Acórdão n.º 398/2008, de 24 de Setembro de 2008

Acórdáo n. 398/2008

Processo n. 410/2007

Acordam na 3.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

I - Relatório

Em 8 de Janeiro de 2003, PROFESSO - Promoçáo da Formaçáo e Ensino, L.da, interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulaçáo do despacho do Secretário de Estado da Administraçáo Educativa, de 17 de Julho de 2002, que aplicara à recorrente, a título de sançáo disciplinar - e ao abrigo do disposto no artigo 99., n. 1, alínea b), do Decreto -Lei n. 553/80 (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo), bem como do disposto nos artigos 1., alínea b) e 3., alíneas c) e g) da Portaria n. 207/98, de 28 de Março - a pena de multa de oito salários mínimos nacionais, ordenando igualmente a reposiçáo da importância de 75.972,18 euros.

Por Acórdáo de 14 de Dezembro de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo, considerando improcedentes todas as conclusóes das alegaçóes da recorrente, negou provimento ao recurso.

Inconformada, a recorrente intentou recurso para o Pleno da 1.ª Secçáo do Supremo Tribunal Administrativo, entre o mais sustentando nas conclusóes das alegaçóes de recurso:

  1. O Dec. -Lei n. 553/80 de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) é originariamente inconstitucional, na medida em que:

    1. sem credencial parlamentar, regulou aspectos essenciais de uma liberdade abrangida pelo regime de direitos, liberdades e garantias - a liberdade de criaçáo de escolas, enquanto dimensáo específica da liberdade de ensino e de educaçáo ("liberdade de aprender e ensinar") e como dimensáo da liberdade de iniciativa económica privada - e, consequentemente, pela reserva de lei, dando assim corpo a uma inconstitucionalidade orgânica;

    ii) remeteu para Portaria do Governo a regulaçáo de matérias que, na versáo da CRP em vigor em 1980, já integravam a reserva relativa da Assembleia da República: o Governo náo estava autorizado pela Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n. 9/79) a legislar sobre matéria de instituiçáo de ilícitos e sançóes por infracçóes ao regime do ensino particular e cooperativo.

  2. Após a revisáo constitucional de 1982, agudizou -se a inconstitucionalidade do Dec. -Lei n. 553/80, em matéria de sançóes a aplicar às escolas particulares e cooperativas, em especial o seu artigo 99., passando entáo a existir também uma inconstitucionalidade superveniente (inconstitucionalidade material e orgânica), na medida em que, em violaçáo do n. 5 do artigo 115. da CRP (hoje n. 6 do artigo 112. da CRP), passou a remeter em branco toda a matéria sancionatória para um acto normativo de natureza regulamentar, operando a deslegalizaçáo de uma matéria que, pela sua natureza, é de reserva legislativa;

  3. A Portaria n. 207/98, publicada já após a revisáo constitucional de 1982, constitui um regulamento integrador de natureza substantiva e procedimental, em violaçáo do citado n. 5 do artigo 115. da CRP;

  4. A inconstitucionalidade do artigo 99. -4 do Decreto -Lei n. 553/80 provoca, por si só, a ilegalidade da Portaria n. 207/98 (inconstitucionalidade da lei habilitante);

  5. A Portaria n. 207/98 enferma de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que se ocupa de matérias que, nos termos da CRP, sáo da competência exclusiva da Assembleia da República: regime de puniçáo de infracçóes disciplinares e do respectivo processo.

  6. Tal Portaria já náo podia sequer "legislar" sobre o regime de puniçáo de infracçóes disciplinares e respectivo processo, por se tratar de matéria da competência exclusiva da Assembleia da República (artigo 165., n. 1, d) da CRP).

  7. Daí que a sançáo disciplinar aplicada com fundamento no Dec. -Lei n. 553/80 e Portaria n. 207/98, bem como as consequências financeiras dela decorrentes, estáo feridas de violaçáo da lei (por ausência de suporte legal válido) e de inconstitucionalidade, material e orgânica, sendo inevitável a sua anulaçáo.

    Por Acórdáo de 23 de Janeiro de 2007, foi negado provimento ao recurso jurisdicional, tendo o Pleno da 1.ª Secçáo de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo considerado, no ponto 5.1. da inerente fundamentaçáo, o seguinte:

    No que respeita às questóes apreciadas pelo acórdáo recorrido, continua desde logo a recorrente a persistir na questáo da inconstitucionalidade das normas que permitem a aplicaçáo de sançóes e ordem de devoluçáo das quantias recebidas no âmbito do contrato que a recorrente celebrou com os serviços da entidade recorrida e cuja inconstitucionalidade configura, como se entendeu no Ac. recorrido, bem como no acórdáo do Pleno de 22.06.2006, essencialmente em três dimensóes:

    - o Decreto -Lei n. 553/80, de 21 de Novembro, é organicamente inconstitucional por náo se basear em autorizaçáo legislativa, que a Recorrente entende necessária para legislar sobre a instituiçáo de ilícitos contraordenacionais e respectivas sançóes;

