Parecer n.º 7/2018

Data de publicação24 Maio 2018
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 7/2018

Docente - Função Docente - Habilitação Profissional para a Docência - Ingresso - Contagem de Tempo de Serviço

1.ª - O ingresso na carreira docente dos educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário deve efetuar-se no 1.º escalão (cf. n.º 2 do artigo 36.º do ECD), sem prejuízo contudo de se atender ao tempo de serviço em funções docentes prestado anteriormente, quaisquer que tenham sido a modalidade do vínculo e as habilitações adequadas, ao tempo, de modo a posicionar quem ingressa num escalão compatível com a experiência acumulada de modo efetivo no ensino escolar ou pré-escolar (cf. n.º 3 do artigo 36.º do ECD).

2.ª - Desta operação pode resultar um posicionamento superior, de acordo com as regras gerais de progressão, o que satisfaz ao imperativo igualitário de tratar de modo diferente o que se mostra diferente e na proporção dessa diferença, desiderato que não se cumpriria caso se posicionassem de modo igual um docente com tempo de serviço significativo anterior à profissionalização e um outro sem experiência alguma.

3.ª - A análise retrospetiva do direito aplicável aos professores que já exerciam funções docentes antes de ingressarem na carreira, independentemente do vínculo e habilitação sob os quais o fizeram, revela dois aspetos muito importantes e que reiteradamente foram reconhecidos por via legislativa e regulamentar: por um lado, a valia do serviço docente prestado, em si próprio, como instrumento de aquisição de experiência e enquanto exercício de constante adaptação a novas circunstâncias; por outro lado, as contingências no acesso ao completamento de habilitações e à profissionalização, retardando as possibilidades de ingresso por tais docentes na carreira.

4.ª - Por seu turno, as funções confiadas a docentes sem profissionalização foram prestadas em regime de trabalho subordinado, sob avaliação e sob aplicação dos mesmos deveres e regime disciplinar dos docentes já ingressados na carreira, o que, não raro, justificou alinhamentos remuneratórios, quando um mínimo de paridade se perdia, em decorrência de reformas legislativas, por se considerar que uns e outros prestavam trabalho igual ou, pelo menos, equivalente na satisfação das necessidades do sistema educativo.

5.ª - A seleção e recrutamento por concurso, a fórmula modular de divisão do trabalho e a organização sequenciada do futuro profissional, verificadas certas condições e cumpridos determinados termos, têm indícios materiais de carreira preambular ou vestibular e creditaram nos interessados uma expetativa de legítima confiança, a proteger pelo Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

6.ª - Independentemente das modalidades de vinculação, os docentes a lecionarem antes do ingresso na carreira, com ou sem habilitação profissional, foram reiterada e sistematicamente incentivados a obter as condições que lhes faltavam para ingressarem na carreira e em continuidade com a atividade docente que praticavam, por se reconhecer a valia da experiência acumulada nas escolas ou em estabelecimentos pré-escolares, consoante os casos.

7.ª - Observa-se, ao longo dos tempos, um princípio de consideração pelo tempo de serviço anterior ao ingresso, antes mesmo da profissionalização, e «para todos os efeitos legais», do que dá testemunho, por exemplo, o disposto no artigo 13.º da Portaria n.º 367/98, de 29 de junho, conservado até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho.

8.ª - Singular quebra duradoura deste princípio no tempo de serviço docente ocorreu com o disposto no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 513-M1/79, de 27 de dezembro. Norma que veio porém a ser revogada e com efeitos retroativos, o que permitiu aos docentes recuperarem para a progressão na carreira o tempo de serviço docente anterior à profissionalização.

9.ª - Por seu turno, o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 409/89, de 18 de novembro, não se aplicava ao posicionamento dos docentes contratados que ingressaram ao tempo na carreira, considerando-se no apuramento do escalão respetivo todo o tempo de serviço docente efetivo, prestado antes ou depois da profissionalização ou dispensa da mesma, por força do n.º 4 do artigo 7.º do mesmo diploma.

10.ª- Como tal, os únicos hiatos na valoração do tempo de serviço docente para efeitos de progressão foram apenas os que afetaram a generalidade dos trabalhadores em funções públicas: primeiro, o tempo de serviço entre 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2006 (não contabilizado por força da Lei n.º 43/2005 e da lei que prorrogou a sua aplicação) e depois o tempo de serviço prestado entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017 que, por consecutivas providências orçamentais, ficou retido até ser considerado, para as carreiras especiais, nos termos que vierem a ser estatuídos no ano económico em curso, segundo o que se prevê no artigo 19.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, e que aprovou o Orçamento do Estado para 2018.

