Parecer n.º 6/2005, de 24 de Novembro de 2005

Parecer n.º 6/2005. - Educação sexual nas escolas: Preâmbulo No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores José Augusto de Brito Pacheco e Maria Marques Calado de Albuquerque Gomes, o Conselho Nacional de Educação, na sua reunião plenária de 27 de Outubro de 2005, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo assim o seu segundo parecer no decurso do ano de 2005.

Parecer Introdução Perante o amplo debate que se tem registado na sociedade portuguesa, e face à polémica que tem envolvido a discussão em torno de um programa e de materiais curriculares, a Ministra da Educação solicitou um parecer 'sobre o modelo de Educação Sexual nas escolas, em vigor desde o ano de 2000'.

O pedido tem como âmbito o modelo curricular que está regulado na organização escolar, englobando também o pedido de análise de materiais produzidos pelo Ministério da Educação (ME), nomeadamente: Educação Sexual em Meio Escolar Linhas Orientadoras; Educação Sexual - Material de Apoio ao Currículo - Guia Anotado de Recursos; Saúde na Escola - Desenvolvimento de Competências Preventivas/Crianças dos 5 aos 7 Anos; Saúde na Escola - Desenvolvimento de Competências Preventivas/Crianças dos 8 aos 10 Anos.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) pronuncia-se, assim, sobre o enquadramento da Educação Sexual na estrutura curricular portuguesa e sobre materiais curriculares que têm sido utilizados nas escolas, de acordo com as orientações e a divulgação feita pelo Ministério da Educação. Convém esclarecer que não faz parte do âmbito deste parecer qualquer referência a conteúdos curriculares da Educação Sexual em contexto escolar, embora uma ou outra incursão possa ocorrer, sempre que se analisam e equacionam os enquadramentos e as perspectivas de abordagem a eles ligados.

No processo de elaboração do parecer seguiu-se uma metodologia que integrou quer a análise documental - normativos, relatórios interministeriais, pareceres do CNE, materiais curriculares - quer a audição de membros da comunidade científica, reconhecidos especialistas e técnicos, relacionados com programas e experiências pedagógicas na área da Educação Sexual, e ainda de individualidades ligadas a diversas associações. No entanto, o conteúdo deste parecer não reflecte posições singulares, nem qualquer compromisso directo para com associações e ou especialistas, sendo o resultado de uma ampla reflexão realizada.

São cinco os pontos fundamentais deste parecer: contextualização da Educação Sexual em meio escolar; olhares críticos sobre a Educação Sexual, entendida na dimensão da educação para a sexualidade; modelos de organização curricular; apreciação global, e recomendações.

I - Contextualização da Educação Sexual nas escolas 1 - Quadro normativo Toda a discussão centrada na Educação Sexual em meio escolar tem como ponto de partida duas questões fundamentais: o papel do Estado no cumprimento do direito que os alunos têm à educação sexual como componente do direito fundamental à educação(ver nota 1); e a prioridade do direito que os pais têm de escolher a educação dos seus filhos, conquanto que, em termos constitucionais, incumbe ao Estado cooperar com os pais na educação dos filhos (ver nota 2). Neste nível de debate, estamos no plano jurídico, sendo necessário lançar a discussão em torno de uma outra questão fundamental: a inclusão da Educação Sexual nas finalidades do sistema educativo e nas áreas de formação dos ensinos básico e secundário.

A este nível, a argumentação possível deve ter como campo de referencialização tanto os princípios constantes da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), quanto as orientações curriculares do Ministério da Educação, a partir das quais é feita a construção do currículo, primeiro, na fase do currículo prescrito (programas), depois, na fase do currículo apresentado (manuais) e, por último, nas fases do currículo programado/planificado (projecto educativo/curricular) e do currículo real (sala de aula).

Quanto aos argumentos utilizados, invoca-se, obrigatoriamente, a LBSE, pelo menos, em três níveis de discursividade: a declaração de princípios organizativos (ver nota 3); a formulação de objectivos para a educação pré-escolar e para os ensinos básico e secundário, e a definição de regras formais estruturantes do desenvolvimento curricular.

Nos princípios organizativos, estipula-se que o sistema educativo é estruturado de forma a contribuir, entre outras dimensões, para a 'realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionando-lhe um equilibrado desenvolvimento físico', assegurando a 'formação cívica e moral dos jovens', bem como o 'direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais de existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas'.

