregado familiar é composto por duas pessoas. Concluiu, pedindo:

  1. Ao abrigo do disposto nos artigos 1. e 3., n.os 1 e 2, da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3. do Decreto -Lei n. 164/99, de 13 de Maio, se decida, com a devida urgência, que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, deve prestar alimentos ao menor Cristiano Filipe Ferreira Pires, em substituiçáo do requerido, proferindo -se, se necessário, decisáo provisória;

  2. Caso assim se náo entenda, sejam tomadas as medidas necessárias e adequadas ao cumprimento coercivo dos alimentos vencidos e vincendos, de acordo com o estipulado no artigo 189. do Decreto -Lei n. 314/78, de 27 de Outubro;

  3. Com base no artigo 181. do citado Decreto -Lei n. 314/78, se condene o requerido no pagamento ao menor de uma indemnizaçáo, em montante nunca inferior a € 500.

Cumprido o disposto no artigo 181., n. 2, da OTM, o requerido veio dizer que náo tem capacidade económica para pagar a prestaçáo estipulada, pois encontra -se desempregado e náo aufere qualquer subsídio de desemprego, garantindo a sua subsistência com a ajuda de sua máe.

Após a realizaçáo das diligências julgadas convenientes para apuramento da situaçáo económica do requerido, foi proferida a decisáo a fl. 147, ao abrigo do artigo 3., n. 2, da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, que fixou em € 110 mensais a prestaçáo provisória a pagar pelo Instituto de Gestáo Financeira da Segurança Social a favor do referido menor.

Oportunamente, foi proferida a decisáo definitiva a fls. 186 e segs., que fixou em € 125 mensais a prestaçáo devida pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a favor do menor Cristiano Filipe Ferreira Pires, desde a data da apresentaçáo do pedido em apreço, sem prejuízo dos montantes já pagos a título provisório, sendo este montante actualizado anualmente, de acordo com o índice inflacionário que se houver verificado no ano anterior.

Inconformado, agravou o Instituto de Gestáo Financeira da Segurança Social, I. P., por considerar que os alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores náo sáo devidos desde a data da apresentaçáo do respectivo pedido, mas apenas a partir do mês seguinte ao da notificaçáo da respectiva decisáo judicial ao Instituto de Gestáo Financeira da Segurança Social.

A Relaçáo de Guimaráes, através do seu Acórdáo de 4 de Dezembro de 2008, concedeu provimento ao agravo e revogou a decisáo recorrida, na parte em que condenou o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a suportar as prestaçóes vencidas desde a data da entrada do pedido, ficando o Fundo obrigado a pagar as prestaçóes fixadas a partir do mês seguinte ao da notificaçáo da decisáo da 1.ª instância.

Agora, foi o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto das secçóes cíveis da Relaçáo de Guimaráes que, com fundamento no artigo 678., n. 4, do CPC, veio interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, por o acórdáo recorrido se encontrar em total oposiçáo com o Acórdáo da mesma Relaçáo de 9 de Outubro de 2008, proferido no processo n. 1752/08, da 2.ª Secçáo, no qual se julgou que tais prestaçóes se vencem desde a data da formulaçáo do respectivo pedido.

Pede que se proceda a agravo ampliado, para efeito de uniformizaçáo da jurisprudência, nos termos dos artigos 732. -A e 762., n. 3, do Código de Processo Civil, atenta a jurisprudência divergente sobre a mesma questáo de direito, proferida pelas Relaçóes e pelo Supremo Tribunal de Justiça, propondo a fixaçáo da seguinte jurisprudência:

As prestaçóes de alimentos a menor fixadas pelo tribunal em substituiçáo do devedor, asseguradas pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, cujo pagamento é efectuado pelo Instituto de Gestáo Financeira da Segurança Social, nos termos previstos nos artigos 1. da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e 2. do Decreto -Lei n. 164/99, de 13 de Maio, sáo devidas a partir da entrada do requerimento nos respectivos autos de incumprimento.

Alegando no agravo, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, resumidamente, conclui:

1 - Excluídas as prestaçóes alimentícias vencidas e náo pagas pela pessoa judicialmente obrigada, importa determinar o momento a partir do qual o Fundo se encontra obrigado, avançando -se, em regra, duas posiçóes: a partir da entrada do requerimento para a intervençáo do Fundo ou a partir da data da notificaçáo da decisáo judicial.

2 - Salvo melhor opiniáo, entendemos mais justa e consentânea com o espírito da lei a tese que faz retroagir os efeitos da decisáo de intervençáo do Fundo à data da entrada do respectivo requerimento.

