Parecer n.º 37/2014

Data de publicação19 Maio 2017
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 37/2014

GNR - Processo Disciplinar - Sanção - Ato Administrativo - Recurso Hierárquico - Recurso Hierárquico Necessário - Recurso Hierárquico Facultativo - Indeferimento Tácito - Impugnação - Prescrição do Procedimento Disciplinar - Prescrição das Penas Disciplinares - Prazos no Procedimento Disciplinar - Prazos Perentórios - Prazos Ordenadores.

1.ª O recurso hierárquico constitui um meio de impugnação de um ato administrativo, que tenha sido praticado por um órgão subalterno, perante o respetivo superior hierárquico, a fim de obter deste a sua revogação, modificação ou a substituição por outro e, como dispõe o artigo 167.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), sendo necessário ou facultativo consoante aquele ato seja ou não suscetível de impugnação contenciosa;

2.ª O artigo 118.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, confere ao militar arguido em processo disciplinar o direito de recorrer hierarquicamente de decisão que repute lesiva dos seus direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos, ou lhe imponha qualquer sanção, dirigindo o recurso ao Ministro da Administração Interna, quando o ato impugnado seja da autoria do comandante-geral, ou ao comandante-geral, quando a decisão recorrida emane de autoridade que esteja, hierarquicamente, dependente do mesmo;

3.ª O recurso hierárquico previsto naquele Regulamento de Disciplina reveste natureza necessária, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118.º a 124.º, na sua redação inicial;

4.ª Na sequência das alterações introduzidas ao Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto, o recurso hierárquico que continua a prever passou a assumir caráter facultativo;

5.ª Os artigos 90.º a 96.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, aplicável ao pessoal com funções policiais, consagram o recurso hierárquico como reação do funcionário ou agente contra uma decisão que lhe tiver imposto qualquer sanção que considere ilegal ou injusta;

6.ª Não obstante a falta de menção expressa quanto à sua natureza, o recurso hierárquico previsto nas disposições legais citadas do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, reveste caráter necessário;

7.ª Em conformidade com o disposto no artigo 175.º, n.º 3, do CPA, decorrido o prazo para a entidade competente conhecer do recurso hierárquico interposto sem que tenha proferido decisão, considera-se o recurso tacitamente indeferido, devendo presumir-se que o superior hierárquico se revê no ato administrativo praticado pelo seu subordinado - ato primário - o qual, assim, adquiriu de novo eficácia;

8.ª Formando-se nesse momento o «ato silente» - ato tácito - de rejeição do recurso hierárquico, tem então início o prazo para a impugnação judicial do ato primário objeto de recurso hierárquico necessário, ou é retomado o prazo, que se encontrava suspenso, para a impugnação contenciosa do ato no caso de recurso hierárquico facultativo, conforme disposto no artigo 59.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA);

9.ª Decorrido o respetivo prazo sem que tenha sido proferida a decisão do recurso hierárquico com a consequente consolidação do ato recorrido se não for objeto de impugnação contenciosa, pode admitir-se a prática de um ato expresso posterior, pelo seu autor ou pelo superior hierárquico deste;

10.ª Considera-se ainda admissível, por decorrer dos artigos 64.º e 65.º do CPTA, que no decurso da ação administrativa de impugnação do ato que fora objeto de recurso hierárquico não decidido, o superior hierárquico do autor do ato impugnado contenciosamente venha ainda, por ato expresso, a decidi-lo, com os efeitos que resultarem para a ação pendente do sentido de tal decisão;

11.ª A falta de decisão do recurso administrativo pelo órgão competente no prazo legalmente estipulado configura um indeferimento tácito, não havendo lugar à notificação do interessado a qual já foi efetuada com a notificação do ato administrativo primário recorrido, sem prejuízo da eventual aplicação do disposto no artigo 58.º, n.º 4, do CPTA (apresentação da impugnação contenciosa fora do limite temporal legalmente fixado);

12.ª O artigo 55.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública não prevê um prazo-limite para a prescrição do procedimento disciplinar o que constitui lacuna, a integrar nos termos do artigo 10.º do Código Civil;

13.ª Conforme conclusão 5.ª do parecer n.º 160/2003, de 29 de janeiro de 2004, deste Conselho Consultivo, homologado e publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 79, de 2 de abril de 2004, o caso análogo colhe-se da previsão do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, de onde resulta que a prescrição do procedimento disciplinar terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade;

