Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2008, de 03 de Abril de 2008

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 3/2008

Agravo n. 1321/2007 - 2.ª Secçáo

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Na 11.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, Lamartine, Soares & Rodrigues, S. A., propôs acçáo declarativa de condenaçáo, com processo ordinário, contra Allesi, S. P. A., alegando que celebrou com a ré, em 2 de Dezembro de 1997, um contrato de agência, que vigorou até 31 de Dezembro de 1998, mas que se renovou anualmente, na falta de rescisáo, que, no entanto, veio a ocorrer em 22 de Setembro de 2004, sem que a ré tenha respeitado a antecedência de três meses relativamente à renovaçáo do contrato.

Mais alega que, com tal conduta, a ré causou grande prejuízo à autora, tanto a nível de danos patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, como a nível de danos náo patrimoniais de imagem, devendo -lhe, deste modo, € 17 934,28 (construçáo de um comer), € 50 000 (produto modelo, inútil para venda), € 77 000 (publici-dade autorizada e náo recebida), € 125 158,19 (indemnizaçáo de clientela), € 130 000 (lucros cessantes) e € 100 000 (danos de imagem), o que perfaz o total de € 500 092,47.

Alega, ainda, que, devendo à ré o valor de € 200 127,23 de encomendas de produtos recebidos, fazendo -se a de-vida compensaçáo, resulta um saldo favorável à autora de € 299 965,24. Conclui, assim, que deve a acçáo ser julgada procedente e, em consequência, ser:

a) Reconhecida a ilegalidade da denúncia contratual da ré;

b) A ré condenada a receber, a título de devoluçáo, os produtos que a autora náo conseguir vender por efeito da ilegal denúncia contratual;

c) Condenada a ré a indemnizar a autora pelos prejuízos causados por via da denúncia da agência, sem observância de pré -aviso e perca de quota de mercado (lucros cessantes);

d) Condenada a ré a indemnizar a autora por danos emergentes (comer ou «espaço dedicado», produto modelo, inútil para venda) e danos de imagem, que lhe foram provocados com a denúncia inadvertida do contrato;

e) Condenada a ré a indemnizar a autora pela clientela angariada por esta no âmbito da agência;

f) Condenada a ré a pagar à autora as despesas de publicidade por esta efectuada no âmbito da vigência do contrato de agência;

g) Admitida a compensaçáo de créditos da ré sobre a autora, cujo saldo será a liquidar em «execuçáo de sentença», com a liquidaçáo efectiva de todos os valores em referência nas alíneas.

A ré contestou, por excepçáo, alegando que o Tribunal de Lisboa é incompetente para julgar a presente questáo, já que as partes decidiram, livre e conscientemente, na cláusula 28.ª do contrato invocado, reservar exclusivamente à jurisdiçáo italiana a competência para a dirimir, com atribuiçáo exclusiva ao Tribunal da Comarca de Verbania, inserindo -se o caso no âmbito de aplicaçáo da Convençáo de Bruxelas, conforme o seu artigo 17., n. 1., pelo que, deve a ré ser absolvida da instância.

Contestou, ainda, por impugnaçáo, alegando que a denúncia do contrato, com pré -aviso e justa causa, resulta dos graves incumprimentos do contrato pela autora, pelo que carecem de fundamento os pedidos de indemnizaçáo de clientela e de ressarcimento dos prejuízos feitos pela autora.

Em sede de reconvençáo, alega que aqueles incumprimentos lhe causaram prejuízos, que deveráo ser reparados pela autora.

Conclui, deste modo, que deve ser absolvida dos pedidos formulados pela autora, devendo esta ser condenada a reconhecer que a denúncia do contrato de agência é legítima e eficaz, porque feita três meses antes da data do seu termo (31 de Dezembro de 2004) e por justa causa, ou, se assim náo for entendido, a reconhecer que a resoluçáo do referido contrato foi por justa causa imputável à autora, e, de todo o modo, a pagar à ré a dívida já reconhecida de € 200 127,23 e a indemnizaçáo para ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes, cuja liquidaçáo remete para «execuçáo de sentença.»

A autora replicou, alegando que a causa de pedir se prende com o incumprimento de um contrato totalmente executado em território português e que, encontrando -se a autora domiciliada em território nacional, é manifesta a dificuldade da sua deslocaçáo ao estrangeiro para propositura e acompanhamento desta acçáo, o que confere competência ao presente Tribunal para o julgamento da causa, nos termos do disposto nos artigos 65., n. 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.

2042 Contestou, ainda, a autora o pedido reconvencional, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.

A ré treplicou, concluindo como na reconvençáo.

Seguidamente, conhecendo -se da excepçáo da incompetência do tribunal, foi proferida decisáo do seguinte teor:

Por tudo o exposto, julga -se procedente a excepçáo dilatória de incompetência relativa por preteriçáo do pacto privativo de jurisdiçáo, declarando -se a jurisdiçáo portuguesa, e esta Vara em concreto, incompetente para o presente pleito, pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 111., n. 3, 494., alínea a), e 493. , n. 2, todos do Código de Processo Civil, absolvo a ré, Alessi, S. P. A., da instância.

