Recomendação n.º 2/2019

Data de publicação17 Julho 2019
SectionSerie II
ÓrgãoEducação - Conselho Nacional de Educação

Recomendação n.º 2/2019

Sumário: Recomendação para uma política de Educação e Formação de Adultos.

Recomendação para uma política pública de Educação e Formação de Adultos

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pelos Conselheiros Rui Canário, Cristina Vieira e Luís Capucha o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 4 de junho, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo a presente Recomendação que é complementada pelo Relatório Técnico disponível em www.cnedu.pt

Aprender sempre

Aprender sempre é um imperativo das sociedades contemporâneas. O caráter inacabado do ser humano obriga-o a aprender, num processo permanente que engloba todo o ciclo de vida e está presente em todos os momentos e lugares da experiência humana. Está em causa aprender ao longo e ao largo da vida num processo educativo de construção da autonomia que deveria ser função de toda a sociedade e que é transversal a todas as dimensões do social. É esta visão ampla da educação que permite equacionar os problemas inerentes ao campo extremamente diverso que é hoje a Educação e Formação de Adultos (EFA). Numa perspetiva de valorização da aprendizagem, reconhecendo que muito do que se aprende não é intencionalmente ensinado, o que é verdadeiramente importante é multiplicar as oportunidades de aprendizagem, tendo em conta a diversidade de domínios e a pluralidade de contextos, práticas e metodologias que fazem parte do património da EFA. Uma tal finalidade implica articular de forma virtuosa as modalidades de educação formal, não formal e informal, articular as iniciativas do Estado, das empresas e da sociedade civil, visar a totalidade da população adulta, conferindo uma particular atenção e prioridade aos menos qualificados que são também, geralmente, os mais desfavorecidos socialmente.

Estamos perante um desígnio de natureza civilizacional que pretende instituir-se como um pilar central de construção do futuro, em resposta aos grandes problemas com que se confronta hoje a humanidade: mutações do mundo do trabalho e da economia, revolução digital, desigualdade social, económica, de género, étnica e linguística, evolução demográfica e fluxos migratórios, sustentabilidade do planeta, afirmação de uma cultura de diálogo e paz, com base no respeito pelos direitos humanos e no reforço da democracia. O conhecimento desempenha um papel central na configuração de todos estes problemas e também na luta para os combater. Nesta perspetiva, a EFA afirma-se como o instrumento de excelência capaz de dotar as pessoas de competências para o exercício de uma atitude cidadã, informada e responsável face a todos eles. A EFA afirma-se, assim, no mundo atual como uma prioridade educativa que exige ser traduzida em políticas públicas, coerentes e sistemáticas que englobem numa mesma visão humanista a educação e a formação de quem exerce a sua cidadania numa sociedade plural onde somos todos responsáveis pelo bem comum.

Em Portugal tem faltado, como tem sido assinalado em várias tomadas de posição do CNE (desde o último quartel do século XX), bem como em trabalhos científicos de autores de referência (Alves e outros 2016; Lima, 2005, Melo, Lima e Almeida, 2002), uma política pública de EFA global, continuada e sistemática. O setor da EFA, em Portugal, tem sido historicamente marcado por uma marginalidade que acompanha medidas políticas parciais, fragmentadas, descontinuadas e com insuficiente massa crítica. A situação pode, contudo, ser superada com o recurso a um riquíssimo património de experiências e de sabedoria acumulada ao longo do nosso regime democrático, como aliás comprova um curto período da nossa história recente, entre 2000 e 2011, em que foi dotada de objetivos, meios e visibilidade que lhe permitiu ganhar uma escala que se aproxima da dimensão do problema (Capucha, 2013). Contribuir para dar resposta a esta omissão, em termos de política pública de EFA, representa o principal objetivo e a principal preocupação subjacentes a esta Recomendação.

Recentemente, a partir de 2016, o lançamento do Programa Qualifica constituiu um sinal de esperança na retoma de um investimento público na EFA que conheceu, desde 2011, um notório desinvestimento, bem documentado em termos estatísticos, traduzido numa acentuada queda do número de pessoas adultas inscritas em ofertas públicas de EFA. O reconhecimento da natureza positiva do Programa Qualifica não obsta a que se considere que é necessário reforçá-lo e ir mais além, alargando e diversificando as ofertas, chegando a todos os públicos, sobretudo os mais pobres, tanto nas regiões mais urbanas e densas do litoral, como nas mais deprimidas do interior.

O ponto de partida para a elaboração da presente Recomendação foi a organização e realização, pelo CNE, de um importante colóquio, realizado em setembro de 2018, sobre a situação da EFA em Portugal, subordinado ao lema de "não deixar ninguém para trás". O conjunto de intervenções e os debates realizados nesse colóquio representam uma massa de informação preciosa que é uma das bases de fundamentação do presente documento. Em segundo lugar, a realização no CNE, em dezembro de 2018 e janeiro de 2019, de uma importante série de audições a entidades e individualidades relevantes no campo da EFA, em Portugal, permitiu um conhecimento próximo dos problemas e expectativas que atravessam este campo de práticas sociais. Finalmente, apoiamo-nos ainda no Relatório Técnico sobre Educação e Formação de Adultos elaborado pelos serviços de assessoria do CNE, com a finalidade expressa de dar suporte à elaboração do presente documento.

EFA: uma "chave para o século XXI"

O final do milénio representou um período muito rico, em termos da importância decisiva da EFA e do seu enquadramento numa política global de educação ao longo de toda a vida (CNE Parecer 3/2001). Assim, 1996 foi proclamado "Ano Europeu da Educação e Formação ao Longo da Vida" para o qual foi preparado um "Livro Branco" pela Comissão Europeia. Por outro lado, no quadro da designada "Estratégia de Lisboa", foi elaborado um memorando sobre "Aprendizagem ao Longo da Vida" que deu origem ao Parecer do CNE, supracitado. Nesta fase de transição do milénio houve um debate generalizado em Portugal, no qual o CNE desempenhou um papel de referência, emergindo a política de EFA como objetivo central no processo de construção do projeto de integração europeia. O evento mais marcante deste período terá sido a realização, em Hamburgo, em 1997, de uma Conferência Internacional sobre EFA (UNESCO, 1997) que propôs como agenda fazer da Educação de Adultos uma chave para o futuro que, mais que um direito, se afirma como a consequência de uma cidadania ativa e de uma participação plena na vida da sociedade.

Portugal participou nesta importante realização internacional e essa participação foi rica de consequências para decisões políticas que, em Portugal, marcaram positivamente, a EFA durante a primeira década do século XXI. Referimo-nos à criação da ANEFA (Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos) que, embora efémera, veio a concretizar duas inovações muito importantes e que perduraram: O Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, bem como os Cursos EFA. Nessa mesma...

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