Parecer n.º 40/2005, de 08 de Setembro de 2006

Parecer n.o 40/2005

Fundaçáo - Pessoa colectiva de direito privado - Estatuto - Interesse público - Ensino superior universitário particular e cooperativo - Transformaçáo - Fusáo - Eficácia retroactiva.

1.a As assembleias distritais, previstas no artigo 291.o, n.o 2, da Constituiçáo da República e reguladas pelo Decreto-Lei n.o 5/91, de 8 de Janeiro, constituem organismos personalizados, de emanaçáo autárquica e de direito público, integrados exclusivamente por autarcas, revelando a sua composiçáo, organizaçáo e atribuiçóes características das autarquias locais, estando ainda a estas equiparadas para efeitos de tutela administrativa (artigo 1.o, n.o 2, da Lei n.o 27/96, de 1 de Agosto).

2.a Enquanto pessoas colectivas públicas, as assembleias distritais, com respeito das limitaçóes decorrentes das suas atribuiçóes, com observância dos princípios fundamentais que vinculam a Administraçáo Pública e autorizadas por diploma legal (artigo 30.o, n.o 4, da Lei n.o 3/2004, de 15 de Janeiro), podem criar fundaçóes de direito privado.

3.a O Instituto Superior Miguel Torga constitui, nos termos dos seus estatutos, uma escola de ensino superior universitário particular náo integrada que tem como objectivos ministrar o ensino e promover a investigaçáo na área do serviço social e da acçáo social, das ciências da informaçáo e outras, cabendo-lhe designadamente conferir o grau de licenciatura em Serviço Social e em Ciências da Informaçáo, bem como ministrar cursos de pós-graduaçáo e de mestrado.

4.a O funcionamento do estabelecimento de ensino de onde deriva - a Escola Normal Social de Coimbra - foi autorizado pelo Decreto-Lei n.o 30 135, de 14 de Dezembro de 1939, dentro dos quadros do ensino particular, tendo sido reconhecido pela Portaria

18 200 n.o 15/90, de 9 de Janeiro, entáo sob a denominaçáo de Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, com base no regime jurídico constante do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 271/89, de 19 de Agosto, em vigor nessa data, sendo a Assembleia Distrital de Coimbra a sua entidade instituidora.

5.a O Instituto Superior Miguel Torga é um estabelecimento de ensino, dotado de um património afectado à realizaçáo dos seus fins e garantido pela Assembleia Distrital de Coimbra, enquanto sua enti-dade instituidora.

6.a Desprovido de personalidade jurídica e, consequentemente, sem capacidade (de gozo) de ser titular de direitos subjectivos ou de estar vinculado a obrigaçóes (artigo 67.o do Código Civil), a sua intervençáo no acto de instituiçáo de uma fundaçáo náo é juridicamente admissível.

7.a A fundaçáo de direito privado constitui uma pessoa colectiva de utilidade social, dotada de património próprio, específica e auto-nomamente afectado, por um ou vários instituidores, à realizaçáo de uma ou várias finalidades de interesse social, constituindo o exemplo típico e natural de pessoa colectiva de fim altruísta ou desinteressado e náo lucrativo.

8.a A realizaçáo do fim de interesse social que a fundaçáo deve, por natureza, prosseguir, náo obsta à sua participaçáo em instrumentos societários, se se reconhecer que, também por essa via, o seu escopo é eficazmente atingido.

9.a A devoluçáo pela fundaçáo da prossecuçáo da sua finalidade a uma sociedade comercial, cujo escopo é a obtençáo, através do exercício da actividade-objecto social, de lucros e a sua repartiçáo pelos respectivos sócios, pode traduzir-se, na prática, no abandono da finalidade de interesse social que se propôs exercer, e em funçáo da qual se operou o respectivo reconhecimento, ou no próprio esgotamento desse fim, situaçáo esta que pode acarretar a sua extinçáo com base no disposto no artigo 192.o, n.o 2, alínea a), do Código Civil.

10.a A prossecuçáo do fim de uma fundaçáo através da constituiçáo de uma sociedade comercial equivale ainda a uma substituiçáo daquela por esta, que o actual regime jurídico das fundaçóes náo prevê.

11.a O reconhecimento específico das fundaçóes é o acto administrativo, com uma funçáo constitutiva, pelo qual adquirem personalidade jurídica (artigo 158.o, n.o 2, do Código Civil), estando abrangido pela regra da imediatividade dos seus efeitos jurídicos, consagrada no artigo 127.o, n.o 1, do Código do Procedimento Administrativo, náo devendo, em princípio, ser-lhe reconhecida eficácia retroactiva.

12.a A transmissáo do Instituto Superior Miguel Torga para a Fundaçáo Aeminium, operada pela sua instituidora - a Assembleia Distrital de Coimbra, e, no futuro, para a sociedade comercial TORBIS - Administraçáo de Estabelecimentos de Ensino Superior, L.da, a fim de, entáo, ser concretizada a sua fusáo com um outro estabelecimento de ensino superior particular universitário, de que é enti-dade instituidora a Fundaçáo Bissaya Barreto, náo traduz uma transmissáo directa e formal da autorizaçáo do funcionamento dos cursos ministrados nesse Instituto, ou dos respectivos registos, transmissáo que, aliás, o artigo 36.o do actual Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 16/94, de 22 de Janeiro, náo permite.