Inconformada, a autora agravou para o Tribunal da Relaçáo de Lisboa, e com êxito, já que aquele tribunal decidiu conceder provimento ao agravo, revogando a decisáo recorrida e declarando competente para conhecer do objecto da acçáo a 11.ª Vara Cível de Lisboa.

Inconformada, desta vez a ré, agravou em 2.ª instância.

Alegou e concluiu:

Náo existe no caso sub judice qualquer dúvida que nos encontramos perante um litígio privado internacional.

As ora recorrente e recorrida decidiram livre e conscientemente na cláusula 28.ª do contrato invocado reservar exclusivamente à jurisdiçáo italiana a competência para dirimir a presente questáo, com atribuiçáo exclusiva, dentro da jurisdiçáo italiana, ao Tribunal da Comarca de Verbania.

O pacto atributivo de jurisdiçáo que está expresso naquela cláusula 28.ª, mostra -se celebrado com confirmaçáo escrita por ambas as partes, de boa fé e livremente, aliás, com aceitaçáo expressa dessa cláusula 28.ª

O pacto atributivo de jurisdiçáo estipulado pelas partes tem pois, de considerar -se válido «para qualquer controvérsia relativa ao presente contrato» (cláusula 28.ª).

O n. 1 do artigo 23. do Regulamento, a que correspondia o § 1. do artigo 17. da Convençáo, prevê que os pactos atributivos conferem competência exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.

Convencionada a competência pelas partes, como é o caso, é irrelevante que uma delas, contra a vontade da outra, venha, posteriormente, denunciar unilateralmente o estipulado.

É exclusiva, a competência resultante de pactos atributivos de jurisdiçáo, previstos pelo artigo 23., n. 1, com as limitaçóes dos n.os 3 e 5 do Regulamento n. 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, que corresponde ao artigo 17., § 1., com as limitaçóes do § 2. e do § 4., da Convençáo de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária, reconhecimento e execuçáo de decisóes, em matéria civil e comercial.

O acórdáo da Relaçáo na sua conclusáo, itens de folha penúltima do acórdáo, e identificados nestas alegaçóes por itens 1 e 2, entra em contradiçáo, pois no item 1 - refere que os pedidos de indemnizaçáo formulados pela autora sáo externos à relaçáo contratual, afastando, por isso, a aplicaçáo do pacto de jurisdiçáo constante da cláusula

28.ª e de seguida, no item 2 - , diz que se trata de matéria contratual.

Ora sendo matéria contratual, como é, e como muito bem o qualificou o juiz da 1.ª instância, ter -se -á de aplicar o estipulado pelas partes relativo ao pacto de jurisdiçáo, constante da cláusula 28.ª, em aplicaçáo do artigo 1. («Ma-

téria civil e comercial») e artigo 23. («Competência») do Regulamento (CE) n. 44/2001.

A denúncia unilateral náo invalidou a escolha, sob pena de frustrar o fim comum visado pelas partes, quanto à eleiçáo do foro.

A denúncia, ou qualquer outra forma de fazer extinguir unilateralmente obrigaçóes contratuais, levada a cabo por qualquer das partes, seria uma forma tortuosa de subtracçáo ao negociado, máxime, à cláusula de eleiçáo do foro, depois de se haver acordado na escolha do Tribunal. Os efeitos náo sáo exteriores ao contrato, mas derivam e sáo parte incindível do próprio contrato.

Consequentemente, uma parte, sem consentimento da outra, mudaria as regras do jogo, quando este estava a ser jogado.

Fugia -se da razáo da escolha comum, numa ocasiáo em que ela mais se faria sentir; ora, exactamente para tanto - para evitar a fuga - é que houve escolha.

A causa de pedir assenta fundamentalmente no contrato de agência, tratando -se de um litígio (controvérsia) ainda relacionado (relativo) com o mesmo contrato.

A Directiva Comunitária n. 86/653, transposta obrigatoriamente para a nossa ordem jurídica pelo Decreto-Lei n. 118/93, de 13 de Abril, e para a ordem jurídica italiana tem por vista harmonizar o contrato de agência na Uniáo Europeia relativamente às relaçóes - direitos e deveres - de agente e comitente, em pleno pé de igual-dade, clarificando e uniformizando essas relaçóes em toda a UE.

Tal transposiçáo implica igual tratamento em todos os Estados membros. E estes náo tratam de forma mais ou menos vantajosa o agente, mas todos o tratam de igual forma, por imposiçáo da directiva, nos termos do artigo 249. do Tratado de Roma.

A directiva e o decreto -lei que a transpóe náo impóem qualquer norma relativa à escolha do foro, deixando à liberdade das partes tal escolha. E foi o que aconteceu no caso sub judice. As partes estipularam na cláusula 28.ª do contrato que o Tribunal de Verbania - Itália seria o competente.

As convençóes internacionais subscritas por Portugal, caso da Convençáo de Bruxelas de 1968, têm valor superior ao das próprias leis nacionais.

O Regulamento Comunitário (CE) n. 44/2001, como todos os regulamentos comunitários, têm primazia sobre as leis nacionais.

O Regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados membros, nos termos do artigo 249. do...

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