Recomendação n.º 1/2016

Data de publicação19 Dezembro 2016
SeçãoSerie II
ÓrgãoEducação - Conselho Nacional de Educação

Recomendação n.º 1/2016

Recomendação sobre a condição docente e as políticas educativas

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pela Conselheira Maria da Conceição Castro Ramos o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 8 de junho, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo a primeira Recomendação do ano de 2016 que é complementada pelo Relatório Técnico disponível em www.cnedu.pt.

Nota Prévia

Inicialmente concebido como um documento de trabalho para uma base comum de informação e conhecimento sobre a condição docente, o conjunto de debates e reflexões desenvolvido na 5.ª Comissão Especializada Permanente permitiu a construção de uma visão partilhada e consensualizada, que agora se apresenta sob a forma de Recomendação, centrada nos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

A Recomendação da OIT/Unesco relativa à condição dos professores (1966) (1) inspirou de algum modo o título deste documento - A condição docente e as políticas educativas -, na medida em que, nas suas intenções substanciais, os dois textos se aproximam.

Se é certo que as interrogações e propostas com que abordamos a realidade nacional de hoje não se compaginam com o contexto histórico de há 50 anos em que foi redigida a Recomendação da OIT/Unesco, o mesmo não acontece com os princípios que se mantêm pertinentes e necessários tais como "dever ser assegurado ao professor uma posição social que esteja de acordo com o seu papel essencial na evolução da educação e com a importância do seu contributo para o desenvolvimento do ser humano e da sociedade".

Num documento desta natureza entende-se que é necessário sublinhar dois aspetos de inequívoca importância: a explicitação dos princípios, regras, normas e valores da profissão para que sejam verdadeiramente interiorizados, resistam às dúvidas e às transgressões e sejam duradouros e, a demonstração da coerência e da compatibilidade desses princípios no quadro das políticas educativas.

Introdução

Embora ninguém duvide da importância dos professores e do seu papel na educação e formação das gerações futuras, na transmissão e renovação da cultura, na conservação e desenvolvimento dos valores e do progresso, a profissão docente é ainda uma profissão difícil de caracterizar em todas as dimensões: individuais, coletivas, sociais, pedagógicas e éticas.

Esta dificuldade advém do facto de a identidade profissional dos professores configurar um processo sócio histórico em que se foram e vão sobrepondo diversas componentes identitárias, por se exercer na confluência de múltiplas relações e interações (alunos, pais, autoridades educativas e instituições da comunidade) e pelos contornos que tem vindo a assumir nas diferentes reformas da educação, adquirindo, por esta via, um conjunto de papéis e de funções cada vez mais complexo. Para uma visão geral: tendências e questões

Um olhar sobre o perfil demográfico (2) do universo dos docentes de todos os níveis de educação e ensino, em exercício em 2014, evidencia seis tendências gerais e comuns:

1 - Envelhecimento crescente e constante do corpo docente das escolas;

2 - Desequilíbrio quanto ao género em todos os níveis de educação e de ensino, sendo o corpo docente maioritariamente feminino;

3 - Decréscimo acentuado do número de docentes em exercício, que pode ser justificado, entre outras razões, pela aposentação, pelo impacto de políticas de orientação curricular e de gestão de recursos, pela diminuição da população escolar e pelo redimensionamento da rede;

4 - Número expressivamente crescente de educadores de infância e de professores sem colocação, devidamente profissionalizados, muitos dos quais com vários anos de serviço;

5 - Número pouco significativo de novos docentes que entram no sistema em todos os níveis de educação e ensino;

6 - Número crescente de docentes em exercício com níveis de qualificação elevados, não só acima da média europeia, mas também superiores ao exigido para o nível de ensino a que estão vinculados;

7 - Emergência de situações de precariedade no exercício das funções docentes em todos os níveis de educação e de ensino, situação que provoca instabilidade profissional e institucional.

Esta realidade, sucintamente enunciada, sugere cinco questões:

Como renovar o corpo docente e assegurar a passagem de conhecimento e experiência entre gerações?

Como promover um melhor equilíbrio de género nos diferentes níveis de educação e ensino?

Que formação de docentes para promover a substituição dos educadores e professores que se irão aposentar ou sair do sistema nos próximos 10-15 anos?

