Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2009, de 02 de Abril de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 6/2009

Processo n. 1687/08, 4.ª Secçáo - Uniformizaçáo de jurisprudência

Relator: Sousa Peixoto (R. 263).

Adjuntos: Sousa Grandáo, Pinto Hespanhol, Vasques Dinis, Bravo Serra e Mário Pereira.

Acordam na Secçáo Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Relatório. - O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa veio, ao abrigo do disposto nos artigos 183. e seguintes do CPT, intentar, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acçáo, para interpretaçáo da cláusula 27.ª («Prémio de assiduidade»)

do acordo de empresa celebrado entre a Metropolitano de Lisboa, E. P., e a FESTRU - Federaçáo dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n. 13, de 8 de Abril de 2002, cujo teor é o seguinte:

1 - Aos trabalhadores abrangidos por este acordo é atribuído um prémio cujo valor mensal é de € 51,50.

2 - Tem direito ao prémio referido no número anterior o trabalhador que, no decurso do mês respectivo, náo exceder cinco horas de faltas.

3 - O prémio é pago juntamente com o salário do mês seguinte àquele a que respeita.

4 - Para efeitos de aplicaçáo do disposto nos n.os 1 e 2, náo integram o conceito de falta as seguintes situaçóes:

a) Férias;

b) As necessárias para cumprimento de obrigaçóes legais;

c) As motivadas por consulta, tratamento ou exame médico, por indicaçáo da medicina ao serviço da empresa;

d) Formaçáo profissional, interna ou externa, por indicaçáo da empresa;

e) As requeridas pelo exercício de funçóes de dirigente e delegado sindical, membro da Comissáo de Trabalhadores e das subcomissóes de trabalhadores; f) As dadas pelos eleitos locais ao abrigo do crédito legal de horas e dispensas destinadas ao desempenho das suas funçóes;

g) As dadas pelos candidatos a deputados à Assembleia de República, a órgáos das autarquias locais e pelos membros das mesas eleitorais;

h) Luto;

i) Aniversário natalício do trabalhador;

j) Doaçáo de sangue;

k) As dadas por motivo de amamentaçáo e aleitaçáo;

l) As dadas por motivo de acidente de trabalho;

m) As dadas ao abrigo do Estatuto do Trabalhador-Estudante.

Alegando que a Metropolitano de Lisboa, E. P., vem a entender que as ausências verificadas por motivo de adesáo à greve devem ser consideradas faltas, para efeito da atribuiçáo do prémio de assiduidade, por se tratar de uma situaçáo náo elencada no n. 4 da cláusula em questáo e que essa interpretaçáo é errada e ilegal, o autor veio pedir que a cláusula 27.ª fosse interpretada no sentido de que as ausências dadas por motivo de greve eram irrelevantes para a atribuiçáo do prémio de assiduidade.

Mais concretamente, pediu que a cláusula fosse interpretada «no sentido de que a falta de mençáo expressa da situaçáo de ausências dos trabalhadores por motivo de greve como uma situaçáo geradora da perda do direito à atribuiçáo do prémio de assiduidade significa que essas ausências náo devem ser consideradas para efeitos da atribuiçáo do prémio de assiduidade previsto no[s] n.o[s] 1 e 2 da cláusula e [que] a falta de mençáo expressa da situaçáo de ausência por motivo de greve nas alíneas do n. 4 da cláusula deve ser interpretada no sentido de que essas ausências náo estáo mencionadas porque, náo integrando o conceito de falta, náo carecem de ser excluídas desse conceito, pelo que, para que pudessem estar incluídas, no mínimo, sempre a cláusula teria de o dizer expressamente».

2074 E, em prol da sua tese, alegou, em resumo, o seguinte:

A Metropolitano de Lisboa só assumiu aquela interpretaçáo relativamente à greve efectuada no dia 10 de Dezembro de 2002, já que, antes disso, e desde a entrada em vigor da aludida cláusula, em 1999, nunca tinha considerado as ausências por motivo de greve como faltas ao serviço e, como tal, nunca as tinha contabilizado para efeitos da atribuiçáo do prémio de assiduidade, apesar de se terem realizado inúmeras greves;

Tal como a Metropolitano de Lisboa a entendia, reconhecia e interpretava, a cláusula 27.ª náo pretende integrar a adesáo à greve no conceito de faltas para efeitos da atribuiçáo do mencionado prémio nem é esse o motivo por que a situaçáo de greve náo se encontra expressamente elencada nas alíneas do n. 4;

Com efeito, a referida cláusula náo tinha de prever expressamente a situaçáo de greve, dado que, durante a greve, o contrato de trabalho dos trabalhadores a ela aderentes se suspende, náo sendo correcto, por isso, falar -se em faltas;

E mais incorrecto seria, ainda, falar -se em absentismo, em virtude de o exercício do direito de greve estar constitucionalmente consagrado;

Para serem consideradas faltas, a cláusula 27.ª teria de o dizer expressamente;

