Acórdão n.º 410/2008, de 24 de Setembro de 2008

Acórdáo n. 410/2008

Processo n. 1141/07

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório:

1.1 - Maria Helena Soares Cabral Vilas Boas Moraes Sarmento, Manuel Henrique Soares Cabral Vilas Boas, Abílio Peixoto Vilas Boas Forrester Zamith e Francisco Maria Vilas Boas Forrester Zamith inter-puseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n. 13 -A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 7 de Novembro de 2007, que negou provimento ao recurso de revista por eles interposto do acórdáo do Tribunal da Relaçáo do Porto, de 30 de Outubro de 2006, que, por seu turno, havia negado provimento ao recurso de apelaçáo pelos mesmos interposto contra a sentença do 2. Juízo do Tribunal do Trabalho de Guimaráes, de 13 de Junho de 2005, que, em acçáo especial emergente de acidente de trabalho intentada por Maria Rosa Freitas Teixeira (por si e em representaçáo de seus filhos menores Fábio António Freitas da Silva e Bruno Manuel Freitas da Silva), patrocinada pelo Ministério Público, os havia condenado no pagamento: (i) à autora, da pensáo anual e vitalícia de € 1455,33, acrescida de um doze avos no mês de Dezembro de cada ano, com início em 2 de Outubro de 1999 e até à idade da reforma por velhice sem doença física ou mental, e de € 1940,44 a partir da idade da reforma por velhice ou se antes viesse a autora a sofrer de doença física ou mental que afectasse sensivelmente a sua capacidade de trabalho; (ii) aos representados autores, da pensáo anual de € 970,22, acrescida de um doze avos no mês de Dezembro de cada ano, com início em 2 de Outubro de 1999, até perfazerem dezoito, vinte e dois ou vinte e cinco anos, enquanto frequentassem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, sem doença física ou mental, ou sem limite de idade, caso padecessem de doença física ou mental que os incapacitasse sensivelmente para o trabalho; (iii) a todos os autores, do montante de € 768,15, a título de despesas de funeral; (iv) à viúva, € 5,99 de despesas de transporte nas deslocaçóes ao tribunal; e (v) juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias ainda náo pagas.

De acordo com o requerimento de interposiçáo de recurso, os recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade, por violaçáo do princípio da igualdade constante do artigo 13. da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), «da aplicaçáo da Base XIX da Lei n. 2127, sem ter em conta as repercussóes que para o mesmo decorrem da Lei n. 135/99, se interpretadas no sentido de, passando o cônjuge sobrevivo do sinistrado, falecido em acidente de trabalho, a viver em uniáo de facto com outrem, náo lhe ser aplicável o n. 3 da primeira daquelas duas disposiçóes legais», na parte em que determina que «se a viúva [de vítima mortal de acidente de trabalho] passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensáo anual» a que tem direito nos termos do n. 1, alínea a), da mesma Base.

1.2 - A alegaçáo apresentada pelos ora recorrentes no recurso de revista endereçado ao STJ foi sintetizada nas seguintes conclusóes:

I - A entrada em vigor da Lei n. 135/99, de 29 de Agosto, procedendo à equiparaçáo para efeitos de prestaçóes por morte do unido de facto sobrevivo ao cônjuge sobrevivo, estendeu ao primeiro, quer a atribuiçáo do direito (Base XIX, n. 1, alínea a), da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965), quer as condiçóes e limitaçóes do exercício desse mesmo direito (Base XIX, n. 3, da Lei n. 2127).

II - Ao desconsiderar a circunstância de a autora viver em uniáo de facto com outro homem - há mais de 2 anos quando foi proferida a primeira sentença, há mais de 5 anos quando da segunda sentença na primeira instância e há mais de 6 aquando da prolaçáo do acórdáo recorrido - para efeitos do cálculo das prestaçóes por morte, o Tribunal da Relaçáo náo considerou a entrada em vigor da Lei n. 135/99, de 28 de Agosto, e a sua aplicaçáo à Lei n. 2127.

III - Provado que foi que a autora vive, pelo menos desde Agosto de 2000, em uniáo de facto com outro homem, o Tribunal recorrido dever -lhe -ia ter concedido, nos termos do n. 3 da referida Base XIX da Lei n. 2127, de uma só vez, o montante equivalente ao triplo da pensáo anual.

IV - A alínea a) do n. 1 e do n. 3 da Base XIX da Lei n. 2127, na interpretaçáo que lhes foi dada pelo acórdáo recorrido, no sentido de apenas proceder à extensáo aos unidos de facto da previsáo daquele normativo e náo das condiçóes do respectivo exercício (n. 3 daquela norma), operada pela entrada em vigor da Lei n. 135/99, é manifestamente inconstitucional, por violaçáo do princípio da igualdade previsto no artigo 13. da Constituiçáo da República Portuguesa, na medida em que permite tratar de forma mais favorável os beneficiários de prestaçóes por morte em acidente de trabalho que venham a contrair uniáo de facto do que os que venham a contrair novo casamento, ao arrepio também do disposto no artigo 36. do Diploma Fundamental.