11.ª - O Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, limitou o conceito de pessoal docente, ao alterar a redação do artigo 2.º do Estatuto da Carreira Docente (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, com o alcance de excluir quem não seja portador de habilitação profissional para o desempenho de funções de educação ou de ensino, mas não o fez de modo retroativo nem tão-pouco definiu ou redefiniu o conceito de «tempo de serviço prestado em funções docentes» antes ou depois da sua entrada em vigor.

12.ª - O «tempo de serviço prestado em funções docentes» todavia foi considerado pelo mesmo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, no ECD, para o efeito de relevar no posicionamento de cada docente que tenha vindo ou venha a ingressar na carreira, já dotado, por conseguinte da habilitação profissional necessária, para que o trabalho prestado, a experiência adquirida e o investimento profissional do próprio docente e da Administração Pública não sejam desconsiderados, mas antes valorados positivamente.

13.ª - A consideração do tempo de serviço prestado em funções docentes com classificação de Bom, qualquer que tenha sido o vínculo da relação de trabalho subordinado, de modo a determinar o escalão em que, de acordo com os critérios gerais de progressão, é posicionado quem ingressa na carreira, tem sempre como pressuposto que o docente haja adquirido habilitação profissional para a docência em determinados níveis de ensino e para certas disciplinas ou grupos de disciplinas, seja pela formação inicial seja pela profissionalização em exercício ou até pela sua dispensa, concedida a determinados educadores de infância e professores.

14.ª - Vale dizer, pois, que alguém que seja posicionado após ingresso, preenche já plenamente os pressupostos e requisitos que configuram o conceito de pessoal docente, nos termos do artigo 2.º do ECD, o que desvirtua a invocação desta norma para não atender ao tempo de serviço em funções docentes que haja precedido a profissionalização.

15.ª - A definição legal de «pessoal docente» está, por conseguinte, compreendida nos pressupostos do n.º 3 do artigo 36.º do ECD sem comprometer a aplicação do conceito de «tempo de serviço prestado em funções docentes [...] independentemente do título jurídico da relação de trabalho subordinado».

16.ª - Aquilo a que obsta a definição legal de pessoal docente é a uma aplicação das normas estatutárias da carreira docente a indivíduos que, excecionalmente, continuem a exercer funções docentes, embora desprovidos de qualificação profissional. Nunca seriam eles os destinatários da norma contida no n.º 3 do artigo 36.º do ECD, uma vez que lhes falta atingir duas condições suspensivas essenciais por ordem consecutiva: obterem qualificação profissional e ingressarem na carreira docente.

17.ª - A utilização pelo n.º 3 do artigo 36.º do ECD de categorias verbais marcadamente genéricas, como sejam «tempo de serviço prestado em funções docentes» e «independentemente do título jurídico da relação de trabalho subordinado» não permitem ao intérprete estabelecer distinções restritivas, como seria o caso de não considerar, em absoluto, o trabalho docente anterior à profissionalização ou à aquisição por outro modo de habilitação profissional.

18.ª - Ao determinar a relevância do tempo de serviço em anteriores funções docentes, o n.º 3 do artigo 36.º, do ECD, opera, não de forma retroativa, no sentido próprio desta expressão, mas simplesmente retrospetiva, atribuindo efeitos jurídicos presentes e futuros a factos pretéritos, de acordo com o cumprimento de uma condição suspensiva que impendia sobre os mesmos.

19.ª - O membro do Governo competente para aprovar a portaria prevista no n.º 3 do artigo 36.º do ECD, dispõe de alguma margem de autonomia na ponderação do tempo de serviço em funções docentes anterior ao ingresso na carreira, mas não bastam razões de igualdade para reduzir a 0,5 pontos cada ano completo anterior à profissionalização, invocando o regime dos concursos.

20.ª - Se uma tal diferenciação é admissível em situação de concurso, por forma a tratar por igual o tempo de serviço docente anterior sem profissionalização (cf. n.º 11 do artigo 39.º Do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na redação atual) e o tempo de serviço docente anterior à obtenção da qualificação profissional por quem já a obteve (cf. iii] da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º) não tem por que ser importada, sem mais, para o posicionamento na carreira. Terá de suportar-se em outras razões, designadamente de ordem financeira - «...sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis» - na expressão usada pela norma orçamental (cf. artigo 19.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).

21.ª - Ao regulamentar o n.º 3 do artigo 36.º do ECD, deve o Governo não perder de vista o efeito reconstitutivo de carreiras concedido ao abrigo de medidas extraordinárias de regularização de pessoal ao serviço da Administração Pública, as quais, reservadas também à detenção de habilitações literárias e profissionais adequadas...

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