Como gerir o capital acumulado de conhecimento e experiência dos professores em exercício e daqueles outros profissionalizados e com vários anos de serviço que não conseguem colocação, numa perspetiva de curto, médio e longo prazo, face à realidade presente (menos alunos, insuficiente qualificação da população portuguesa (3), baixos níveis de sucesso escolar).

Como fazer face à emergência de precariedade, quando num quadro de restrições orçamentais se verifica a existência de docentes contratados com muitos anos de serviço e, simultaneamente, se regista a existência de necessidades reais?

Estas questões concretas exigiriam uma resposta simples, objetiva e concisa.

Contudo, há três razões que tornam difícil fazê-lo numa visão geral e alargada como aquela que se propõe: 1.ª a interdependência e complexidade dos tópicos-chave; 2.ª o entendimento de que o esforço para responder - pelo menos em parte - deve abrir-se ao reconhecimento de que algumas das soluções passadas se tornaram inaplicáveis; 3.ª as respostas que as questões colocadas suscitam eximem-se à simplicidade e concisão por interpelarem vários domínios: político, jurídico, ético e científico.

Compreendendo que se passou de um tempo (o último quartel do século XX), em que na Educação era preciso apostar no crescimento, para outro (primeira década do século XXI), em que a aposta se centra na qualidade, estas questões lançam a necessidade de identificar princípios e meios para reconstruir a nossa capacidade de gerir as mudanças num momento histórico de enorme complexidade.

Esta abordagem exige conhecer o pensamento político sobre a missão da escola e a função do professor, a visão normativa que regula a profissão e define perfis. E não poderá ignorar os papéis e as condições concretas em que estes se exercem, bem como os vários contextos que os determinam ou condicionam.

A missão da escola e do professor

A missão e função do professor não podem ser dissociadas da missão da escola. Esta revela-se complexa, ambivalente e excessiva com a sobreposição continuada de mandatos e visões políticas sobre o papel e funções docentes. É condicionada por múltiplos contextos e processos de natureza histórica, social, política e científica de entre os quais se destacam:

a) Num plano mais geral, a influência da conceção próxima ou já contemporânea da sociedade do conhecimento, que dinamiza e ao mesmo tempo responde às exigências da sociedade de informação e aos desafios da globalização e da mundialização das economias;

b) A perda de influência de uma axiologia humanista definida como referência essencial de ensino e formação;

c) A ascendência do pensamento de organizações internacionais no contexto geopolítico em que nos situamos e a vontade expressa de alcançar metas estratégicas para a educação e formação (4), bem como a participação em programas internacionais sobre ensino e aprendizagem (5);

d) Novos parceiros sociais e culturais, cuja ação interfere na construção do currículo (6) a que se associam as tecnologias de informação apresentadas como solução para a eficácia do ensino;

e) Políticas de delegação de competências em matéria de educação e formação, designadamente para os municípios com impacto na configuração de funções e papéis docentes.

E também por condicionantes de natureza pedagógica com efeitos transformadores sobre a missão e a função da escola e do professor, tais como:

a) Os efeitos resultantes de múltiplos movimentos educativos e de teorias pedagógicas (7) baseados em conceções distintas sobre o sentido da educação e com implicações na visão do perfil docente e consequências num exercício profissional polivalente e multifuncional;

b) O conhecimento científico produzido na investigação sobre a educação e o ensino, o currículo e a aprendizagem dos alunos, que informa as políticas num determinado período e transforma o conceito de docência num conceito amplo e problemático (8);

c) A incerteza criada pelas reformas sucessivas sobre as finalidades e objetivos da escola e do ensino conduzem a "ajustamentos" que, na prática, se traduzem em mais reformas. Umas e outros sucedem-se a um ritmo rápido, incoerente e perturbador, sobretudo nas últimas décadas.

Este conjunto de contextos extrínsecos e intrínsecos que influenciam a educação e o ensino mostra, ao mesmo tempo, a ambivalência e a complexidade de uma profissão sobrecarregada de quadros de referência, de normas, de funções e de tarefas, onde a ação do professor é exercida entre tensões e responsabilidades difíceis de conciliar.

Refira-se, a título exemplificativo:

a) A tripla afirmação de ensinar, de aprender e fazer aprender, enquanto faces da mesma missão;

b) O facto de ser pedido ao professor que exerça a autoridade e ao mesmo tempo pratique a compreensão e a tolerância;

c) O desempenho de um...

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