    - subsidiariamente, defende que, após a revisáo constitucional de 1982, aquele Decreto -Lei n. 553/80, em especial o seu artigo 99., enferma de inconstitucionalidade superveniente, material e orgânica, por afrontar o n. 5 do artigo 115. da CRP, na redacçáo de 1982 (a que corresponde, actualmente, o n. 6 do artigo 112.);

    - a Portaria n. 207/98, de 28 de Março, emitida já depois da revisáo constitucional da 1982, constitui um regulamento integrador de natureza substantiva e procedimental em violaçáo do citado n. 5 do art 115. da CRP, na redacçáo de 1982 violando ainda o disposto no artigo 165., n. 1, alínea d), da CRP, por estabelecer normas sobre o regime de puniçáo de infracçóes disciplinares e respectivo processo, que é matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

    Perante a verificaçáo das alegadas inconstitucionalidades a sançáo disciplinar que lhe foi aplicada careceria, no entender da recorrente, de "suporte legal válido".

    A alegada inconstitucionalidade foi decidida pelo acórdáo recorrido (aderindo a anterior jurisprudência do STA, nomeadamente ao decidido no ac. de 11.05.04, rec. 2054 (posteriormente confirmado por unanimi-dade pelo Ac. do Pleno de 22.06.2006), nos seguintes termos:

    "O despacho recorrido contém dois comandos distintos (quanto ao conteúdo decisório, incluindo a natureza da matéria sobre que versam) ainda que funcionalmente ligados.

    Na primeira parte, o despacho aplica a sançáo administrativa re-vista no artigo 99. do DL n. 553/80, de 21.11 e no n. 1. alínea b) da Portaria n. 207/98, de 28.3, com fundamento no náo cumprimento do estipulado no contrato de associaçáo celebrado entre o Estado e o Instituto Vasco da Gama: na segunda, ordena a reposiçáo nos Cofres do Estado de determinada quantia e a devoluçáo de outras [...], como obrigaçáo que resultaria daquela aplicaçáo indevida dos apoios financeiros.

    Ou seja, conforme se refere no citado acórdáo de 11.05.04 (rec. 2054/02), «as duas decisóes, ainda que partindo do mesmo facto de incumprimento do contrato de associaçáo, retiram dele diferentes consequências, uma sancionatória e outra constitutiva de deveres de prestar.

    Os vícios que vêm apontados aos dois actos assentam em diferentes questóes jurídicas: os apontados ao primeiro acto sáo atinentes a questóes do direito sancionatório e os vícios apontados ao segundo assentam em questóes da disciplina dos contratos administrativos de associaçáo, pelo que teremos de os analisar em separado quanto a cada um dos pertinentes conteúdos decisórios».

    (...)

    40224 As questóes de inconstitucionalidade:

    Estas questóes foram profusa e correctamente analisadas no alu-dido acórdáo de 11.5.04, pelo que, merecendo a nossa concordância transcreve -se o que a tal respeito se ponderou no referido aresto:

    "As questóes de inconstitucionalidade suscitadas respeitam à aplicaçáo de uma sançáo, pelo que é apenas nesta perspectiva que as passamos a analisar.

    A precedência desta questáo em relaçáo às demais resulta do facto de a sua eventual procedência deixar o acto sem suporte legal válido, pelo que uma anulaçáo com esse fundamento esgotaria desde logo a utilidade do recurso, uma vez que o acto assim anulado seria irrepetível no enquadramento em que foi praticado ou noutro homólogo.

    [...]

    Vejamos se procedem os fundamentos acima condensados.

    A Lei 9/79 de 19 de Março estabeleceu as bases gerais do Ensino Particular e Cooperativo e previu o respectivo desenvolvimento de modo que o n. 5 do artigo 8. incumbiu o Governo de estabelecer a regulamentaçáo dos contratos de concessáo de apoios e subsídios e a respectiva fiscalizaçáo.

    O DL 553/80, de 21.11, veio definir, em desenvolvimento daquela Lei um quadro orientador, autodenominado Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, maleável, sem a preocupaçáo de exaustividade prescritiva, que remete para legislaçáo complementar toda a matéria susceptível de regulamentaçáo especial (referências retiradas do texto do respectivo preâmbulo).

    Este Decreto-Lei tal como a Lei que regulamenta assentam no princípio da liberdade de aprender e ensinar compreendendo a liberdade dos pais de escolher e orientar o processo educativo dos filhos - artigo 2., n. 1.

    Para assegurar estas liberdades e direitos o diploma reconhece o dever do Estado de apoiar a família nas despesas de educaçáo dos filhos instituindo para o efeito subsídios.

    Uma das formas de subsidiar a educaçáo que foi adoptada por este diploma é o apoio financeiro às escolas particulares através de diversos tipos de contratos, entre eles o contrato de associaçáo que tem por fim possibilitar a frequência das escolas particulares nas mesmas condiçóes de gratuitidade do ensino público.

    Estes contratos concedem às escolas além dos benefícios fiscais e financeiros gerais um subsídio por aluno igual ao custo de manutençáo e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente (artigo 15.).

    Em contrapartida, os contratos de associaçáo obrigam as escolas nos termos do artigo 16. a efectivar o ensino em termos de custos de acordo com o orçamento anual de gestáo a apresentar e para controlo desta execuçáo obriga à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT