Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2008, de 31 de Março de 2008

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 2/2008

Processo n. 894/07 -3

Acordam no Pleno das Secçóes Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - A Caixa Geral de Depósitos (CGD), S. A., inter-pôs recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência,

1880 ao abrigo do artigo 437., n. 2, do Código de Processo

Penal (CPP), do Acórdáo da Relaçáo de Lisboa de 20 de

Dezembro de 2006, proferido no processo n. 9375/06, da

  1. Secçáo (certificado de fl. 2 a fl. 6), invocando como fundamento o Acórdáo da mesma Relaçáo de 3 de Outubro de 2006, proferido no processo n. 5029/06, da 5.ª Secçáo (certificado de fl. 73 a fl. 78).

    Por acórdáo de 12 de Setembro de 2007 da 3.ª Secçáo (de fl. 80 a fl. 81), foi decidido, em conferência, considerar verificados os requisitos formais de admissibilidade do recurso, reconhecer a oposiçáo dos dois acórdáos, nos seguintes termos:

    O acórdáo recorrido apreciou um caso em que, no decurso de um inquérito por crime de roubo, foram solicitadas à recorrente (e a outros bancos) determinadas informaçóes sobre certas contas bancárias, o que foi recusado pela recorrente. Promovida pelo MP a quebra do sigilo junto do JIC, este decidiu que a recusa era ilegítima e ordenou à recorrente a prestaçáo das informaçóes requeridas pelo MP. A Relaçáo de Lisboa, através do acórdáo recorrido, confirmou essa decisáo, por considerar que «o n. 3 do citado artigo 135. do CPP visa táo -somente assegurar uma

  2. instância residual para as hipóteses em que o tribunal a quo, pendendo para o reconhecimento da legitimidade formal e substancial da recusa, tenha dúvidas quanto a ela».

    Por sua vez, o acórdáo fundamento, perante uma hipótese de facto idêntica (recusa da recorrente de prestar informaçáo bancária ao MP, no âmbito de um inquérito por um crime de roubo, recusa essa quebrada por despacho do JIC, ordenando a prestaçáo das requeridas informaçóes), considerou legítima a recusa, revogando a decisáo recorrida e ordenando que o JIC suscitasse o incidente de quebra do sigilo junto da Relaçáo, por considerar esta a única entidade competente, nos termos do artigo 135., n.os 2 e 3, do CPP, para proferir tal decisáo.

    As decisóes em análise proferiram, pois, decisóes opostas, baseadas em interpretaçóes também opostas do citado artigo 135., n.os 2 e 3 do CPP.

    Consequentemente, ordenou -se o prosseguimento do recurso.

    Cumprido o disposto no artigo 442. do CPP, vieram apresentar alegaçóes escritas a recorrente (de fl. 88 a fl. 97) e o Ministério Público (de fl. 99 a fl. 119).

    A recorrente concluiu assim as suas alegaçóes (transcriçáo):

    1 - Sustenta o acórdáo recorrido que o n. 3 do artigo 135. do CPP visa táo -só assegurar uma 2.ª instância, residual, para as hipóteses em que o tribunal de

    1.ª instância, embora pendendo para o reconhecimento da legitimidade formal e substancial da recusa, continue, quanto a ele, a ter fundadas dúvidas.

    2 - Entende ainda o dito acórdáo que 'compete ao Tribunal de 1.ª instância, verificados os respectivos pressupostos formais e substanciais, determinar a quebra do sigilo bancário'.

    3 - O acórdáo fundamento, perante uma questáo de facto idêntica (recusa da prestaçáo de informaçáo bancária no âmbito de um inquérito por crime de roubo, em que o JIC ordenou a prestaçáo das requeridas informaçóes), julgou legítima a recusa e revogando a decisáo anterior ordenou que o JIC suscitasse o incidente de quebra de sigilo junto do Tribunal da Relaçáo, por considerar ser esta a única entidade competente para tal decisáo, nos termos do artigo 135., n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal.

    4 - Entende ainda que 'náo há outra forma de suprir este consentimento - face à recusa, justificada, com base no sigilo bancário, da entidade bancária - senáo pela via do aludido incidente, como sempre têm vindo a decidir os tribunais superiores, nomeadamente este Tribunal da Relaçáo, numa posiçáo inteiramente concordante com a que vem defendida no Acórdáo do STJ de 6 de Fevereiro de 2003, proferido no processo n. 1777/02'.