3 - O artigo 4., n. 5, do Decreto -Lei n. 164/99, de 13 de Maio, que estabelece que o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestaçóes, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificaçáo da decisáo do tribunal, náo baliza o momento em que nasce a obrigaçáo do Fundo, apenas se reportando ao momento em que o centro regional de segurança social está obrigado a cumprir a decisáo do tribunal.

4 - A verificaçáo dos pressupostos da intervençáo do Fundo pode implicar uma demorada tramitaçáo processual, náo se compreendendo que o menor, durante esse lapso de tempo, que pode ser longo, náo beneficie da prestaçáo alimentar.

5 - Tanto a Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, como o Decreto -Lei n. 164/99, de 13 de Maio, sáo omissos sobre o momento a partir do qual as prestaçóes alimentares sáo devidas.

6 - Verifica -se uma lacuna da lei, que exige a aplicaçáo, pela via da analogia, do artigo 2006. do Código Civil, uma vez que procedem aqui as razóes justificativas da regulamentaçáo prevista para os alimentos naquele dispositivo, que diz que os alimentos sáo devidos desde a data da propositura da acçáo.

7 - Assim, o momento em que as prestaçóes se come-çam a vencer só poderá ser o definido no artigo 2006. do Código Civil, ou seja, desde a data da entrada da acçáo em juízo, que, neste caso, é desde a data da entrada em juízo do requerimento para a intervençáo do Fundo.

8 - Considera violados os artigos 1. da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, 3., 4. e 5. do Decreto -Lei n. 164/99, de 13 de Maio, 2006. do Código Civil, 401., n. 1, do Código do Processo Civil, e 24., n. 1, e 69., n.os 1 e 2, da Constituiçáo da República Portuguesa.

Náo houve contra -alegaçóes.

O Ex.mo Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou o julgamento ampliado do agravo, para efeito de uniformizaçáo de jurisprudência, nos termos dos artigos 732. -A e 762., n. 3, do CPC.

O Ex.mo Procurador -Geral -Adjunto neste Supremo Tribunal, considerando ser o Ministério Público o recorrente, com posiçáo processualmente bem definida quanto ao objecto do recurso, teve por prejudicada a emissáo de parecer prevista no artigo 732. -B, n. 1, do CPC.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A Relaçáo considerou provados os factos seguintes:

1 - Mediante acordo, homologado por sentença, o menor Cristiano Filipe Ferreira Pires foi confiado à guarda da sua máe, Maria Fernanda Oliveira Ferreira.

2 - Mais foi determinado que o pai, Carlos Alberto Fernandes Pires, pagasse, a título de alimentos, ao mesmo menor, a quantia mensal de € 110, até ao dia 8 de cada mês, mediante depósito bancário, quantia esta actualizável anualmente de acordo com os índices da inflaçáo registados.

3 - O requerido nunca pagou a referida prestaçáo de alimentos.

4 - Esporadicamente, atribuiu algum dinheiro ao menor para aquisiçáo de peças de vestuário e compra de medicamentos.

5 - O requerido integra o agregado familiar de sua máe, viúva, reformada, 6 - Está inactivo há cerca de três anos.

7 - Esporadicamente, trabalha na construçáo civil, auferindo cerca de € 35 por dia.

8 - Por vezes, faz trabalhos ocasionais no sector têxtil, auferindo cerca de € 3,5 por hora.

9 - Beneficia do apoio dos irmáos, amigos e namoradas.

10 - Náo se sente motivado para o exercício de uma actividade profissional.

11 - O menor reside com a progenitora em casa pertencente aos pais desta.

12 - Frequenta o 6. ano de escolaridade, na Escola C + S de Manhente.

13 - Na sequência de uma tentativa de suicídio, o menor é acompanhado pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Sáo Marcos.

14 - A máe do menor, que trabalha como operária têxtil, encontra -se actualmente desempregada.

15 - Aufere um salário de desemprego, no valor de € 407.

16 - Apresenta problemas de saúde do foro psiquiátrico, sendo acompanhada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Sáo Marcos e pelo Grupo de Acçáo Social Cristá.

17 - A máe do menor despende mensalmente € 100 na prestaçáo da sua viatura, € 80 em água, luz e gás e € 26 em medicaçáo.

A única questáo a apreciar consiste em saber se as prestaçóes alimentares a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores sáo devidas desde a data da entrada em juízo do requerimento para a intervençáo do Fundo ou a partir da notificaçáo da decisáo judicial que julgue o incidente do incumprimento.

Vejamos:

Tem sido objecto de controvérsia jurisprudencial a deter-minaçáo do momento a partir do qual o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores se encontra obrigado.

5086 No sentido...

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