Náo o fazendo, náo pode deixar de se entender e inter-pretar como estando excluídas do conceito de faltas;

A tal náo obsta o facto de as «férias» estarem previstas e elencadas no n. 4 da cláusula como náo integrando o conceito de falta uma vez que tal mençáo náo era necessária para que as férias náo fossem consideradas faltas, pois, se assim náo fosse, as ausências verificadas nos dias feriados, nos dias de descanso semanal e nos dias de descanso compensatório teriam de ser consideradas faltas para efeitos da aplicaçáo dos n.os 1 e 2 da cláusula 27.ª;

Nem se diga que as partes outorgantes do acordo de empresa, ao náo elencar expressamente a greve no n. 4 da cláusula, o fizeram por pretenderem incluir as respectivas ausências no conceito de falta, para efeitos da atribuiçáo do prémio de assiduidade, quando, inclusivamente, excluíram desse conceito situaçóes como as ausências requeridas para o exercício de funçóes de dirigente e delegado sindical, membro da Comissáo de Trabalhadores e das subcomissóes de trabalhadores e a ausência no dia de aniversário natalício do trabalhador;

Na verdade, uma tal interpretaçáo em nada se coadunaria com os objectivos que se pretenderam atingir com a instituiçáo do prémio de assiduidade previsto na cláusula 27.ª, dado que, com vista à diminuiçáo da taxa de absentismo, se admitiria, por um lado, um conjunto lato de situaçóes como náo integrando o conceito de faltas e, por outro, se consideraria o exercício do direito à greve, constitucionalmente consagrado, como integrando tal conceito;

A ser assim, o que se visaria náo seria a diminuiçáo da taxa de absentismo mas sim a limitaçáo do exercício do direito de greve, o que constituiria uma violaçáo intolerável desse direito, na medida em que consubstanciaria uma forma de pressáo ilícita sobre os trabalhadores, coagindo-os a náo aderirem à greve, ou restringindo esse direito apenas a cinco horas mensais, o que sempre seria ilegal por violaçáo do disposto no artigo 10. da Lei n. 65/77, de 26 de Agosto, actualmente, do artigo 603. do Código do Trabalho;

De resto, a interpretaçáo do artigo 10. da Lei n. 65/77, segundo a qual náo constitui coacçáo, prejuízo ou discri-

minaçáo o náo pagamento do prémio de assiduidade, com fundamento na ausência verificada por adesáo à greve, sempre seria inconstitucional, por violaçáo dos artigos 13., 18. e 57. da Constituiçáo da República Portuguesa;

Da mesma forma, por violaçáo dos mesmos normativos constitucionais, seria inconstitucional a interpretaçáo do artigo 10. da Lei n. 65/77, no sentido de integrar a ausência por motivo do exercício do direito de greve no conceito de faltas.

Todos os outorgantes do acordo de empresa em questáo foram citados, para alegarem e apresentarem os seus meios de prova, nos termos do artigo 184. do CPT, mas só a Metropolitano de Lisboa, E. P., o STTM - Sindicato dos Trabalhadores de Tracçáo do Metropolitano e o SITRA - Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins usaram dessa faculdade.

O STTM e o SITRA aderiram à tese perfilhada pelo sindicato autor, mas a Metropolitano de Lisboa excepcionou a impropriedade do meio processual utilizado pelo autor e sustentou a improcedência da acçáo.

Mais concretamente, a Metropolitano de Lisboa alegou o seguinte:

As acçóes previstas nos artigos 183. a 186. do CPT respeitam à anulaçáo e interpretaçáo de cláusulas de convençóes colectivas de trabalho;

Interpretar significa determinar o sentido com que háo-de valer as declaraçóes contidas numa norma, se valerem;

O autor apenas pretende esclarecer se, face ao teor da cláusula 27.ª, as ausências dos trabalhadores por motivo de greve sáo, ou náo, uma situaçáo geradora da perda do direito ao prémio de assiduidade nela previsto;

Náo é possível requerer -se a interpretaçáo da citada cláusula pelo facto de a Metropolitano de Lisboa entender que aquelas ausências sáo consideradas faltas para efeito da atribuiçáo do dito prémio, pois o facto de a Metropolitano de Lisboa aplicar a referida cláusula náo é motivo suficiente para requerer a sua interpretaçáo uma vez que náo está em causa qualquer divergência sobre o conteúdo da mesma;

Na verdade, o que é solicitado ao Tribunal é que este decida, independentemente do disposto na cláusula, que o prémio de assiduidade seja atribuído a trabalhadores que adiram a greve, sob pena de se limitar o exercício do direito à greve;

Suscitando -se dúvidas sobre a legalidade do teor da cláusula, o que se devia requerer era que o Tribunal declarasse a ilicitude da mesma;

Assim, o meio processual a que o autor recorreu náo é o próprio (artigo 183., n. 4, a contrario, do CPT), o que configura uma excepçáo dilatória (artigo 493., n. 2, do CPC) que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa;

As convençóes colectivas obrigam as...

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