    5 - Nos termos do artigo 135., n. 2, do Código

    de Processo Penal, o juiz de instruçáo criminal tem competência para decidir pela ilegitimidade da escusa e determinar a prestaçáo das informaçóes ou entrega de documentos.

    6 - Contudo, a determinaçáo da ilegitimidade da recusa pelo juiz, como vem previsto no artigo 135., n. 2, do Código de Processo Penal, única disposiçáo legal no sistema jurídico português que lhe confere essa competência, implica que o juiz o faça porque entende que náo cabe a invocaçáo do dever de sigilo bancário, ou seja, que no caso náo existe dever de segredo profissional.

    7 - Seguindo tal raciocínio, a instituiçáo bancária náo pode invocar o sigilo bancário porque náo existe fundamento legal para o fazer.

    8 - Entáo, uma sua recusa em prestar as informaçóes solicitadas náo tem suporte legal e, como tal, essa recusa pode ser declarada ilegítima pelo juiz de instruçáo criminal, o que implica o dever da instituiçáo bancária em prestar as informaçóes como vêm solicitadas. Só assim se pode entender o sentido e o alcance do preceituado no artigo 135., n. 2, do Código de Processo Penal.

    9 - Náo obstante, o acórdáo recorrido entende que, tendo o tribunal de 1.ª instância entendido que a escusa era ilegítima, tanto bastaria para determinar a quebra do segredo bancário, sem necessidade de se proceder ao levantamento do incidente de quebra de segredo junto do tribunal superior.

    10 - Para que o tribunal de 1.ª instância possa proceder à dispensa de sigilo bancário, considerando injustificada a recusa anterior, tem de considerar, necessariamente, sob pena de se tornar ilógico tal raciocínio, que existe lugar à sua invocaçáo legítima. Se náo existisse dever de sigilo ele náo poderia ser dispensado.

    11 - '[a] recusa é legítima se o cumprimento do requisitado ou ordenado implicar violaçáo do sigilo profissional' Acórdáo de 27 de Janeiro de 2005 do STJ no processo n. 04B4700 (www.dgsi.pt).

    12 - Ao considerar a recusa como ilegítima (pois aplica o artigo 135., n. 2, do Código de Processo Penal e também o afirma expressamente) e, ao mesmo tempo, ao conferir -lhe carácter legítimo, pois se faz a ponderaçáo de valores é porque há lugar à invocaçáo (legítima) do dever de segredo, verifica -se contradiçáo insanável e por tal motivo a 1.ª instância náo tem competência para declarar a dispensa do dever de sigilo.

    13 - Nos termos do disposto no n. 3 do artigo 135. do mesmo Código de Processo Penal, a 1.ª instância náo pode olvidar a competência do tribunal superior para decidir da prestaçáo de informaçáo com quebra do dever de segredo profissional.

    14 - Face à legitimidade da recusa da Caixa Geral de Depósitos (o que acontece sempre que náo estejam em causa os casos legalmente excepcionados), em cumprimento do disposto no n. 3 do artigo 135. do Código de Processo Penal deve o tribunal de 1.ª instância suscitar junto do tribunal superior o incidente de quebra do dever de segredo com prestaçáo de informaçáo.

    15 - Tendo em conta todo o sistema jurídico em que a norma se insere, parece que a melhor interpretaçáo a emprestar ao artigo 135. do Código de Processo Penal é a de que, se o Tribunal considerar que a escusa é legítima mas, mesmo assim, entender que, no caso concreto, a quebra do segredo profissional se mostra justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência preponderante, entáo e só entáo, tem de solicitar a intervençáo do tribunal imediatamente superior.

    16 - Só há lugar ao aludido incidente se for ordenada a diligência com fundamento na legitimidade da escusa.

    17 - E há legitimidade da escusa sempre que as informaçóes pretendidas estejam abrangidas pelo artigo 78. do RJICSF, aprovado pelo Decreto -Lei n. 298/92, de 31 de Dezembro, e náo se verifiquem as excepçóes previstas no artigo 79. do mesmo regime, designadamente quando estáo em causa os regimes do cheque sem provisáo, do branqueamento de capitais e outros que expressamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT