Acórdão n.º 69/2004, de 29 de Setembro de 2004

Acórdão n.º 69/2004 Processo n.º 479/2001 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - Relatório. - 1 - O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira vem requerer, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade das normas adiante referidas, constantes dos artigos 23.º, 27.º e 31.º do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2001/M, de 27 de Junho, que estabelece o estatuto disciplinar dos alunos dos ensinos básico e secundário da Região Autónoma da Madeira, e que são do seguinte teor: 'Artigo 23.º Aplicação das medidas disciplinares 1 - A aplicação das medidas disciplinares de advertência e de repreensão registada não carece de processo.

2 - A aplicação das medidas disciplinares de realização de actividades úteis à comunidade escolar, de inibição de participar em actividades de complemento curricular e de suspensão da frequência da escola depende de um processo de averiguação sumária.

3 - O comportamento cuja gravidade seja susceptível de aplicação da pena de expulsão da escola no ano lectivo determina a instauração de processo disciplinar.

Artigo 27.º Conselho de turma disciplinar 1 - Recebido o relatório do instrutor, compete ao director ou presidente do órgão de gestão convocar o conselho de turma disciplinar, que reunirá com carácter de urgência em prazo não superior a dois dias úteis.

2 - O conselho de turma disciplinar é presidido pelo director ou presidente do órgão de administração e gestão e tem a seguinte composição: a) Professores da turma; b) Delegado e subdelegado dos alunos da turma; c) Um representante dos pais ou encarregados de educação dos alunos da turma; d) Um representante da associação de pais e encarregados de educação.

3 - O director ou presidente do órgão de administração e gestão pode solicitar a presença no conselho de turma disciplinar de um técnico dos serviços especializados de apoio educativo, designadamente do núcleo de apoio educativo ou dos serviços de psicologia e orientação.

4 - Os elementos que detenham a posição de interessados no procedimento não podem participar no conselho de turma disciplinar.

5 - Se, devidamente convocados, os representantes dos alunos ou dos pais e encarregados de educação não comparecerem, o conselho reúne sem a sua presença.

Artigo 31.º Recursos hierárquicos 1 - Da decisão da aplicação da medida disciplinar cabe recurso hierárquico a interpor perante o director ou presidente do órgão de administração e gestão da escola, no prazo de cinco dias úteis.

2 - É competente para apreciar o recurso hierárquico num prazo de 10 dias úteis: a) O director ou presidente do órgão de administração e gestão da escola, tratando-se de recurso interposto de medida disciplinar aplicada pelo director deturma; b) O Secretário Regional de Educação, tratando-se de recurso interposto de medida disciplinar aplicada pelo director ou presidente do órgão de administração e gestão da escola.' 2 - Alega, em síntese, o Ministro da República: A Assembleia Legislativa Regional da Madeira, ao abrigo do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), e no artigo 228.º, alínea o), da Constituição da República Portuguesa e no artigo 37.º, n.º 1, alínea c), e no artigo 40.º, alínea o), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, e revisto pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, aprovou um diploma que veio a ser assinado e publicado como o Decreto Legislativo Regional n.º 15/2001/M, que define o estatuto disciplinar dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário da Região Autónoma da Madeira; O mencionado decreto não contém, seja na exposição preambular seja no articulado, qualquer referência ao Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, não obstante a natureza por este assumida de lei geral da República e a circunstância de versar sobre matéria idêntica à que ali é tratada - o estatuto disciplinar dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário -, mas é nele claramente inspirado, constituindo algumas das suas disposições uma quase integral reprodução dos seus preceitos; O diploma em apreço, em alguns dos seus preceitos, não respeitou, como se impunha, princípios fundamentais caracterizadores do estatuto disciplinar dos alunos dos ensinos básico e secundário, talqualmente naquele decreto-lei são definidos; Ora, tendo em conta que o Decreto-Lei n.º 270/98 foi editado para valer como lei geral da República, nos termos do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição (no desenvolvimento do regime jurídico a que se referem os artigos 43.º e 45.º da Lei n.º 46/86, de 24 de Outubro, alterada pela Lei n.º 115/99), a legislação regional incidente sobre aquela matéria não podia deixar de ter presente os princípios fundamentais daquele regime jurídico; Nos termos do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição 'são leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e assim o decretem', sendo que os princípios fundamentais destas leis devem apresentar-se como normas rectoras, essenciais, no quadro da estrutura e do sistema contidos na disciplina básica do regime jurídico instituído, e tanto podem ser os princípios fundamentais de certa e determinada lei como os ínsitos na ordem legislativa no seu conjunto, no 'bloco de legalidade' (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. V, Coimbra, 1997, pp. 401 e segs.); Os princípios fundamentais de leis gerais da República abrangem as 'regras consagradas na lei [que] são necessária decorrência de princípios constitucionais que, especificamente, vinculam o regime jurídico da matéria' (cf. Acórdão n.º 631/99, publicado no Diário da República, 1.' série-A, n.º 300, de 28 de Dezembro de 1999) e abrangem também as normas que traduzam uma opção legislativa fundamental, ainda que não surjam catalogadas de princípio fundamental do regime jurídico instituído pela própria lei geral da República; Ora, tendo presente os objectivos proclamados, no seu exórdio, pelo Decreto-Lei n.º 270/98 - definir um código de conduta a adoptar nos estabelecimentos de ensino e explicitar o estatuto dos alunos, na dupla componente de direitos e deveres, numa dinâmica de construção gradual da sua personalidade e de formação do seu carácter, sem a vocação essencialmente punitiva que se encontrava subjacente à Portaria n.º 679/77, de 8 de Novembro, por ele revogada -, hão-de considerar-se seus princípios fundamentais, por traduzirem uma opção legislativa essencial, os que consagram garantias de defesa do aluno face à aplicação de medidas educativas disciplinares em consequência da prática de um comportamento violador dos deveres a que se encontra submetido; Nesta conformidade, quando no artigo 23.º desta lei geral da República se impõe, no caso de comportamento do aluno, objecto de participação, a obrigatoriedade de instauração de um processo de averiguação sumária, no qual serão ouvidos o aluno, o participante e eventuais testemunhas, como pressuposto de aplicação pelo professor titular ou pelo director de turma das medidas educativas disciplinares de advertência ao aluno e advertência comunicada ao encarregado de educação, institui-se ali, seguramente, um princípiofundamental; Do mesmo modo, os artigos 24.º e 25.º daquela lei geral, ao preverem que a aplicação das medidas educativas disciplinares de repreensão registada, de actividades de integração na comunidade educativa, de suspensão da frequência da escola até 10 dias úteis, de transferência da escola e de expulsão da escola estejam dependentes de procedimento disciplinar, a realizar nos termos dos seus artigos 26.º e seguintes, devem ser havidos como princípios fundamentais; Pelas mesmas razões de garantia de defesa do aluno, se deve entender que a previsão contida no artigo 28.º, n.º 2, quando atribui ao conselho de turma disciplinar competência para emitir parecer sobre o relatório do instrutor e formular a proposta de realização das tarefas de integração na comunidade educativa a realizar pelo aluno, reveste também a natureza de princípio fundamental; Finalmente, na medida em que o artigo 33.º, sempre do Decreto-Lei n.º 270/98, prevê a existência de uma comissão arbitral, para actuar como instância de regulação de conflitos no âmbito da comunidade educativa, intervindo a pedido dos interessados, há-de entender-se que a existência desta comissão se apresenta também como instrumento garantístico, revestindo a natureza de princípiofundamental; Todavia, o diploma regional em apreço não observa, em diversos dos seus preceitos, os princípios fundamentais acabados de enunciar; Os artigos 19.º e 23.º, n.º 1, do decreto legislativo regional, na sequência de um comportamento objecto de participação, em sede de aplicação pelo director de turma das medidas disciplinares de advertência comunicada ao encarregado de educação e de advertência ao aluno (ao contrário do que sucede com o artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 270/98), não prevêem a necessidade de existência de um processo de averiguação sumária, no qual se proceda à audição do aluno, do participante e de eventuais testemunhas, podendo assim ser aplicadas as medidas disciplinares de advertência e de advertência comunicada ao encarregado de educação, sem audição de todos os intervenientes no processo; Ainda no artigo 23.º, n.º 1, o diploma regional prevê que a aplicação da medida disciplinar de repreensão registada 'não carece de processo', estabelecendo apenas (pelo artigo 20.º, n.º 2) que a entidade competente para aplicar a medida disciplinar de repreensão registada pode solicitar o parecer do conselho de turma disciplinar sempre que o entenda conveniente; Paralelamente, o artigo 23.º, n.º 2, do mesmo diploma regional faz depender tão-só de um processo de averiguação sumária a aplicação das medidas disciplinares de realização de actividades úteis à comunidade escolar, de inibição de...

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