14.ª O Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, na sua versão inicial, também não contemplava um prazo limite para a prescrição do procedimento disciplinar (cf. artigo 46.º) pelo que, durante a sua vigência, o regime aplicável seria o descrito na conclusão anterior;

15.ª Nos termos do n.º 7 do artigo 46.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, na redação conferida pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto, a prescrição do procedimento disciplinar tem lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo normal de prescrição, de três anos, acrescido de metade, ressalvado o tempo de suspensão, cujas causas o n.º 5 do mesmo preceito expressamente enuncia;

16.ª O regime da prescrição das penas disciplinares aplicadas ao abrigo do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública encontra-se condensado no seu artigo 56.º, contando-se os prazos da data em que a decisão punitiva se tornou irrecorrível ou da data da decisão do recurso;

17.ª Por sua vez, o regime da prescrição das penas no Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana está previsto no seu artigo 47.º: a prescrição ocorre com o decurso dos prazos indicados no n.º 1 os quais se iniciam no dia em que a decisão punitiva se torne hierarquicamente irrecorrível ou em que transitar em julgado a decisão jurisdicional em sede de impugnação judicial da mesma;

18.ª Tendo sido interposto recurso hierárquico necessário da decisão que aplicou uma sanção em processo disciplinar, o ato final a considerar para efeitos de contagem do prazo prescricional do procedimento será a notificação da decisão expressa do órgão hierárquico que lhe tenha negado provimento ou, em caso de omissão de decisão, o «ato silente» que se formou no termo do prazo para a decisão (artigo 175.º, n.º 3, do CPA);

19.ª Os regulamentos disciplinares privativos da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana não preveem qualquer consequência preclusiva para o incumprimento dos prazos que, na tramitação do procedimento disciplinar, têm como destinatários o instrutor ou a entidade competente para proferir a decisão final, sem prejuízo da ocorrência da prescrição e/ou da eventual responsabilidade por incumprimento dos deveres funcionais, nem está excluída a possibilidade de serem ainda validamente praticados os atos a que dizem respeito, o mesmo não sucedendo para o arguido em relação aos prazos de que é destinatário.

Senhora Ministra da Administração Interna,

Excelência:

I

Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar a emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a interpretação jurídica devida num conjunto de matérias que se indicam e que adiante se enumerarão.

Como enquadramento das questões colocadas, lê-se no ofício então remetido (1) que:

«Os efeitos jurídicos que resultam da aplicação dos regimes especiais de tutela disciplinar dos militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) e do pessoal policial da Polícia de Segurança Pública (PSP), previstos, respetivamente, na Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, alterada recentemente pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto, e Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, é matéria controvertida entre entidades do Estado - Provedoria de Justiça, Auditoria e Serviços Jurídicos do MAI - que importa, com urgência, esclarecer, tendo em conta, no que à GNR diz respeito, os seus efeitos antes e depois da entrada em vigor do novo Estatuto Disciplinar.»

As «matérias» cuja interpretação jurídica se pretende são as seguintes:

«1 - Qual a natureza dos recursos hierárquicos previstos nos Regulamentos de Disciplina da GNR e PSP, interpostos das decisões que impõem penas disciplinares?

2 - Em caso de Recurso Hierárquico necessário interposto, qual o ato final do procedimento que deve ser considerado para efeitos de contagem do prazo prescricional?

3 - Qual o prazo prescricional aplicável ao processo disciplinar previsto nos Regulamentos de Disciplina da GNR e PSP, incluindo eventuais causas de suspensão?

4 - Decorrido o prazo legal para decidir o Recurso Hierárquico necessário, é possível ser praticado ato expresso que o decida? Quais as suas consequências?

5 - Quando e em que termos se inicia o prazo para a interposição de Recurso Contencioso?

6 - Quais os efeitos da não notificação da decisão final do procedimento?

7 - À luz dos Estatutos Disciplinares da GNR e PSP, quando e em que termos prescrevem as penas disciplinares?

8 - Qual a natureza dos prazos aplicáveis ao processo disciplinar e que consequências advirão do seu incumprimento pelo arguido e administração?»

Por se entender relevante para a análise jurídica solicitada, anexam-se os seguintes elementos:

- Ofício - Parecer da Provedora-Adjunta de Justiça (Proc. Q-2976/13);

- Pareceres da Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos e Contencioso da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (988-D/2013, 37-D/2014, 57-D/2014 e ofício n.º 998/2014);

- Pareceres da Senhora Auditora...

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