V - Quando a razáo de ser da atribuiçáo de prestaçóes por morte ao cônjuge sobrevivo e ao unido de facto sobrevivo se baseiam na perda do 'amparo' que o falecido trazia para a vida familiar e que por virtude da sua morte aqueles deixam de auferir (cf., neste sentido, o recente acórdáo da Relaçáo de Coimbra, de 28 de Março de 2006).

VI - E o fundamento daquelas prestaçóes - que normalmente, se náo forem remidas, se estendem por vários anos - a que aludia o n. 3 do Base XIX da Lei n. 2127 e a que agora alude o artigo 20., n. 3, da Lei n. 100/97 está justamente no facto de o sobrevivo (cônjuge ou

unido de facto) ter na data em que as pensóes háo -de ser pagas encontrado novo amparo, seja por casamento, seja por uniáo de facto.

VII - A viúva apenas tem direito a receber as prestaçóes correspondentes ao período de tempo entre a morte do seu cônjuge (1 de Outubro de 1999) e a data em que passou a viver em uniáo de facto com outro homem, como se fossem marido e mulher (Agosto de 2000), acrescidas por referência a essa data do triplo da pensáo anual.

1.3 - O acórdáo do STJ, de 7 de Novembro de 2007, ora recorrido, negou a revista e desatendeu a arguiçáo de inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes, com base na seguinte fundamentaçáo:

3 - Resulta das 'conclusóes' dos impugnantes do recurso principal que a questáo que os mesmos pretendem ver submetida ao escrutínio deste Supremo Tribunal se liga, essencialmente, em saber se a autora, pelo facto de passar a viver em uniáo de facto com outro homem, tem direito, desde essa vivência, a que lhes sejam concedidas as prestaçóes devidas pela morte do sinistrado ou, ao invés, se lhe náo haveria somente de ser concedido o montante previsto no n. 3 da Base XIX da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, sendo que os mesmos recorrentes entendem que a interpretaçáo que foi perfilhada no acórdáo recorrido, no sentido de a previsáo da equiparaçáo, para efeitos de atribuiçáo de prestaçóes por morte do cônjuge ao unido de facto, previsáo essa operada pela Lei n. 135/99, de 28 de Agosto, se estender táo -só à concessáo do benefício e náo já às condiçóes do respectivo exercício, seria manifestamente inconstitucional, por violaçáo do princípio da igualdade, na medida em que permite tratar mais favoravelmente os beneficiários que venham a contrair uniáo de facto, referentemente aos que venham a contrair casamento.

Tendo em conta o que se prescreve no artigo 41. da Lei n. 100/97, de 13 de Setembro, a data da entrada em vigor do Decreto -Lei n. 142/99, de 30 de Abril (cf. seu artigo 71., n. 1), e a data da ocorrência do acidente de que versam os presentes autos [1 de Outubro de 1999], náo será a disciplina jurídica emergente daqueles diplomas a aplicável ao caso em apreço, mas sim a legislaçáo que a esta última data vigorava, designadamente, no que agora mais importa, a Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965.

4 - De harmonia com o dispositivo ínsito na primeira parte do

n. 3 da Base XIX daquela Lei n. 2127, se a viúva (que, de acordo com o n. 1, alínea a), terá jus, em caso de acidente de que resulte a morte do seu marido, caso se tiver casado antes do acidente, a uma pensáo anual de 30 por cento da retribuiçáo base da vítima até perfazer 65 anos, e 40 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho) passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensáo anual.

Nesse diploma, atento o contexto temporal e social em que foi editado, náo se previa que, nas situaçóes de infortúnio laboral de que resultasse a morte do trabalhador acidentado e estando este ligado a outrem por vínculo náo matrimonial, quem com o mesmo estivesse unido de facto iria desfrutar, por algum modo, de benefício similar àquele que era titulado pelo cônjuge na constância do matrimónio aquando do acidente (ou o cônjuge divorciado ou judicialmente separado à data do acidente, mas que tivesse direito a alimentos - cf. alínea c) do n. 1 da falada Base XIX).

Porventura no entendimento de acordo com o qual o que vem consagrado no n. 1 do artigo 36. da Constituiçáo abarca dois direitos, justamente o direito de constituir família e o direito de contrair casamento - náo admitindo, por isso, nesse entendimento, a Lei Fundamental que o conceito de família se circunscreva somente à denominada 'família matrimonial

esteada na celebraçáo ou produto do negócio jurídico do casamento, tal como é legalmente erigido - , foi, no que agora interessa, editada a Lei n. 135/99, de 29 de Agosto, que intentou regular a situaçáo jurídica das pessoas de sexo diferente e que vivam em uniáo de facto (cf. seu artigo 1.).

De entre as suas variadas disposiçóes, prescreveu -se no seu artigo 3., alínea g), que quem viva em uniáo de facto tem direito à prestaçáo...

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