13.a No circunstancialismo referido na conclusáo anterior, verifica-se uma transmissáo do estabelecimento de ensino de uma entidade instituidora para outra, situaçáo que deve ser apreciada e decidida nos termos do disposto no artigo 56.o do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.

14.a Assim, essa transmissáo tal como a fusáo, que vier a ocorrer, dos dois estabelecimentos de ensino superior particular - o Instituto Superior Miguel Torga e o Instituto Superior Bissaya Barreto - devem ser previamente comunicadas ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, podendo o respectivo reconhecimento ser revogado com fundamento na alteraçáo dos pressupostos e circunstâncias subjacentes à sua atribuiçáo.

15.a As profundas alteraçóes que necessariamente decorrem quer da transmissáo quer da fusáo dos estabelecimentos justificam que a eventual concessáo do reconhecimento do interesse público do estabelecimento deva ser feita por decreto-lei, nos termos do artigo 54.o do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.

Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior:

Excelência:

I - Concordando com a proposta formulada pelo Secretário-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino superior (1), dignou-se

V. Ex.a solicitar ao Conselho Consultivo a emissáo de parecer sobre um conjunto de questóes suscitadas pelo pedido de reconhecimento da Fundaçáo Aeminium (2).

Essa pretensáo veio a revelar «várias e complexas questóes jurídicas», que foram examinadas pelos serviços desse Ministério (3), persistindo ainda algumas dúvidas acerca das questóes de direito levantadas nos documentos produzidos, «náo tendo o decisor político tomado qualquer posiçáo sobre o processo, favorável ou contrária à pretensáo dos instituidores da Fundaçáo Aeminium».

Tendo, entretanto, sido atribuído carácter de urgência, cumpre emitir parecer.

II - A compreensáo das questóes colocadas à atençáo deste corpo consultivo aconselha que, previamente à sua apresentaçáo, se registem alguns elementos fácticos que se retiram dos documentos constantes do processo (4).

Por escritura pública de 9 de Julho de 2003 (5), a Assembleia Distrital de Coimbra, o Instituto Superior Miguel Torga (6) e Carlos Augusto Amaral Dias (7) instituíram uma fundaçáo, denominada Fundaçáo Aeminium, a qual, nos termos dos estatutos anexos, «é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, dotada de personalidade jurídica e constituída por tempo indeterminado» (artigo 1.o), com sede provisória no Largo da Cruz de Celas, n.o 1, freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra (artigo 2.o).

De acordo com o artigo 3.o dos seus estatutos, sob a epígrafe «Fins»:

A Fundaçáo tem por objectivo principal a criaçáo em conjunto com a Fundaçáo Bissaya Barreto de um novo estabelecimento de ensino superior que integrará todos os direitos e obrigaçóes do Instituto Superior Miguel Torga e, como acessório, a divulgaçáo da cultura e da ciência.

O artigo 4.o dos estatutos, integrado no capítulo II, dedicado ao «regime patrimonial e financeiro», tem o seguinte teor:

Artigo 4.o

Património

O património da Fundaçáo Aeminium é constituído:

a) Pelos bens descritos na relaçáo que faz parte integrante desta escritura [(8)];

b) Por quaisquer rendimentos, subsídios, donativos, heranças, legados ou doaçóes de entidades públicas ou privadas, portuguesas ou estrangeiras; e c) Por todos os bens que à Fundaçáo advirem a título gratuito ou oneroso.

§ único. Os bens identificados na alínea a) constituiráo a participaçáo em espécie desta Fundaçáo no capital social da sociedade a constituir com a Fundaçáo Bissaya Barreto, para os efeitos previstos no artigo 3.o e que corresponderá a metade desse capital.

Na mesma data, imediatamente após a instituiçáo da Fundaçáo Aeminium, entre esta e a Fundaçáo Bissaya Barreto, foi constituída a sociedade comercial por quotas denominada TORBIS - Administraçáo de Estabelecimentos de Ensino Superior, L.da (9), tendo por objecto, nos termos do artigo 2.o do respectivo pacto social, «a administraçáo de estabelecimentos de ensino superior», dispondo ainda o seu artigo 3.o o seguinte:

A sociedade será instituidora de um novo estabelecimento de ensino ao qual seráo afectos todos os bens, direitos e obrigaçóes do Instituto Superior Bissaya Barreto e do Instituto Superior Miguel Torga, que seráo incorporados por aumento de capital.

O capital desta sociedade é de E 5000, integralmente realizado em numerário, e corresponde à soma de duas quotas iguais de E 2500 cada, pertencentes a cada uma das indicadas sócias (artigo 5.o, n.o 1, do pacto social), prevendo-se que nos próximos três anos se procederá ao aumento do capital social, em numerário ou em espécie, até ao montante máximo de E 8 000 000, obrigando-se as sócias a concretizar as respectivas entradas após interpelaçáo (artigo 5.o, n.o 2, do pacto social).

Em síntese, conjugando...

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