Tais princípios articulam-se com os objectivos da educação pré-escolar e escolar, sendo reconhecidas, entre outras, estas orientações de educação e formação das crianças e jovens: 'estimular as capacidades de cada criança e favorecer a sua formação e o desenvolvimento equilibrado de todas as suas potencialidades; contribuir para a estabilidade e segurança afectivas da criança; favorecer a observação e a compreensão do meio natural e humano para melhor integração e participação da criança (ver nota 4)' (educação pré-escolar); 'proporcionar aos alunos experiências que favoreçam a sua maturidade cívica e sócio-afectiva, criando neles atitudes e hábitos positivos de relação e cooperação, quer no plano dos seus vínculos de família, quer no da intervenção consciente e responsável na realidade circundante; proporcionar a aquisição de atitudes autónomas, visando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida comunitária' (ver nota 5) (ensino básico), e 'facultar aos jovens conhecimentos necessários à compreensão das manifestações estéticas e culturais e possibilitar o aperfeiçoamento da sua expressão artística'(ver nota 6) (ensino secundário).

Na construção prescrita do currículo, e dentro da linha de definição de um currículo nacional enquanto expressão de uma cultura comum, com núcleos temáticos de aprendizagens distribuídos por diferentes campos de conhecimento e áreas de formação, é incontornável a consideração das regras estabelecidas para a arquitectura do edifício curricular: 'A organização curricular da educação escolar terá em conta a promoção de uma equilibrada harmonia, nos planos horizontal e vertical, entre os níveis de desenvolvimento físico e motor, cognitivo, afectivo, estético, social e moral dos alunos.

Os planos curriculares do ensino básico incluirão em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componentes a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes, a educação para a saúde, a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito (ver nota 7).' Apesar das diferentes interpretações que este artigo da LBSE tem suscitado em termos de orientações, sendo prevalecente a função social da escola, tal como é reconhecido no parecer n.º 4/94, do CNE, reconhecer-se-á que a discussão sobre a integração da Educação Sexual na organização curricular se faz numa lógica de desenvolvimento pessoal e social, cujas componentes integram o que globalmente se designa por educação para a cidadania (ver nota 8). Neste sentido, qualquer decisão relativa à curricularização da Educação Sexual não tem sentido desligada das outras componentes educativas enunciadas na LBSE, imediatamente associada à transdisciplinaridade, ou seja, à existência de uma formação global que intersecta todas as áreas, disciplinas e actividades educativas e instrucionais. Na organização e gestão do currículo do ensino básico é reconhecido o princípio orientador da integração, da educação para a cidadania, com carácter transversal, em todas as áreas curriculares (ver nota 9).

Com a inoperância curricular da disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, criada pelo Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto (ver nota 10), com a desculpabilização da área-escola (parecer n.º 6/89, do CNE (ver nota 11), com a inconsequente experiência pedagógica da disciplina de Formação Cívica (ver nota 12), no ano lectivo de 1991-1992, a Educação Sexual tem sido um dos temas recorrentes da sociedade portuguesa sempre que se discute a questão da interrupção voluntária da gravidez ou se anunciam resultados sobre comportamentos de risco, nomeadamente casos de gravidez precoce e das doenças sexualmente transmissíveis. Integrar a Educação Sexual na educação para a cidadania é reconhecê-la, de forma indirecta, como um dos pilares da arquitectura curricular, já que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, para o ensino básico, e com o Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, para o ensino secundário, a Educação para a Cidadania é uma formação transdisciplinar, comum a todas as áreas disciplinares.

Por outro lado, reconhecê-la, de um modo mais visível, como disciplina é contrário ao modelo curricular da transdisciplinaridade, estipulado pela Lei n.º 120/99, de 11 de Agosto, onde se refere que os conteúdos da Educação Sexual em meio escolar 'serão incluídos de forma harmonizada nas diferentes disciplinas vocacionadas para a abordagem interdisciplinar desta matéria, no sentido de promover condições para uma melhor saúde, particularmente pelo desenvolvimento de uma atitude individual responsável quanto à sexualidade e uma futura maternidade e paternidade conscientes' (ver nota 13).

O normativo que a regulamenta (Decreto-Lei n.º 259/2000, de 17 de Outubro) estabelece que 'a organização curricular dos ensinos...

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